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Curso de Direito Internacional Público Guido Soares

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Academic year: 2021

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Capítulo 4

Fundamentos e Fontes do Direito Internacional Público

Um das hipótese para a existência do Direito Internacional Público, é haver entidades políticas dotadas de soberania, na atualidade, os Estados, sendo tal elemento aquele que lhes confere, na atualidade, a capacidade jurídica plena de ser a fonte da norma internacional. Mesmo que se suponha o Estado como uma entidade que não possa sofrer qualquer limitação nos seus poderes (concepção ultrapassada, em particular, na atualidade, onde o fenômeno da globalização tem inclusive invadido e limitado os poderes normativos dos Estados, no referente aos ordenamentos jurídicos internos), o fato de haver uma existência conjunta de Estados, bem ou mal configurada como uma comunidade internacional, já faz supor limites a um poder soberano incontrastável dos Estados, que se encontram circundados por outros, com idêntico poder soberano incontrastável.

A nosso ver, não parece corresponder à realidade afirmar-se que os Estados, por serem soberanos, exercem, com sobranceria, um poder de autolimitação; o que mostra a história e os fatos atuais, é que a autolimitação não advém de uma decisão soberana, mas finca suas raízes na inevitabilidade de um convívio com outras entidades soberanas e na necessidade de uma relação, no mínimo, de não permanente estado de agressão recíproca. Sendo assim, pelo simples fato de um Estado assumir obrigações internacionais, através de tratados e convenções, ou de submeter-se a normas não escritas, como o costume internacional, faz supor duas realidades, na aparência, contraditórias: a) somente podem obrigar-se entidades soberanas e b) ao obrigarem-se, elas se autolimitam nos seus poderes soberanos! Portanto, ao conceito de Jean Bodin, de uma soberania ilimitada, nos dias correntes, opõe-se um entendimento de que o poder de autolimitar-se é a marca da própria soberania.

Pode-se, na verdade, conceber o Direito Internacional Público, enquanto um ordenamento jurídico que se encontra numa relação com os ordenamentos internos dos Estados soberanos, numa possível dupla polaridade: um relacionamento de natureza vertical, com uma superioridade das normas internacionais sobre as internas, e um relacionamento de natureza horizontal, à semelhança das relações existentes nas organizações federais1, nas quais não se está autorizado a

mencionar a questão de superioridade do ordenamento da autoridade central, com referência aos ordenamentos das unidades federadas. O que importa considerar-se é o fato de que, a partir do 1 O Direito Comparado mostra existir grande variedade de federações. Sejam elas nascidas de fenômenos históricos de construção de uma entidade central, a partir de unidades autônomas (caso dos EUA, da Alemanha), seja a partir de uma cissiparidade de um Estado unitário (caso do Brasil, do México), a autonomia das unidades federadas, de qualquer forma, conquanto possam variar em graus, ainda continua a ser o ponto de inflexão entre os sistemas de Estado unitário e de Estado federal.

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momento em que existe um “estar junto” dos Estados, reciprocamente, nas relações internacionais, fenômeno inerente ao indivíduo e suas organizações, deve haver normas jurídicas que regulem aquelas relações, qualquer que seja a polaridade para a qual se inclinem os Estados: ora as tendências individualistas, que forçam os Governos a perseguir seus interesses nacionais, num contexto de um direito elaborado num mundo concebido como uma comunidade de justaposição, ora as tendências comunitárias, onde a tônica reside na afirmação de interesses comuns dos Estados, e aponta para uma institucionalização do exercício do poder internacional, num contexto de um Direito Internacional como um direito de subordinação.

Uma discussão importante diz respeito aos fundamentos das normas internacionais, ou, em outras palavras, as razões que justificariam os Estados, considerados como entidades soberanas, submeterem-se ao Direito Internacional. As formulações teóricas desta questão, no Direito Internacional, refletem as discussões havidas nos direitos internos, a partir dos ideais do Iluminismo, de buscar-se resolver aquela contradição: de uma entidade soberana, o Estado, submeter-se a uma autoridade superior a ela, o direito, seja o direito interno, que ele mesmo cria e que hoje, admite-se, não provem unicamente da autoridade do Estado, ou seja: o direito internacional. No presente estudo interessa-nos o problema, do ponto de vista do Direito Internacional.

No Séc. XX, segundo teorias mais modernas2, os posicionamentos sobre a questão assumem

a forma de duas correntes opostas: a) o voluntarismo jurídico3, baseado na hipótese de que o Direito

Internacional, tal qual o direito interno, somente pode derivar da vontade do legislador, no caso daquele, a vontade dos Estados (uma vontade expressa, em tratados e convenções internacionais, ou uma vontade tácita, conforme resultante do costume internacional) e, portanto, seu poder de obrigar os Estados, deriva unicamente da vontade de os Estados a ele se submeterem e b) as teorias objetivistas4, segundo as quais, para assegurar a defesa e manutenção da ordem

internacional, os Estados podem mesmo prescindir de uma organização perfeita, como nos ordenamentos jurídicos internos, onde existe uma racionalização do uso e do monopólio da força oponível a todos os destinatários da norma jurídica, uma vez que são as necessidades para a salvaguarda daqueles valores da comunidade internacional, que devem prevalecer sobre os interesses particulares dos Estados.

