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A jurisprudência de tribunais internacionais e de árbitros

Dentre as fontes do Direito Internacional nas quais os juizes da CIJ devem buscar a norma aplicável aos litígios que os Estados lhe apresentarem, o art. 38 do Estatuto daquele tribunal internacional, na alínea (d), arrola a jurisprudência e a doutrina, nos seguintes termos: “sob reserva

da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito”. Por sua vez, o art.

59 do mesmo Estatuto, a que aquele dispositivo faz referência, assim está redigido: “A decisão da

Ambos os dispositivos devem ser lidos em conjunto. Segundo os comentaristas daquele ato multilateral, bem como a doutrina dominante no Direito Internacional, o fato de o Estatuto ter considerado a doutrina internacionalista e as decisões judiciárias como meios auxiliares, quer significar que tais fontes não são autônomas, como os tratados e convenções internacionais, os costumes internacionais e os princípios gerais de direito; trata-se de fontes que somente têm sua virtualidade de produzir a norma ou de esclarecê-la, na medida em que possam ser conjugadas com aquelas outras três, e não de maneira direta, de modo exclusivo e por força normativa própria e solitária. Com tais dispositivos, procurou-se evitar que naquela primeira corte internacional, com uma jurisdição mundial, que se instituía após o final da Primeira Guerra Mundial e que seria reconduzida no sistema das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial, dois fenômenos dos ordenamentos jurídicos internos fossem reproduzidos na esfera internacional Em primeiro lugar, buscou-se conferir um papel de importância relativa e de certo equilíbrio em relação às outras fontes, à doutrina, a norma relevada por eruditos, que em determinados sistemas da família romano- germânica dos direitos71, chega a ser desmesurada, e que em outros sistemas da família da

“common law”, chega a ser insignificante72. Em segundo lugar, buscou-se impedir o que sucede nos

ordenamentos jurídicos nacionais que se filiam à família dos direitos da “common law”, na qual um precedente judicial (um “case”, também denominado um “stare decisis73”), ou seja, uma sentença de

tribunal superior, tem força vinculante para qualquer outro litígio futuro semelhante que se apresente àquele tribunal, a outros tribunais subordinados e, com mais forte razão, a juizes de primeiro grau. Diferentemente do sistema da família dos direitos romano-germânicos, tal como conhecemos no Brasil, na “common law”, um acórdão, além de colocar fim a um litígio entre partes (portanto os efeitos subjetivos e objetivos da “res judicata” entre as partes e seus sucessores), tem efeito “erga

omnes”, de aplicação automática, para qualquer outro litígio similar que, no futuro, seja apresentado

às autoridades judiciárias que se encontram obrigadas pela norma declarada no precedente.

71 O Direito Comparado mostra a existência de grandes famílias de direito, das quais se destacam a romano-germânica (que autores ingleses e norte-americanos denominam de “civil law”) e a “common law”, na sua acepção de sistema jurídico global (no qual, “common law” tem ainda outros significados). Veja-se nosso trabalho anteriormente citado.

72 Nos EUA, a doutrina é considerada como “secondary authority” e muito raramente é invocada como razão de decidir dos juizes de primeiro grau e dos tribunais daquele país, na sua justiça federal ou nas justiças dos Estados (os “sister States”). Veja-se nosso livro:

“Common Law”: Introdução ao Direito dos EUA, id. Ibid.

73 “Stare decisis” (pronuncia-se: “stare diçaicis”) é, em particular nos EUA, expressão derivada da frase medieval, “stare decisis et

quieta non movere” (as coisas permanecem pelas próprias decisões e não devem ser alteradas). Representa o fenômeno que, no

sistema da família dos direitos romano-germânicos, se designa como “res judiciata” (coisa julgada), embora tenha, na “common law”, contornos mais abrangentes.

