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4. O que a análise dos dados revelou

4.4. A interpretação daquilo que não está escrito

O objetivo dessa questão era saber se o aprendiz conseguiria interpretar

o enunciado a partir do que não está escrito nele, mas sim a partir do que a

materialidade lingüística e o contexto sugerem; isto é, passível de interpretação, o subtexto, nos termos de Vygotsky (2001). Nem todos os alunos responderam essa questão. Alguns justificaram que não sabiam respondê-la e outros não escreveram nada.

Nos casos em que os aprendizes responderam que não sabiam responder a questão, foi feito um cruzamento com as outras informações provenientes de outros itens do teste para saber se o aprendiz tinha compreendido ou não o enunciado e mais especificamente os possíveis valores do uno/a. Nesses casos, observou-se que, apesar de algumas produções no espanhol e no português não serem boas, a resposta a essa questão, somada a outras, deixou claro que o aprendiz compreendeu ou, então, passou a compreender o enunciado. Vejamos alguns exemplos:

a) 1º exemplo

O aprendiz (G2 10LA) apresentou para o teste D as seguintes produções:

Espanhol: ... tal como alguién es. ... tal como otro es.

Português: A pintura será feita tal como alguém é.

Outras respostas:

Conh. Prévios: A pintura como expressão da vida de seu autor. Referência: Mais a ele mesmo e menos às outras pessoas.

Subtexto: O mesmo que dito em “c”. (A pintura como expressão da vida de

seu autor.)

As produções desse aprendiz, em espanhol, e em português, não são boas, mas o subtexto, somado a outras respostas (conhecimentos prévios e referência) indica que o aprendiz compreendeu o enunciado.

b) 2º exemplo

O aprendiz (G2 7EC) apresentou as seguintes produções para o teste D:

Espanhol: La pintura se ha de hacer tal como las personas son. La pintura deve ser hecha como uno es.

Português: Se deve fazer a pintura como as pessoas são. Outras respostas:

Conhecimentos Prévios: Aulas de espanhol. Que algo deve ser desenhado tal

como o é.

Referência: somente às outras pessoas.

Subtexto: fica subentendido que se deve fazer a pintura como ela é.

A primeira produção no espanhol, a produção no português e a referência indicam que o aluno relaciona uno a pessoas. Isso é bom, em algum sentido, pois ele pôde perceber a idéia de generalização do uno, referir-se a 3ª pessoa. No entanto, na resposta do subtexto, o aluno não retoma essa idéia, o uno se relacionaria à pintura e não às pessoas.

Tais constatações nos dão a idéia de todo do eixo compreensão- produção, pois qualquer conclusão que seja tirada, observando exclusivamente uma das partes do teste isoladamente não nos dá uma idéia clara do que os estudantes sabem ou não sabem.

Nos casos em que os aprendizes não escreveram nada, poderíamos explorar algumas hipóteses. A primeira é a de que os aprendizes ainda estão “presos” à forma e ainda tentam encontrar apoio na língua materna. Por exemplo: o aprendiz (G4 1R) reformulou em português: “Além de ser mãe, faz horas extras” e, com relação à referência, disse que Mafalda somente se referia a ela mesma e a sua mãe. Uma segunda hipótese seria a de que o aluno simplesmente não consegue produzir em língua estrangeira o que foi proposto; ou seja, o que pensa em português não consegue ser formulado em língua estrangeira. Uma terceira hipótese para esses casos é a de que o enunciado proposto parece muito óbvio para o estudante, então, o aprendiz reformula em língua estrangeira, mas não tem mais nada a dizer com relação a outras

possíveis interpretações, parece que tudo foi dito. Por exemplo: o aprendiz (G5 3LD) escreveu somente as reformulações em espanhol, que são muito pertinentes, passando da possibilidade da referência geral (1ª pessoa do plural

nuestra madre) para a particular (1ª pessoa do singular mi madre):

Además de ser nuestra madre todo el día

Además de ser la madre de uno todo el día. Además de ser mi madre el día todo.

Nesse caso é importante observar que o aprendiz (G5 3LD) não passou da reformulação de 1ª pessoa do plural (nuestra madre) para a de 1ª pessoa do singular (mi madre), o estudante estabeleceu entre essas reformulações um “estágio intermediário”, no qual faz uma relação de una com uno, que recobre também o valor referencial de 3ª pessoa.

A partir desses exemplos e de outros, com base em Vygotsky (2001: 465), os dados da pesquisa indicam que há no processamento e no processo do eixo produção-compreensão o funcionamento da linguagem interior, que vai se estruturando e reestruturando e que resgatamos através do teste experimental de rascunho mental, as reformulações. No cruzamento feito a partir dos diversos itens dos testes analisados, pudemos observar que ora há um predomínio do sentido sobre o significado e ora do significado sobre o sentido. Por exemplo: os aprendizes interpretam o sentido, o todo do enunciado que parafraseando poderia ser: “há indeterminação do sujeito, um valor referencial de 3ª pessoa no discurso, o enunciado se refere a um determinado assunto (relação familiar, pintura, etc.)”. A compreensão do significado do enunciado se daria quando o aprendiz consegue entender os possíveis valores específicos que esse enunciado pode recobrar como, por exemplo, no teste D, “o pintor Juan Gris está falando dele mesmo (referência a 1ª pessoa)”, no teste B, “a Mafalda está falando dela mesma”, e o significado do subtexto, aquilo que não está na materialidade lingüística, mas que significa algo mais do que está realmente dito.

A partir de Vygotsky (ibid.), defendemos que o sentido é uma formação dinâmica, fluida e complexa da somatória de eventos discursivo-pragmáticos, que tem zonas de estabilidade variada na linguagem, que o aprendiz de língua

estrangeira nem sempre consegue captar ou verbalizar. Para esse autor, significado é uma das zonas de determinado sentido, é imóvel e imutável, permanece estável em diferentes contextos, “(...) o significado é apenas uma pedra no edifício do sentido.” (ibid.).

A fala para si (interna) é uma formação dinâmica, fluida, que se dá a partir do sentido (todo) e do significado (as partes do edifício). Então, podemos dizer que a fala para si se realiza por meio do que é fluido, dinâmico, de determinadas zonas do sentido e também pelo que chamaríamos de “material”: as palavras e as combinações sintagmáticas, seja em língua materna ou em língua estrangeira ou mesmo numa combinação entre as duas como por vezes ocorre na produção em língua estrangeira. Isto que dizer que, na fala para si, ocorre um processo e um processamento nos quais entram em funcionamento o eixo produção-compreensão. Esse processo pode ocorrer de forma que haja um predomínio do significado sobre o sentido ou vice-versa; por isso o processo não é linear, ideal, mas sim instável. Por exemplo: a forma uno/a cria um efeito de sentido de indeterminação sujeito, mas dependendo do evento pode vir a ter um ou mais significados. Por isso, em alguns casos, é mais fácil para os aprendizes compreenderem o sentido, o continuum, generalizante de 3ª pessoa do discurso do que o significado, o mais específico, 1ª pessoa do discurso. Isso é visível nos testes pela observação das simetrias e assimetrias no eixo produção-compreensão.