Ambos os enfoques devem ser temperados, pois há perigos nos excessos. Apor um lado, o voluntarismo exacerba a noção de soberania dos Estados, a ponto de minimizar conceitos como o 2 Estudos exemplares sobre a questão se encontra em A Verdross, “Le Fondement du Droit International, IN: RdC, Haia, 1927, tomo 1, p. 247 e ss. e, mais modernamente, no insuperável Ch. De Visscher, Théories et Réalités en Droit Internacional Public, Paris, Ed. Pedone, 4a ed., 1978, p. 68 e ss.

3 São representantes desta corrente, Jellinek, Triepel e, sobretudo, Anzilotti. Este autor italiano, considera que o poder da vontade dos Estados é tanto, que a regra “pacta sunt servanda” constituiria um dado indemonstrável, sendo válido por ele mesmo, portanto, um verdadeiro axioma jurídico.

4 Representantes de tal corrente são os adeptos do direito natural, e, modernamente as vertentes das teorias sociológicas do direito (L. Duguit e Georges Scelle) e do normativismo jurídico, de Hans Kelsen, da Teoria Pura do Direito, na qual, diferentemente de fases anteriores de seu pensamento, faz repousar o fundamento da sua construção escalonada do Direito, numa norma hipotética suposta, sem conteúdo (e não mais, como admitia anteriormente, numa norma fundamental, o “pacta sunt servanda”).

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do interesse comum da humanidade, ou mesmo erradicar o próprio conceito de comunidade internacional (pela negação da possibilidade da emergência de uma ordem internacional válida “erga omnes”5), mal explica como determinadas fontes das normas internacionais, tais os princípios

gerais do direito ou o costume internacional, obrigam a Estados que não participaram de sua formação. Por outro, as doutrinas objetivistas tendem a minimizar o conceito de soberania do Estado, a ponto de, muitas vezes, chegarem a negar o papel da vontade dos Estados na criação do Direito Internacional.

Claro está que a questão doutrinária permanece aberta, em especial com a emergência do fenômeno do Direito Supranacional e com todas as implicações que a globalização tem trazido, para uma nova análise das questões tradicionais e perenes do Direito Internacional. Tanto e enquanto persistir a realidade denominada “Estado soberano”, que deve conviver com uma realidade, que são os outros Estados, sempre haverá a possibilidade de explicar-se a emergência de uma norma deles exigível, seja pelo viés de uma criação dos entes soberanos, seja por aquele da imposição das necessidades dos próprios relacionamentos entre eles, quer através de uma concessão outorgada de poderes normativos a legisladores não internos, quer por uma imposição heterônima do conjunto dos Estados e dos demais atores e destinatários das normas, agentes não estatais.

Na Teoria Geral do Direito, consideram-se fontes as razões que determinam a produção das normas jurídicas, bem como as maneira como elas são reveladas. Tomada como motivo ou causa eficiente da existência da norma jurídica, a fonte se diz “fonte material”, e tomada no sentido de modo de revelar-se, a fonte se diz “fonte formal”. Na primeira acepção, a fonte material nos informa que um determinado comportamento passará a ser jurídico, e portanto exigível de uma pessoa, seu destinatário, Estados ou organizações intergovernamentais, na medida em que represente a afirmação e a realização dos valores profundos das relações entre os homens, tais como as aspirações de manutenção da paz e da concórdia, os ideais da realização da justiça, ou ainda, as exigências de uma interdependência social, ou o dever de solidariedade entre os seres humanos (e inúmeras outras formulações, conforme a mundivisão de cada doutrinador). Na segunda acepção, a fonte formal nos informa sobre as formas externas e claras com que um valor deverá se revestir, as maneiras de expressão que este valor deverá adotar, para ser considerado como uma norma jurídica. Neste último aspecto, as fontes formais são maneiras de expressão clara dos valores jurídicos, em última análise, os indicadores do momento de geração de uma norma jurídica e ao mesmo tempo, do lugar imaterial onde a mesma deve ser encontrada.

Interessa no presente livro, o estudo das fontes formais. A título de ilustração, poderíamos fazer um analogia com a pessoa que busca água para matar sua sede: vai á fonte, onde ela jorra (fonte formal), sem ter-se de preocupar-se com a indagação de sua origem mais profunda (fonte 5 As críticas de Duguit a tal doutrina são oportunas: uma regra jurídica que só existisse para aqueles que a criaram e às quais se submetem voluntariamente, não é direito, a não ser que se refira a uma regra anterior, ela mesma imperativa, e exigível de todos quantos participaram da convenção.

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material), ou seja, se a mesma vem de lençóis freáticos, que resultaram da precipitação pluviométrica, ou ainda do ciclo da água na terra, ou mesmo de sua origem, a partir do “big-bang” que formou o universo. A quem busque saber se há uma norma jurídica internacional, ou melhor dito, se alguém quiser informar-se a partir de que momento um valor se tornou jurídico, por força de uma norma, a qual que passou a criar direitos e deveres para seus destinatários, o caminho será buscar o modo como os valores, que se encontram embutidos naquele comportamento, são exteriormente revelados: se num tratado internacional, se num costume internacional, se num princípio geral de Direito Internacional ou se nas demais formas de revelação deste Direito.