Um exame da jurisprudência da CPJI e da CIJ revela que, nas motivações das razões de suas decisões judiciárias, os juizes daqueles tribunais jamais adotaram a metodologia típica dos juizes e tribunais da “common law”, ou seja, partiram, obrigatoriamente de um caso julgado, analisaram as questões novas “sub judicie” e, por uma metodologia de análise dos fatos, buscaram, por analogia, os elementos que pudessem justificar a aplicação das soluções já existentes, ao caso novo. Antes, o que se pode verificar, é que a jurisprudência daquelas Cortes, deram aos casos anteriores julgados por elas, ou, diga-se ademais, por árbitros internacionais, um relevante papel de ajudar na formação da convicção dos julgadores, que permaneceram em liberdade, sem qualquer vinculação aos precedentes judiciários, para apreciar a força de convencimento da norma escrita, do costume internacional e dos princípios gerais de direito. E mesmo nas hipóteses de terem aplicado, por inteiro, um precedente anterior, o fizeram, não de maneira automática, mas tiveram de motivar suas razões com outros argumentos, como a existência de um costume internacional ou apoiados nos princípios gerais de direito, o que significa que, de nenhuma forma, se apoiaram numa normatividade automática dos julgados anteriores.

Quanto aos recentes tribunais internacionais instituídos no sistema da ONU, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, criado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, com sede em Hamburgo, e o Tribunal Penal Internacional instituído por influxo da atuação da Comissão Internacional dos Direitos Humanos daquela organização cimeira, em 1999, com sede na Haia, tudo leva a crer que as respectivas decisões devam seguir os mesmos preceitos que os até aqui existentes, relativamente aos julgados da CPJI e da CIJ, no que se refere a seu valor como fonte do Direito Internacional. Já os tribunais regionais, em matéria de integração econômica regional, o de Luxemburgo, o de Quito e o de Manágua, e em matéria de proteção dos direitos humanos, o de Estrasburgo e o de San José da Costa Rica, sua jurisprudência é mais limitada em seu valor, dadas as competências territoriais dos mesmos, razão porque, a nosso ver, podem auxiliar na demonstração da existência de um costume internacional regional.

É mister, ainda considerar outra fonte de origem jurisprudencial, que não consta do rol das fontes formais elencadas no mencionado art. 38 do Estatuto da CIJ: os precedentes dos juízos arbitrais havidos entre Estados. Em que pese as limitações do mencionado Art. 38 § 1º al. b), conjugado com o Art. 59, ambos do Estatuto da CIJ, as sentenças arbitrais entre Estados têm constituído uma poderosa fonte auxiliar na descoberta das mencionadas maneiras de revelação da norma internacional. Embora possuam limitações ainda maiores que os julgamentos judiciários realizados pelo Tribunal da ONU, no que respeita aos limites da "res judicata" (pois, como se sabe, as arbitragens são efetuadas por julgadores "ad hoc", cujas decisões, pela falta de organicidade e institucionalização de suas atuações, bem como pelo caráter personalíssimo de suas decisões, tornam problemático falar-se de uma "jurisprudência arbitral"), contudo, nos próprios casos da CIJ, alguns casos de julgamentos arbitrais, mesmo havidos entre Estados que não eram partes do julgamento em questão perante a Corte, têm sido, com relativa freqüência, invocados e serviram de parâmetro para os julgamentos. Igualmente relevantes são os precedentes de arbitragens, na formação da doutrina jusinternacionalista, como provam os eruditos relatórios da Comissão de Direito Internacional da ONU, como se verá a seguir, no presente Capítulo.

Das decisões arbitrais, avulta em importância a arbitragem no famoso caso da Fundição Trail, (como já nos referimos, apontado por grande parte da doutrina, como a primeira manifestação formal do Direito Internacional do Meio Ambiente e que inspiraria o Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, este, repetido, com pequenas variações, no Princípio 2º da Declaração do Rio), bem como a arbitragem no caso do Lago Lanoux (ou, em catalão, Lac Lanós). Apesar de particularíssimos quanto às partes envolvidas, de serem os árbitros julgadores "ad hoc", de inexistir uma instituição oficial de guarda e atestamento da autenticidade das decisões neles prolatadas, têm sido freqüentemente citados, como precedentes válidos (sem a força vinculativa dos "stare decisis", como já nos referimos) em casos entre Estados, que não foram partes litigantes naqueles.

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