• Nenhum resultado encontrado

Há muitos conceitos de interlíngua em circulação. Então, estamos conscientes de que o termo está sujeito a uma série de usos e interpretações, desde o pai da idéia Selinker (1972: 33-35 apud, Moita Lopes, 2002: 113-123) até Moita Lopes (ibid.). Para explicarmos o conceito de interlíngua, que adotamos, faremos uma breve reflexão sobre o porquê dessa escolha.

Segundo Celada (2000, apud Celada & González, 2002) tem circulado inclusive nos meios de comunicação de massa no Brasil, que as línguas espanhola e portuguesa são muito parecidas, o que estaria apoiado na quantidade de palavras que compartilham. Sobre essa aparente semelhança entre as formas, González (ibid.) afirma que,

Pocas veces se considera lo que está por detrás de la superficial semejanza de las formas, la ilusión de comprensión que produce la semejanza formal (...). Con frecuencia se elimina el peso de la historia sobre la lengua y los discursos y se cae en la ilusión de las equivalencias y de la relación directa entre la

35 Menezes (ibid.: 26-27) relata que o conceito de input + 1 de Krashen (1992) também se assemelha ao conceito de ZDP. Isto quer dizer que tanto Krashen (ibid.) como Vygotsky (ibid.) se referem a um ponto de emergência na aprendizagem. No entanto, ela nos faz ver que Krashen se apóia na questão do input e Vygotsky na da interação.

lengua – esa especie de stock de vocablos y construcciones, como apunta Celada – y la realidad, siempre la misma.

Do nosso ponto de vista, uma questão de ordem prática, por exemplo, o pouco tempo dedicado aos cursos de língua espanhola parece captar também essa representação, que ainda circula entre nós, parece dar-lhe concretude – se português e espanhol são tão parecidos e se há tão pouco (o diferente)36 a aprender, basta pouco tempo para ensinar o espanhol para os falantes do português – e termina por reproduzir e dar força a esse modelo. Celada (ibid.: 9) aponta outras conseqüências da manutenção dessa representação sobre o espanhol no nosso imaginário:

(...) la primera de ellas tiene que ver con que pensamos que tal concepción termina propiciando y alimentando lo que podemos definir como sensación de competencia inmediata – o sea, de apropiación espontánea de la lengua del otro – que, de forma general, ha caracterizado la posición del brasileño con respecto a la lengua española. Tal posición ha tenido dos de sus indicios más contundentes, por un lado, en el enunciado que hasta no hace mucho era posible oír en boca de no pocos brasileños; ‘Estudar espanhol...?! Precisa mesmo?’ y, por otro, en la producción del portunhol, esa lengua singularmente ‘famosa’ en Brasil, que es expresión de la postura de la que hablamos y, también, es la lengua de salida o alternativa en la que desemboca, desde la perspectiva del brasileño, la secuencia cuya representación comienza con los términos: español – lengua parecida – lengua fácil.

Considerando-se, então, esse imaginário de língua fácil que circula entre nós sobre o espanhol – língua que se aprende em pouco tempo ou que nem se precisa propriamente aprender –, do ponto de vista da psicanalista Revuz (2001), nossos alunos, pelo menos alguns deles, não fariam a experiência de se colocarem em “(...) uma situação de não saber absoluto (...)”(ibid.: 221) frente à língua estrangeira, estágio esse que Revuz defende como sendo o estágio do bebê (infans) que ainda não fala, mas faz a experiência de se fazer entender e, no caso do estudante de língua estrangeira, (re)faz essa experiência em outra língua. Visto dessa forma, o aprendiz de E/LE no Brasil não realizaria a experiência da impotência de se fazer compreender, pois, segundo essa crença, ele já sabe e fala algo dessa língua e também, o que é muito pior, considera que a compreende bastante bem ou até “quase tudo”.

36 Como se vê, e como ressaltam González e Celada (ibid.), sente-se aqui o peso que ainda tem entre nós a primeira versão da Análise Contrastiva, de base comportamentalista.

Todas essas imagens que circulam e que o aluno incorpora, verdadeiros estereótipos sobre a língua espanhola, condicionam de modos por vezes muito diferentes a relação do aluno com essa língua, tanto na produção quanto na compreensão, levando-o por vezes a adotar hipóteses variadas e até antagônicas sobre a língua que está aprendendo: ora tudo parece igual e a sensação de competência espontânea o leva a “soltar a língua, sem freios”, ora tudo parece tão semelhante que fica difícil discriminar e se instala o medo de errar, o medo do “portunhol”, que pode levar à mudez ou a que os aprendizes adotem o que Kulikowski & González (1999: 12) chamam de “(...) una hipótesis ‘excéntrica’ sobre la lengua que están aprendiendo por la que todo tiene que ser distinto (...).” Tudo isto quer dizer, então, que não há regra nem padrão constante, essa é a característica da interlíngua – que parece ser, com maior ou menor grau de intensidade uma característica das interlínguas, mesmo que ela se manifeste de modos diferentes – dos brasileiros aprendizes do espanhol, mesmo que esse “não padrão” termine se constituindo um padrão durante alguma etapa do processo em direção à língua estrangeira. E nesse padrão, a proximidade favorece a tendência à interpenetração dos idiomas e a mescla costuma ser uma marca muito forte da produção.