Há setores do Direito Internacional Público onde as discussões sobre a natureza das fontes de suas normas, apresenta um grande interesse. No Direito Internacional do Meio Ambiente, poderá haver uma infinidade de razões científicas que mandariam ou aconselhariam os Estados a abster-se de permitirem emissões de grandes quantidades de carbono, em particular porque resultam na formação de gases que elevam a temperatura da terra, à semelhança de uma estufa de jardim (os gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono, presente nas emissões de gases provenientes na queima de combustíveis fósseis, como a gasolina dos carros). No entanto, tais razões somente se transformam em ordens mandatórias ou em comportamentos desejáveis aos Estados, na medida em que se revestem da forma de tratados internacionais, como tem sido o caso da Convenção-Quadro das Nações Unidas, sobre Modificação do Clima, adotada durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992. As razões de controle da pesca internacional, a nível internacional, podem ser determinadas por razões da Biologia Marinha, ou por motivos econômicos de controles internacionais dos estoques de peixes, mas sua transformação em direitos e deveres dirigidos aos Estados e aos particulares sob jurisdição dos Estados, somente se verifica, após aquelas normas técnicas estarem constantes em tratados ou convenções internacionais, que regulam a pesca de determinadas espécies, seja em mares nacionais, regionais ou no alto mar, ou se forem reveladas através de usos e costumes internacionais.

Tradicionalmente, tem-se considerado como parte do rol das fontes formais do Direito Internacional Público, a enumeração constante do art. Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ), verbis:

1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

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d) sob reserva da disposição do art. 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão

ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.

Deve-se, inicialmente, apontar uma lacuna deste artigo, na enumeração das fontes do Direito Internacional Público. Na verdade, o Estatuto da CIJ é o mesmo texto do Estatuto do tribunal internacional, que funcionou entre 1919 e 1945, a Corte Permanente de Justiça Internacional, (órgão paralelo à finada Sociedade das Nações, ou Liga das Nações), portanto, elaborado numa regulamentação de final da Primeira Guerra Mundial. Contudo, já à época de sua adoção, não representava o melhor rol das fontes do Direito Internacional, pois não consagrava duas realidades então existentes: a) as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época e, com alguma justificativa, b) as decisões tomadas pelas organizações internacionais intergovernamentais (hoje denominadas OIs, por oposição às ONGs), entidades que, naquele momento histórico, eram bastante tímidas na sua atuação e limitadas na sua competência internacional (ou eram regionais, como a UPA, a União Panamericana, com sede em Washington, antecessora da atual Organização dos Estados Americanos, OEA, ou eram adstritas a assuntos por demais técnicos, como questões postais, a União Postal Universal, UPU, com sede em Berna, a questões de telecomunicações, a União Internacional das Telecomunicações, UIT, com sede em Genebra e a questões relacionadas à proteção da propriedade industrial, União de Paris e à proteção dos direitos artísticos e literários, União de Berna, com escritórios administrativos igualmente em Genebra) e com uma personalidade não muito bem definida no Direito Internacional (tanto que aquelas entidades interestatais se denominavam "Uniões" e não "organizações", num paralelismo com as uniões de Estados, fenômeno do final do Séc. XIX). Na verdade, a primeira organização internacional de feições modernas, com uma personalidade de Direito Internacional definida, com poderes de editar normas internacionais dirigidas aos Estados, foi a Organização Internacional do Trabalho, instituída pela parte XVII do Tratado de Versalhes de 1919 e que passaria a funcionar no Entre Guerras, até os dias correntes, coetaneamente com a instituição da Liga das Nações, como a OIT, sediadas em Genebra.

Com a proliferação das organizações intergovernamentais (OIGs), após a instituição da ONU, aquela lacuna do citado art. 38 do Estatuto da CIJ se tem tornado ainda mais injustificada, em particular, com a emergência das organizações regionais de integração econômica, onde, no tipo "mercado comum" (como a Comunidade Européia e o Pacto Andino), órgãos comunitários, por delegação de poderes expressos dos Estados Partes, podem elaborar normas especiais e regionais,

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dirigidas aos Estados, aos próprios órgãos comunitários, a indivíduos e pessoas jurídicas de direito interno.

Tanto as declarações unilaterais dos Estados, como as decisões das organizações internacionais interestatais (com a mais variada denominação e efeitos distintos e próprios, conforme o caráter de cada organização), são consideradas fontes unilaterais do Direito Internacional, porquanto oriundas de um órgão ao qual se atribui o poder de editar normas internacionais (em contraste com as fontes de natureza bilateral, ou seja: Estado/Estado, ou Estado/OIGs, ainda OIGs/OIGs, e com as fontes multilaterais, aqueles atos em cuja adoção participam mais de duas pessoas jurídicas de Direito Internacional Público, às quais se reconhece o poder de editar normas: Estado ou OIGs).

