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A eqüidade no Direito Internacional

84 Trata-se do Curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia pelo Embaixador brasileiro, José Sette-Camara, "Pollution of International Rivers", publicado in Recueil des Cours, Academia de Direito Internacional da Haia, Haia, Boston, Londres, Martinus Nijhoff Publishers, 1984, III, tomo 186, p. 121-216.

85 As Regras de Montreal se encontram publicadas apud Experts Group on Environmental Law of the World Commission on Environment and Development, Environmental Protection and Sustainable Development, Legal Principles and

Na linguagem da teoria geral do Direito, “eqüidade” pode ter três sentidos: a) uma virtude própria dos sistemas normativos, inclusive o jurídico, que confere ao legislador ou aplicador da norma, o dever de considerá-la, sempre tendo em vista sua finalidade da realização do valor “justo” , portanto, sinônimo de justiça, conforme definida por Ulpinano: “suum cuique tribuere”; b) a faculdade concedida aos que aplicam a norma jurídica e que devem resolver uma controvérsia, particularmente os juizes e árbitros, de decidirem por outras maneiras que aquelas referíveis a um direito existente e invocável (sendo este direito, mencionado como “jus strictum”, para marcar sua oposição à eqüidade); e c) no sistema da família dos direitos da “common law86”, a “equity” designa

um subsistema de normas que historicamente se opunha a outro, a “common law” “stricto sensu”87, e

que hoje, se caracteriza pela maior liberdade dos contratantes, pela decisão de um juiz singular (e não do júri, que é figura típica do subsistema da “common law” “stricto sensu”), e que conta com um sistema recursal mais flexível88. Não foi por outra razão que o § 2o do Estatuto da CPJI e da atual

CIJ, ao disciplinar os poderes dos juizes daquele tribunal internacional, empregou a expressão “ex

aequo et bono”, que, desde o Direito Romano, é sinônimo de “equidade” nas primeira de suas

acepções, para igualmente referir-se à segunda daquelas acepções e que pode evitar maiores problemas em confronto com os sistemas da “commom law”, se o termo “eqüidade” tivesse sido empregado, num tratado multilateral, como é aquele Estatuto e que deve ter um entendimento generalizado e uniforme, por qualquer sistema das famílias de direito.

86 Relembre-se que “common law” significa: a) a inteira família dos direitos que adotam este sistema (por oposição à família dos direitos romano-germânicos, ou “civil law”, como os ingleses e norte-americanos a designam); b) o conjunto de normas determinadas pelas decisões de tribunais superiores (por oposição a “statute law”, a norma escrita pelo legislador como nós conhecemos) e c) o direito definido pelos tribunais do rei e não do Chanceler (este, denominado “equity”). Veja-se rodapé a seguir.

87 A “common law” “stricto sensu” era aplicada pelos tribunais do rei, as Cortes de Westminster, e os recursos eram decididos pelo rei, em pessoa. Dadas as impossibilidades de o rei reunir seu conselho judiciário, devido, sobretudo à Guerra das Duas Rosas, foi aos poucos sendo delegado ao Lord Chanceler, um religioso e confessor do rei, poderes de decidir segundo sua consciência. De tais práticas, formou-se um corpo distinto de normas, aplicadas pelos Tribunais do Chanceler (as Courts of Chancery), as quais se firmaram como um subsistema autônomo, com suas regras procedimentais próprias (os “equity suits”), seus próprios precedentes, e advogados nelas especializados (os “equity lawyers”, por oposição aos “common lawyers”). Na Inglaterra os tribunais foram unificados por volta de meados do Séc. XIX, nas “civil actions”, tendo, contudo, a “equity” deixado suas marcas históricas, inclusive observáveis nos Estados federados dos EUA (salvo a Luisiana, que adota um sistema da família romano-germânica) e no seu sistema federal. Veja-se nossa obra já citada “Common Law”, Introdução ao Direito dos EUA.

88 Os EUA guardam, de maneira menos pronunciada que na Inglaterra, País de Gales e Irlanda, tanto na maioria dos direitos dos Estados federados, quanto no direito federal, a distinção entre “common law” e “equity”, sendo a mais evidente diferença a atuação do júri, nos assuntos da “common law” e do juiz solitário, na “equity”, sendo dado que a decisão de determinar-se quando um assunto é de um ou outro ramo, cabe ao juiz solitário (portanto, é uma “equity issue”).