Isto é compatível também com o que afirma Moita Lopes (2002: 113-123) sobre a natureza dinâmica das interlínguas, a qual adotamos nesta tese. Segundo o autor, as interlínguas, como todas as línguas naturais “(...) estão em um estado constante de variabilidade.” (Ibid.: 115) e são determinadas pelo conhecimento que o aprendiz tem de certos contextos, domínios do discurso (cf. Selinker, 1980, apud Moita Lopes, ibid), algo que vem a ser uma condição essencial para a aprendizagem de uma língua estrangeira.

Por isso, não sabemos se seria pertinente chamar de “zona de desenvolvimento” uma etapa na qual nem sempre existe progresso, por alusão à palavra desenvolvimento que faz parte da sigla ZDP, a menos que se entenda esse desenvolvimento como processo. No entanto, não queremos dizer com isso que o aprendiz não consiga ir se aproximando da língua estrangeira chegando em determinado momento ao que Lemos (2004: 9-25) chama de “estado estável”. Interpretamos que retrocesso, avanço e vice-versa fazem parte da etapa de interlíngua; o que nos permite afirmar que o processo em direção à língua alvo não é linear; isto é, aproxima-se infinitamente, sem nunca

chegar lá. Isto quer dizer que os falantes de determinada língua estrangeira nunca chegarão a ter o estatuto de um falante nativo de determinada língua, mas podem, sim, chegar a um “estado estável”, no qual já sabem o suficiente para entender o que entendem e o que não entendem ou mesmo saber o que sabem falar e o que não sabem falar.

CAPÍTULO 3

METODOLOGIA

Não, não tenho caminho novo. O que tenho de novo é o jeito de caminhar. Thiago de Melo

1. Introdução

Neste capítulo, descrevemos a metodologia usada para a constituição do

corpus que foi utilizado na tese para análise das questões focalizadas. São

descritos os locais da pesquisa, os sujeitos, os testes, sua aplicação e as variáveis que foram levadas em conta na análise.

Conforme dito anteriormente, após a conclusão da dissertação de Mestrado, ficou uma pergunta a ser respondida: por que os aprendizes submetidos aos mesmos testes tiveram resultados diferentes, já que todos tinham passado pelas mesmas experiências em sala de aula?

Se a forma de indeterminação uno/a não foi explicitada em aulas e os aprendizes em um dado momento do processo em direção à língua alvo passam a compreender os seus valores, levantamos a hipótese de que há um processamento da informação em cada momento e que esse processamento poderá levar ou não à compreensão dos valores que essa forma pode ter no espanhol. Por exemplo, num dado momento, a forma apareceria na fala do professor, em outro, em algum texto etc., em diferentes dias e momentos da aula. Isso não excluiria, por outro lado, que o aluno viesse a ter contato com esse input em outro momento, como no trabalho, falando com hispanofalantes, vendo televisão a cabo etc. O que se observa é que, às vezes, a interpretação condiz com o valor que assume a forma uno/a, outras vezes não. Pode ser que possibilidades latentes (e inconscientes) de sua própria língua materna lhe permitam captar tais interpretações37. Os vários processamentos do input criam

37

Recentemente, nosso colega e tradutor Prof. Ms Fernando Legón estava vertendo para o espanhol um artigo científico no qual aparecia um fragmento do livro Grande Sertões Veredas, de Guimarães Rosa. Verificou, então, que na

obra aparece um certo uso de “um” que, segundo ele, poderia ser passado para o espanhol como uno. Eis o fragmento: “Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; (...)”. Esse uso foi encontrado em outros textos do autor também pelo Prof. Adrián Fanjul, que nos passou outros fragmentos em que esse “um” aparece. Em vista disso, após o término desta tese, faremos novas pesquisas, não só na obra de Guimarães Rosa, mas também nas de outros autores contemporâneos a esse autor.

um processo que leva ou não ao aprendiz à compreensão de todos os valores possíveis que essa forma poderá vir a assumir em cada contexto. Então, para testar essa hipótese, a idéia foi expor o aluno à forma uno/a, em um espaço curto de tempo, criando em cada momento um processamento e, conseqüentemente, um processo experimental.

Durante o nosso processo de Doutorado, a busca da resposta para essa pergunta nos levou a empreender novas pesquisas, já que não se tratava simplesmente de estudar o produto, dando seqüência ao que tinha sido feito antes no Mestrado, mas se tratava, sim, como já dissemos, de estudar o

processamento e o processo, seguir um novo, desafiador e complexo

caminho.