No Direito Internacional do Meio Ambiente, tem emergido uma série de atos daqueles órgãos estabelecidos por alguns tratados e convenções multilaterais, que podem ser de duas categorias: a) entidades compostas da totalidade das partes contratantes, que se reúnem intermitentemente, e em rodízio, em Capitais ou cidades de cada Estado, em geral denominadas "Conferência das Partes", (as “COP”, no jargão corrente, da sigla de sua apelação em inglês, "Conference of the Parties") e b) órgãos técnicos e científicos, de composição restrita dos Estados partes, em regra composto de peritos ou técnicos, e que emitem normas, a serem referendadas pela COP. Tais entidades instituídas com poderes normativos explícitos pelos tratados e convenções multilaterais, recebem destes, os poderes de complementar, reformar ou mesmo adicionar novas normas àqueles tratados e convenções multilaterais, os quais são demasiadamente vagos e imprecisos para que possam ser aplicados diretamente, sem aquela regulamentação dos órgãos instituídos. De alguma forma são normas assimiláveis àquelas expedidas pelas organizações intergovernamentais, embora expedidas por colegiados que não têm personalidade jurídica. O assunto será melhor analisado, a seguir, nas considerações dos denominados "tratados-quadro".6

É da maior importância ter-se em mente que, no estudo das fontes do Direito Internacional Público, em especial na maneira de atuação das mesmas, há necessidade de observar-se que existe estreita inter-relação entre elas; uma fonte, em especial quando se cogita da interpretação de um tratado internacional escrito, quase sempre é citada em conjunto com outras, para provar-se ser uma forma particular de revelação daquele Direito, confirmada por outras fontes. Duvidamos mesmo que existam tratados ou convenções internacionais suficientemente claros, que dispensem qualquer outro meio auxiliar de interpretação, em particular quando o entendimento de seus termos se encontre numa situação de conflito entre os Estados Partes! Um exame da jurisprudência dos tribunais internacionais, demonstra que os litígios que envolveram interpretação de tratados e convenções internacionais, bilaterais ou multilaterais, são resolvidos, com a definição de uma norma 6 A partir da citação do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, o que se seguiu, até este ponto, foi transcrição de nosso livro, Direito Internacional do Meio Ambiente: Emergência, Obrigações e Responsabilidades, São Paulo, Editora Atlas, 2001, retirada do Cap. 6 “Fontes do Direito Internacional do meio Ambiente”.

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aplicável na espécie sub judice, após um exaustivo exame de outros tratados e convenções entre as partes litigantes, ou entre terceiros Estados, com o recurso à prova decisiva de haver um costume internacional, com o auxílio da doutrina de autores internacionais consagrados em Direito Internacional Público, com a revelação de ser tal ou qual postulação de um ou outro litigante, apoiada ou rechaçada pelos princípios gerais do Direito Internacional Público, ou ainda, que existe um precedente judiciário ou arbitral, elaborado para a solução de controvérsias similares entre os próprios litigantes ou entre terceiros Estados. Da mesma forma, a prova de um costume internacional, irá depender da existência de tratados internacionais em outras partes do mundo, ou entre terceiros Estados, de estar seu conteúdo conforme com um princípio geral do Direito Internacional Público, ou segundo uma linha traçada por uma jurisprudência internacional ou arbitral. E da mesma forma, para afirmar-se que uma regra constitui um princípio geral de direito, recorre-se à prova de sua confirmação como tal, por outras fontes, como a doutrina internacionalista, ou a sua definição em precedentes judiciais ou arbitrais. Isto posto, resulta que inexiste qualquer hierarquia entre as fontes formais do Direito Internacional Público, e mesmo os tratados e convenções internacionais solenes, não representam a fonte mais importante, tendo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a seguir comentada, assim estatuído expressamente, no seu art. 43 (Obrigações Impostas pelo Direito Internacional Independentemente de um Tratado): “a nulidade de

um tratado, sua extinção, sua denúncia, a retirada de uma das partes ou a suspensão da execução de um tratado em conseqüência da aplicação da Presente Convenção ou das disposições de um tratado, não prejudicarão, de nenhum modo, o dever de um Estado de cumprir qualquer obrigação enunciada no tratado à qual estaria sujeito em virtude do direito internacional, independentemente do tratado”.

4.1. Os tratados internacionais

Os tratados internacionais são atos solenes entre os Estados, tão antigos quanto as relações amistosas ou litigiosas entre grupos políticos autônomos. A notícia de sua prática entre os povos, pode ser datada dos primeiros registros escritos ou gravados em monumentos de pedra, os quais procuravam tornar claros, e em especial, com vistas à sua perpetuação no tempo, tal como os valores religiosos fundamentais das grandes civilizações, os direitos e deveres entre aquelas unidades políticas autônomas. Assim, os tratados de paz ou de aliança, as arbitragens que terminavam uma guerra, encontram-se gravados em estelas e mesmo na simbologia de antigos monumentos, que representavam, a exemplo, os deuses de povos rivais, em atitudes fraternas. A necessidade de petrificação dos direitos e deveres internacionais, em documentos claros e permanentes no tempo, fez com que tradicionalmente, os tratados e convenções internacionais se denominassem “jus scriptum”, em atenção aos valores expressos pelos conceitos e palavras escritos, desde os primórdios da civilização humana.