.Releia-se o mencionado § 2o: “A presente disposição” (ou seja, a enumeração das fontes

do Direito Internacional que os juizes devem aplicar para solucionar um conflito entre Estados) “não

prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão “ex aequo et bono”, se as partes com isso concordarem”. Constante em normas que disciplinam a competência de um tribunal judiciário

internacional, a eqüidade revela-se como uma possibilidade de encontrar-se soluções de pacificação entre os Estados litigantes, não com o apoio das normas reveladas pelas formas contidas no corpo do mencionado art. 38, mas antes, por uma razoabilidade apoiada em motivos de conveniência e oportunidade, que possam permitir pacificação. Importante observar é que a eqüidade somente pode ter lugar, se houver permissão expressa dos Estados partes num litígio perante aquele tribunal judiciário internacional.

Conforme será visto na presente obra, no Cap. 8, “Soluções Pacíficas de Controvérsias”, a jurisdição da CIJ não se exerce de maneira automática, quer dizer, nem todos os Estados partes de seu Estatuto, reconhecem-lhe uma competência obrigatória, tão logo acionada por um dos Estado; em determinadas hipóteses, ainda permanece a necessidade de os Estados partes, citados a comparecerem perante um julgamento, darem sua autorização a que aquele tribunal exerça sua jurisdição. Trata-se da questão da compulsoriedade da jurisdição da antiga CPJI e da atual CIJ, a qual permanece facultativa aos Estados, nos termos do art. 35 do Estatuto (denominado “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória), assunto que será melhor analisado no Capítulo referido. O art. 35 do Estatuto reflete um momento histórico, em que os Estados mal se dispunham a transferir suas soberanias a órgãos judiciários internacionais, preferindo ainda guardar intocados grandes poderes de aceitação da jurisdição dos mesmos, nos momentos em que a mesma se exerce. Sendo assim, a CIJ ainda guarda os elementos característicos da arbitragem internacional, que é a necessidade do pleno consentimento dos Estados litigantes, tanto na investidura de pessoas competentes para aplicar o direito, quanto no relativo às formas e limites de tais poderes conferidos, num ato “ad hoc” e para uma instância bem determinada.

Dados tais característicos da jurisdição da CIJ, torna-se inevitável um paralelismo com as arbitragens internacionais entre Estados, para melhor esclarecer-se a questão da utilização da eqüidade, tanto nas arbitragens, quanto nos julgamentos pelo tribunal judiciário da ONU. Nas arbitragens entre Estados, da mesma forma que nas arbitragens comerciais internacionais entre particulares, existe o fenômeno que mais claramente define a arbitragem como sendo um instituto misto entre convenção internacional entre Estados ou contrato entre particulares, de um lado, e de outro, um processo internacional ou negocial: a total liberdade de as partes determinarem as normas procedimentais a serem seguidas pelos árbitros, inclusive no que respeita às normas de direito material a serem aplicadas, para resolução do litígio. Na verdade, nas arbitragens, são os próprios litigantes que determinam os poderes dos julgadores-árbitros e sua extensão; sendo assim, a competência do(s) árbitro(s) é determinada, seja no ato de instituição do árbitro único ou do tribunal arbitral, a convenção de arbitragem89, seja nos primeiros atos em que a instância arbitral já se

encontra instalada, e em que as partes fixam as normas processuais a serem seguidas pelo(s) árbitro(s), das quais consta a indicação da lei de direito material que deverão aplicar na solução da controvérsia. A regra, em qualquer tipo de arbitragem, é de que o(s) árbitro(s) devem aplicar aquele direito material indicado, ou na sua lacuna ou falta de indicação, aplicar as normas provindas de fontes formais reconhecidas, como o costume, os princípios gerais e direito e as auxiliares, como a jurisprudência e a doutrina; jamais poderão decidir “sponte sua” aplicar uma regra que conduza a uma solução razoável e eventualmente aceitável pelos litigantes, a não ser que tenha havido expressa autorização ao(s) árbitro(s), como dizia antiga norma revogada do Código de Processo Civil brasileiro, “para julgarem por eqüidade, fora das regras e formas de direito”90.