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No tema dos tratados internacionais, há um importante tratado multilateral que consolidou antigos costumes entre os povos e antigas regras esparsas em grandes tratados internacionais históricos, bem como escreveu normas que estavam subjacentes na consciência do homem moderno. Trata-se da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, elaborada em um longo trabalho da Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas, com consultas aos Governos dos Estados, e adotada a 23 de maio de 1969, na Capital austríaca, ao final de uma conferência diplomática internacional, especialmente convocada pela ONU. Encontra-se em vigor internacional, desde 27 de janeiro de 1980 (ou seja, trinta dias após o 30o depósito do instrumento

de ratificação ou adesão), tendo sido assinada pelo Brasil, mas, até o presente momento, ainda em processo de tramitação no Congresso Nacional, para fins de sua aprovação parlamentar e, assim, autorizar-se o Presidente da República a depositar o instrumento de ratificação do Brasil7.

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, após um preâmbulo de 8 parágrafos8, e

um art. 1o em que afirma que ela se aplica “a tratados entre Estados”, seguindo a moderna técnica

de redação dos atos multilaterais mais importantes da atualidade, no art. 2o, define as “expressões

empregadas”. Segundo a alínea a) do art. 2o, ““tratado” significa um acordo internacional celebrado

por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”. Desta

definição resultam importantes conseqüências: a) os tratados regulados naquela Convenção são unicamente os celebrados entre Estados, estando excluídos, portanto, os atos entre Estados e outros sujeitos de Direito Internacional, como as organizações intergovernamentais ou os movimentos de libertação nacional, bem como os acordos celebrados entre outros sujeitos de direito internacional; b) os acordos devem ser escritos (o que não significa que possa haver tratados não escritos, como deixa entrever o art. 3o, que os exclui do âmbito de aplicação daquela Convenção,

sem que com isso fique prejudicado seu valor jurídico; c) os tratados internacionais podem apresentar-se num único documento, ou em vários, evidentemente que entre as mesmas partes signatárias e sobre o mesmo assunto, como é um acordo por troca de notas diplomáticas, entre uma missão diplomática de país estrangeiro, com o qual haja relações diplomáticas formais, e a Chancelaria (denominação corrente para o Ministério das Relações Exteriores)9 do país onde se

7 Veja-se, mais além, na presente Seção, uma definição dos termos empregados neste parágrafo, bem como a descrição do processo que deve seguir um tratado internacional para sua vigência no ordenamento jurídico internacional e no ordenamento jurídico interno brasileiro.

8 A Convenção de Viena compõe-se de 85 artigos, todos ementados, e mais um Anexo de 7 artigos (sobre conciliação), aqueles, agrupados em Partes, divididas, por vezes em Seções. As Partes são as seguintes: Parte I- Introdução; Parte II- Conclusão e Entrada em Vigor, Parte III- Observância, Aplicação e Interpretação, Parte IV- Emendas e Modificações, Parte V- Nulidades, Extinção e Suspensão da Aplicação de Tratados, Parte VI- Disposições Diversas, Parte VII- Depositários, Notificação, Ratificação e Registro e Parte VIII- Cláusulas Finais.

9 Deve ser notado que o termo “chancelaria” designa, na prática generalizada, igualmente, os escritórios de uma missão diplomática estrangeira, que podem ser localizados em locais distintos da residência do chefe da missão diplomática (esta, em geral, edifícios imponentes, marcados pelas necessidades inerentes a cargos e funções de representação). A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, não emprega o termo, mas utiliza a expressão “locais da missão” para aqueles locais, com seus edifícios, os quais gozam de privilégios e imunidades. Quando quer se referir à residência, emprega a expressão “residência particular do agente diplomático” (cf. art. 30 daquela Convenção).

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encontra acreditada e d) para serem regulados pela Convenção, pouco importa a denominação que ostentem.

Na verdade, a denominação dos tratados internacionais é irrelevante para determinação de seus efeitos ou de sua eficácia. A prática tem demonstrado que os Estados não atribuem qualquer conseqüência jurídica a tal ou qual denominação dos atos bilaterais ou multilaterais internacionais: tratados, acordos, convenções, acordos, ajustes, pactos, ligas, ou outros nomes têm sido utilizados, sem qualquer critério. Algumas denominações são reservadas a atos multilaterais internacionais de particular relevância: “Carta das Nações Unidas”, para o Tratado de São Francisco, firmado a 26 de junho de 1945, por uma conferência internacional convocada naquela cidade, ao final da Segunda Guerra Mundial e que instituiria a ONU, “Pacto”, tratados de paz ou de aliança (a ex.: o finado Pacto de Varsóvia), e na atualidade, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos. Sociais e Culturais, e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, os dois importantes tratados multilaterais adotados em Nova York, sob a égide da AG da ONU, no mesmo dia, a 16 de dezembro de 1966.

Talvez a única denominação que pareceria indicar um certo efeito jurídico para os dispositivos consagrados no texto do tratado internacional que o consagra, seja o de “protocolo” (a ex.: Protocolo de Quioto à Convenção à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, de 10/12/1997), fato que, no entanto, é desmentido pelo Protocolo de Genebra sobre Cláusula Compromissória, de 1923, que é totalmente autônomo. Mesmo que a denominação pudesse ser indicativa de dependência entre tratados sucessivos, o que provam a prática e a jurisprudência internacional, é que são raros os tratados sucessivos e reciprocamente dependentes e não seria sua denominação que iria influenciar em tal fenômeno. Na verdade, para os tratados terem efeitos uns sobre os outros, além da necessidade de dispositivos expressos, é necessário uma demonstração, a partir da interpretação sistemática dos seus termos, bem como das realidades por eles estabelecidas, que existe, verdadeiramente, entre os mesmos, um relacionamento essencial10. A regra continua sendo de que cada tratado, independentemente de sua denominação, é

um universo autocontido, que deve ter uma interpretação dentro dele mesmo (bastando para confirmar tal regra, verificar-se que nem sempre os Estados partes de um tratado, o são do tratado sucessivo).

Para demonstrar-se a irrelevância da denominação dos tratados, a doutrina e a jurisprudência internacionais têm empregado expressões do tipo “tratados e convenções”, “tratados ou convenções”, “tratados ou acordos internacionais”. Tal fato se reflete mesmo na terminologia consagrada na Constituição federal brasileira de 1988, onde constam as denominações: “tratados”11,

10 A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados versa sobre o assunto, no seu art., 30, ementado “Aplicação de Tratados Sucessivos sobre o Mesmo Assunto”.

11 Conforme art. 102, inciso III, letra b, que institui a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar em recurso extraordinário, quando a decisão recorrida “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. No art. 105, inciso III, letra a, é estabelecida a competência do Superior Tribunal de Justiça para julgar em recurso especial, as causas decididas por tribunais inferiores, quando a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal ou negar-lhes vigência”.

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“tratados internacionais”12, “acordos firmados pela União”13 e as expressões: “tratados, convenção

e atos internacionais14” e “tratados, acordos ou atos internacionais”15.

Tem variado, na prática e na doutrina comparada do Direito Internacional Público, os critérios para a classificação dos tipos de tratados internacionais. Os critérios mais correntes são: a) segundo o número dos Estados-Partes: tratados bilaterais e tratados multilaterais; b) segundo a possibilidade de participação, restrita a determinados critérios no relativo à assinatura ou à possibilidade de adesão de Estados-Partes que não assinaram o texto: tratados abertos e tratados fechados (a ex.: o Tratado de Cooperação Amazônica, restrito a Estados independentes com territórios naquele espaço geográfico); c) segundo o modo de sua entrada em vigor: tratados em devida forma (necessitam da troca de instrumentos de ratificação ou da prática pelos Estados signatários, de outro ato solene posterior à sua assinatura) e tratados em forma simplificada, também denominados “Executive

Agreements”16 (entram em vigor, no momento de sua assinatura, ou no momento em que seu texto

dispuser, prescindindo de atos posteriores, como o da ratificação) e) quanto à matéria regulada, os tipos podem variar ao infinito, citando-se como exemplos: tratados de paz (regulam o fim de uma guerra ou conflito armado e estabelecem as conseqüências para os vencidos), tratados de comércio e navegação, tratados de amizade e consulta (estabelecem obrigações de consultas recíprocas entre os Estados signatários), convênio cultural, tratados de extradição, tratados de troca de presos que cumprem sentenças, tratados fundação (instituem organizações intergovernamentais, em geral, com seu estatuto previsto e, certamente, uma sede, em alguma cidade).

Mencione-se a possibilidade, hoje dificultada pelo Direito Internacional Público, de existirem “tratados secretos”. Historicamente, tratava-se daqueles tratados ou convenções firmados entre os Poderes Executivos dos Estados e subtraídos aos controles parlamentares das respectivas populações. Tal prática, corrente em séculos anteriores, tem sido proibida, nos ordenamentos internos dos Estados democráticos, em virtude da relativa universalidade de normas constitucionais na atualidade, referentes aos controles parlamentares da política externa dos Estados. Desde os Tratados de Versalhes de 1919, com a constituição da Liga das Nações, e o prestígio crescente, após a criação da ONU, da diplomacia dita “democrática”, o Direito Internacional tem exigido uma publicidade dos tratados internacionais, o que se perfaz, mediante um registro dos mesmos junto ao Secretário Geral da ONU, sob pena da proibição de sua invocação perante órgãos daquela 12 Art. 5o § 2o , “verbis”: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

13 Art. 178 “caput” : “A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do

transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade”. Redação determinada

pela Emenda Constitucional n o 7/95.

14 Art. 84, inciso VIII, “verbis”: “Compete privativamente ao Presidente da República…celebrar tratados, convenções e atos

internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.

15 Art. 49, inciso I, “verbis”: “É da competência exclusiva do Congresso Nacional…resolver definitivamente sobre tratados, acordos

ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

16 Veja-se da autoria do autor deste livro, o verbete “Executive Agreements”, na Enciclopédia Saraiva de Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, vol. 5, p. 246-81.

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organização (art. 102 da Carta da ONU17 ). Tais normas internacionais podem ser poderosos

inibidores da diplomacia secreta, na medida em que consideram inoperantes os tratados não registrados, quando eventualmente invocados como fontes de direitos e deveres internacionais, perante qualquer procedimento da Corte Internacional de Justiça.