89 A convenção de arbitragem pode assumir a forma de uma cláusula num tratado ou convenção internacional, e no caso de particulares, num contrato, a denominada cláusula compromissória, ou a forma de um contrato “ad hoc”, o compromisso (em francês “compromis” e em inglês “submission”).

90 Esta última frase, constava no art. 1075, inciso IV do vigente Código de Processo Civil do Brasil, como um dos elementos que o compromisso arbitral poderia, facultativamente conter, mas que, se não constasse e uma decisão arbitral fosse tomada por “eqüidade”, sem ter havido, portanto, a autorização dos litigantes, tornaria o laudo arbitral nulo, por força do art. 1.100, inc. IV daquele diploma. Na atualidade, todo capítulo do CPC relativo a arbitragem foi revogado pela Lei no 9.307 de 23/09/1996, “dispõe sobre a arbitragem”, que, diretamente, não define “eqüidade”, mas distingue, no seu art. 2o, arbitragem de direito e arbitragem de eqüidade, delineando esta nos seguintes termos: “poderão, igualmente, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais

de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio”. Nesta mesma Lei, no art. 11, inc. II, consta a possibilidade

de as partes autorizarem o(s) árbitro(s) decidirem por eqüidade, “se assim for convencionado pelas partes”; contudo, inexiste previsão expressa quanto a uma decisão por eqüidade, não autorizada pelas partes, o que não quer dizer que tal fato não tenha conseqüências legais no sistema brasileiro. No caso de decisão por equidade, a lei manda que deverá haver menção expressa a tal circunstância, na sentença arbitral, (art. 26, inc. II) e, uma ausência de tal requisito, torna a sentença arbitral nula (art. 32, inc. III).

Nos casos de os juizes internacionais ou de árbitros internacionais poderem decidir ou realmente decidirem através do recurso à eqüidade, seja esta entendida como exigência presente em qualquer norma jurídica, seja aquela autorizada pelos Estados litigantes, diz-se que os mesmos agiram “en amiable compositeur”, expressão da língua francesa que, dadas as devidas proporções, poderia ser traduzida por uma frase relativamente longa: “como se fossem agentes de uma

composição amigável entre os litigantes”91. Deve-se acentuar que não se trata de mediação, bons

ofícios, conciliação ou qualquer outra forma de solução extrajudiciária de litígios internacionais, mas do exercício dos poderes inerentes a uma jurisdição na arbitragem ou num processo judiciário internacional, nos quais, houve a possibilidade de resolver-se o litígio sem a aplicação de um “jus

strictum”, mas com o recurso a normas aceitáveis pelas partes e que colocam um fim a uma

controvérsia internacional. Tudo indica que num julgamento por eqüidade, os motivos são de aplicar- se um conceito de justiça, ao passo que na “amiable composition”, o que se tem em mira é satisfazer razões de conveniência e oportunidade, portanto, critérios políticos mais amplos que as motivações de uma decisão que deve aplicar a norma jurídica estrita (o “jus strictum”).

A doutrina tem distinguido as seguintes formas de eqüidade: contra legem, praeter legem e

infra legem. Quer se trate de uma norma autoaplicável por ela mesma, quer se trate de uma virtude

do aplicador da norma, a equidade contra legem, consistiria numa forma de aplicar-se o conceito de justiça, de maneira a abrogar ou derrogar uma norma preexistente e em vigor; no Direito Internacional atual, não é admitida, pois, a partir da doutrina dominante e dos precedentes, não existe uma única decisão que tenha incluído a mesma como uma forma de abrogação ou derrogação das normas internacionais escritas ou não escritas, e portanto, ela não pode ser considerada como fonte formal daquele Direito. Considerando-se a equidade como a expressão do próprio direito, haveria necessidade de reexaminar-se o próprio Estatuto da CPJI e da atual CIJ, o qual não contempla a eqüidade como fonte formal do Direito Internacional; portanto, considerá-la como susceptível de derrogar normas internacionais vigentes, seria dar-lhe um posicionamento nas formas geracionais daquele Direito, no mesmo pé de igualdade que os tratados e convenções internacionais, o costume internacional, os princípios gerais de direito, e das fontes auxiliares. Considerando-se e eqüidade como virtude dos que fazem a norma ou dos que lhe aplicam, da mesma forma, não haveria como dar-se à eqüidade um valor autônomo, em relação às fontes; sendo uma qualidade, ela se coloca como um adjetivo às outras fontes, essas sim autônomas, e portanto, não teria como produzir seus efeitos, a não ser quando estivesse inscrita nos referidos tratados e convenções internacionais, no costume internacional, nos princípios gerais de direito, e nas fontes auxiliares; não seria a equidade que derrogaria normas internacionais vigentes, mas a atuação e a força normativa das verdadeiras fontes do Direito Internacional.