Na atualidade, há dois tipos de tratados internacionais multilaterais, que merecem referência, um ainda não batizado como tal em textos do “jus scriptum” e outro já sacramentado por estes. O primeiro é o “umbrella treaty” (tratado guarda-chuva), que significa um tratado amplo, de grandes linhas normativas, sob cuja sombra outros tratados se encontram e que, em princípio, ou foram elaborados em complementação aos dispositivos daquele, ou foram assinados entre alguns Estados membros daquele mais geral, com objetivos especiais por eles permitidos. Os exemplos de tratados que especificam ou complementam outros, são duas convenções e o protocolo vigentes internacionalmente, que se encontram sob a sombra do Tratado da Antártica de 1959, assinado em Washington, a 10/12/1959 e em vigor no Brasil, por força do Decreto 75.963 de 11/07/1975, constituindo o conjunto, o denominado: “sistema da Antártica” 18. Um exemplo de tratado

guarda-chuva que permite tratados sobre temas correlatos versados por ele, entre alguns de seus membros, é o tratado fundação da Organização Mundial do Comércio (Acordo de Marraqueche de 12/04/199419), que, adota a regra da igualdade de tratamento entre seus Membros e proíbe

discriminações nas relações comerciais, mas que abre exceções para acordos regionais de integração econômica; sendo assim, os tratados que instituíram e que regulam a Comunidade Européia, ou aqueles que regulam o Mercosul ou o NAFTA, devem estar conformes às regras da OMC (devendo observar-se, igualmente, que o Mercosul deve estar, igualmente, de conformidade com outro tratado guarda-chuva regional, o Tratado de Montevidéu de 1980, que instituiu a Associação Latino-Americana de Integração, a ALADI, ela mesma, por sua vez, igualmente abrigada sob o guarda-chuva da OMC).

17 Eis os termos do art. 102 da Carta da ONU: “1. Todo tratado e todo acordo internacional concluídos por qualquer membro das

Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta, deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado. 2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado de conformidade com as disposições do § 1o deste artigo, poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações

Unidas”.

18 Ademais do Tratado de Antártica, constituem o “sistema da Antártica”: a) a Convenção para a Proteção das Focas Antárticas, assinada em Londres, a 1º de junho de 1972, no Brasil promulgada pelo Decreto nº 66 de 18/03/1991; b) a Convenção sobre Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, assinada em Camberra, a 20 de maio de 1980, e no Brasil promulgado pelo Decreto nº 93.935 de 15/I/1987 e c) o Protocolo ao Tratado da Antártica sobre Proteção ao Meio Ambiente, adotado em Madri a 03 de outubro de 1991, assinado pelo Brasil a 4 do mesmo mês e ano e remetido à aprovação do Congresso Nacional com a Mensagem Presidencial nº 231 de 30 de abril de 1993. Deve ser mencionado que se encontra assinada, porém não em vigor internacional, a Convenção sobre o Regime Jurídico das Atividades Relativas aos Recursos Minerais da Antártica, adotada em Wellington, a 2 de junho de 1988, subscrita pelo Brasil a 25/XI/1988, juntamente com os seguintes países: EUA, Finlândia, Suécia, URSS e Uruguai, tendo seu texto ainda não remetido à aprovação do Congresso Nacional brasileiro; sua entrada em vigor internacional, é praticamente impossível, à vista do Protocolo de Madri, que proíbe qualquer exploração mineral na Antártica.

19 A denominação oficial do Acordo de Marraqueche é “Ata Final que incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Multilaterais do GATT”. Foi ele assinado naquela cidade do Marrocos, a 12/04/1994 e, no Brasil, foi aprovado pelo Decreto Legislativo n o 30 de 15/12/1994 e promulgado pelo Decreto no 1.355 de 30/12/1994. A Organização Mundial do Comércio, com sede em Genebra, foi instalada no dia 1o/01/1995.

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Na segunda metade do Séc. XX, particularmente após a emergência do Direito Internacional do Meio Ambiente, por volta dos anos 1960, surgiu um procedimento bastante original, de atualização das normas dos tratados multilaterais, que teve por fim, permitir colocar as normas daqueles instrumentos solenes e relativamente imutáveis no tempo, de conformidade com os avanços da ciência e da tecnologia, sem ter-se de recorrer a procedimentos lentos e solenes de novas negociações de emendas, modificações ou de novos tratados de revogação de anteriores. Mesmo os procedimentos de fazer constar dispositivos que se pretende modificar com mais facilidade, em anexos ou apêndices, de mais fácil alteração, mostravam-se inadequados para o desiderato de deixar os tratados multilaterais, o mais próximo possível das mutações nos fenômenos regulados ou nos mecanismo de controles de aplicação das grandes objetivos daqueles tratados multilaterais, fortemente influenciados pelas normas técnicas, de grande velocidade na sua formulação científica ou tecnológica. Para atingir os objetivos de maior flexibilidade das normas convencionais, em razão dos avanços científicos e tecnológicos, foi adotado um tipo de tratado multilateral, cujo batismo de “tratado-quadro” se daria apenas em 1982, com a subscrição da já mencionada Convenção-Quadro das Nações Unidas, sobre Modificação do Clima, adotada durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em 1992 e no Brasil promulgada pelo Decreto 2.652 de 01/07/1998. Segundo sua engenharia normativa, os Estados-Partes, traçam grandes molduras normativas, de direitos e deveres entre eles, de natureza vaga e que, por sua natureza, pedem uma regulamentação mais pormenorizada; para tanto, instituem, ao mesmo tempo, reuniões periódicas e regulares, de um órgão composto de representantes dos Estados-Partes, a Conferência das Partes, COP, com poderes delegados de complementar e expedir normas de especificação, órgão esse auxiliado por outros órgãos subsidiários, técnicos e científicos, previstos no tratado-quadro, compostos de representantes de cientistas e técnicos de todos ou alguns dos Estados-Partes. O conjunto normativo que se forma, dos dispositivos do tratado-quadro e das decisões das Conferências das Partes, as COPs, devem formar um sistema harmônico, entre os mesmos Estados-Partes submetidos a todas elas20 (sendo impossível, portanto, reservas nas decisões das