91 A nosso ver, “compositor amigável” é expressão não corrente, no Direito brasileiro e pode levar a entendimentos bizarros de tratar- se de um “músico bastante cordial”!. Nem gostaríamos de correr o risco de uma tradução risível, como o fizeram alguns desavisados ingleses para quem o “amiable compositeur” seria um “friendly printer”!

No que se refere à eqüidade “praeter legem”, ou seja, o conceito de justiça como uma fonte de normas que complementam as lacunas do Direito Internacional, há, da mesma forma, a imperfeição de conferir a um atributo de uma fonte, a virtualidade de produzir a norma, como se fosse a própria fonte. Se bem que pudesse representar um recurso, no caso de haver uma lacuna (o que, em termos de Direito Internacional é improvável haver), admitir a eqüidade como fonte autônoma, seria conferir ao juiz ou árbitro internacionais, os poderes que somente um juiz da “common law” possui. Ademais, há precedentes da jurisprudência internacional, do qual se destaca o Caso Barcelona Traction, entre Bélgica e Espanha, julgado pela CIJ, no mérito, em 05/02/197092.

Tratava-se de uma reclamação em que a Bélgica postulava contra a Espanha, indenizações por atos contrários ao Direito Internacional, em virtude de nacionalizações de haveres de uma empresa constituída e sediada no Canadá e concessionária de serviços públicos a região espanhola da Catalunha, haveres esses constituídos por ações majoritariamente pertencentes a súditos belgas. A CIJ rechaçou os argumentos belgas, tendo constatado que a norma internacional que ligitima a responsabilidade internacional de um Estado por danos a nacionais de outro Estado, pressupõe que a ofensa seja dirigida aos nacionais, pessoas físicas e não a acionários de sociedades mercantis, e que a proteção diplomática tenha por pressuposto o esgotamento prévio dos recursos internos no Estado reclamado (o que não se dava naquele caso). Na parte que interessa ao tema da eqüidade, interessa transcrever parte da sentença, em nossa tradução livre:

“ Sustentou-se, também, que por razões de equidade, um Estado deveria poder assumir, em certos casos, a proteção de seus nacionais, acionistas de uma sociedade vítima de uma violação do direito internacional. A Corte considera que a adoção da tese da proteção diplomática dos acionistas enquanto tais, abriria caminho a reclamações concorrentes da partes de vários Estados, o que poderia criar um clima de insegurança nas relações internacionais. Nas circunstâncias particulares do presente caso, no qual somente o Estado nacional da sociedade [o Canadá] se encontraria na posição de autor, à Corte não parece que considerações de equidade sejam de molde a conferir à Bélgica a qualidade [ou seja: a legitimidade] para agir93.

92 Affaire de la Barcelona Traction, Light and Power Company Limited, julgado em duas ocasiões, exceções preliminares em 24/07/1964 e sentença de mérito, em 05/02/1970. Textos resumidos apud Nations Unies, Résumé des Arrêts, Avis Consultatifs et

Ordonnances de la Cour Internationale de Justice, 1949-1991, Nova York, Nations Unies, 1992, respectivamente, p. 88-90 e 99-

101. Esta publicação da ONU tem a seguinte indicação bibliográfica: Doc. ST/LEG/SER.F/1, número de venda ao público: F.92.V.5. 93 Sentença, in op. cit., p. 100. Os colchetes foram adicionados por nós, para maior clareza, e não de encontram no texto original.

Quanto à equidade infra legem, entendida como a justiça que tempera o rigor da norma jurídica revelada por outras fontes, ela é plenamente admitida, como tal, no Direito Internacional da atualidade. Neste particular, o que se poderia questionar é se para sua atuação, como metodologia de aplicar-se a norma jurídica, deveria ou não estar expressamente autorizada pelos Estados. Claro está que, se eqüidade for entendida como motivações metajurídicas, como a conveniência ou a oportunidade, com vistas a uma solução adequada a uma questão, ou seja, se ela for o oposto à aplicação do “jus strictum” , nos julgamentos perante tribunais judiciários ou árbitros internacionais, a autorização dos Estados é essencial. Porém, se a realização da justiça for considerada como uma virtude inerente a qualquer sistema jurídico, no sentido de temperar o rigor de suas normas, pouco importando a natureza das suas fontes, parece-nos que a noção de justiça seja inerente ao próprio Direito Internacional, portanto, sua atuação não necessite de qualquer manifestação da vontade dos Estados. No Direito Internacional, é o que se pode depreender de vários julgados da CIJ, dos quais se destaca a sentença prolatada em 22/12/1986, no Caso da Disputa de Fronteiras entre Burkina

Faso94 e a República do Mali”95, em que aquele tribunal internacional foi confrontado com a questão

de aplicar as normas do Direito Internacional Público, para resolver limites entre os territórios terrestres daqueles dois novos Estados africanos, antigas colônias de França e recentemente independentes96. Na sua decisão, a CIJ, por uma câmara constituída para resolver a questão,

adotaria a regra proposta pelos litigantes, do “uti possidetis juris97”, que considerou como um

princípio de direito internacional geral, reconhecido inclusive pelos Estados litigantes, e que, como os demais países da África subsaariana e membros da Organização da Unidade Africana98, o

acolhem, dentro da formulação do princípio da intangibilidade das fronteiras herdadas do colonialismo; reconheceu, inclusive, que esta norma seria aplicável, mesmo que viesse a ferir outro princípio do direito internacional atual: o direito de os povos disporem deles mesmos. Por outro lado, rejeitou a proposta de uma decisão por eqüidade, tendo em vista que inexistia acordo entre os Estados litigantes para que a CIJ assim estatuísse. A parte da sentença que interessa, assim está redigida: “A Câmara, a seguir, examina a questão de saber se é possível, no caso em espécie,

invocar a eqüidade, a respeito da qual as partes apresentaram posições opostas. [A Câmara] não pode- isto é claro- estatuir “ex bono et aequo”, uma vez que não foi a tanto encarregada pelas partes. Contudo, levará em consideração a equidade, enquanto se exprime no seu aspecto “infra legem”, ou seja, esta forma de equidade que constitui um método de interpretação do direito e que

94 Burkina Faso é o novo nome do país do noroeste africano, o Alto Volta, a partir de 04/08/1984.

95 Texto consultado apud Nations Unies, Résumé des Arrêts, Avis Consultatifs et Ordonnances de la Cour Internationale de

Justice, 1949-1991, id., ibid., p. 251-224.

96 Burkina Faso, que tomou este nome em 1984, era o antigo Alto-Volta, independente a partir de 1960. A República do Mali, acedeu à independência em 1960, tendo resultado do desmembramento do antigo território ultramarino, o Sudão francês e da secessão da então República Sudanesa, criada em 1959.

97 O princípio emergiu com a independência das antigas colônias espanholas na América, razão pela qual também é reconhecido como “uti possidetis juris de 1810”.

98 O princípio da intocabilidade das fronteiras herdadas do colonialismo, foi expressamente reconhecido pela Resolução 16-I do Cairo, de julho de 1964 e pela Declaração dos Países Não Alinhados, adotada em outubro daquele ano, igualmente no Cairo.

repousa no direito. Levar concretamente tal equidade em consideração, resultará da aplicação que

a Câmara fará dos princípios e regras que terá julgado aplicáveis”99.

Em textos de grande número de tratados e convenções multilaterais modernos, consagra-se a possibilidade do recurso à eqüidade, ao que tudo indica, na sua formulação “infra legem”. Os exemplos mais claros se encontram no campo do Direito Internacional do Meio Ambiente, sem dúvida, altamente influenciado pelos atuais princípios gerais de direito, hauridos de uma relativa homogeneidade nas modernas legislações domésticas dos Estados (algumas de extração constitucional, como o caso do Brasil), sobretudo quando ainda definidos a partir das já mencionadas duas conferências cimeiras da ONU, Estocolmo 1972 e Rio 1992, que produziram as Declaração sobre meio Ambiente Humano e a Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

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