COPs), devendo, portanto, as decisões de complementação do tratado-quadro, ser consideradas como decisões dos Estados-Partes, tal como tivessem sido tomadas no momento em que os Estados assinaram o tratado-quadro. Outros tratados multilaterais sobre meio ambiente internacional, como a Convenção sobre a Diversidade Biológica, igualmente adotada durante a ECO/92, igualmente consagram a engenharia normativa dos tratados-quadros, embora em sua 20 Esta circunstância é fundamental para a distinção entre tratado-quadro e “umbrella treaty”. Pode haver diferenças na participação de Estados, nos “umbrella-treaties” e nos tratados sob sua sombra, o que não ocorre com os tratados-quadro, comparativamente às decisões posteriores das COPs. No caso das normas votadas pelas COPs, por serem a continuidade no tempo de um mesmo tratado, obrigam as partes que a ele se submetem. Haveria, portanto identidade entre participação dos tratados-quadro e destinatários das normas votadas pelas COPs. Assim sendo, o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro do Clima, conquanto tenha sido adotada durante uma COP, não se considera norma de complementação, mas autêntico novo tratado internacional (e na verdade, igualmente um tratado-quadro, na medida em que prevê que as reuniões de uma COP que institui, sejam realizadas juntamente com a COP da Convenção–Quadro do Clima).

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denominação não seja revelado o fato. Uma análise comparativa da gênese dos tratados-quadro, revela que sua dinâmica, bem como sua denominação (sem dúvida imperfeita, em português, a qual, fosse respeitada uma tradução correta das línguas oficiais em que a Convenção-Quadro do Clima foi adotada, deveria ter sido “Convenção-Moldura21”), resultaram de uma técnica de delegação de

poderes, que se encontram reservados a determinadas instâncias ou pessoas, mas que, por razões de rapidez ou pela natureza técnica dos assuntos, foram delegados a outras instâncias ou pessoas, permanecendo, contudo, imperativos e mandatórios, os limites ao exercício de tais funções normativas, nos estritos termos dos atos de delegação22.

Outra distinção que já mereceu algum prestígio na doutrina dos internacionalistas, inaugurada por Triepel, no início do Séc. XX, é a entre tratados-leis (Vereinbarungen) e tratados-contratos (Vertragen), certamente influenciada pelos modelos dos direitos internos das fontes normativas das obrigações. Segundo Triepel, os tratados-leis, como as leis internas, seriam normas gerais, que criam direitos e deveres aos seus destinatários, com uma vocação de instituírem direitos “erga

omnes”, sem que tal fato implique na instituição de qualquer contrapartida ou de correspondência

entre direitos e deveres criados, e os tratados-contratos, seriam normas particulares, que instituem uma correspondência e correlação entre direitos e deveres recíprocos, exigindo, portanto, sempre uma contraprestação normativa, um “quid pro quo”, por parte das Estados aos quais se destinam e cuja atividade regulam. Na verdade, a distinção apresenta certa atração intelectual23,

particularmente quando se analisam aqueles tratados que implicam numa uniformização ou numa harmonização de normas do ordenamento interno dos Estados, face aos mandamentos internacionais. No Direito brasileiro, a distinção foi introduzida por Clóvis Bevilacqua, no seu Direito Público Internacional e tem servido de base à jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, quando necessitaram distinguir entre tratados gerais e aqueles tratados bilaterais de extradição ou que versam sobre assuntos tributários, para fins de determinar serem eles uma “lex specialis”, que não se submetem a normas jurisprudenciais de que o tratado internacional não pode derrogar norma constitucional, nem lei interna posterior a ele. Na verdade, no julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, do RE 114.784, publicado in RTJ 126/804, o Ministro Carlos Madeira, Relator, 21 Em francês, a denominação oficial da Convenção do Clima é “Convention-Cadre des Nations Unies sur le Changement

Climatique”; em inglês, “United Nations Framework Convention on Climate Change” e em espanhol, “Convención Marco de las Naciones Unidas sobre Modificaciones del Clima”. Ora, nas três línguas, a palavra portuguesa “quadro” se traduz, respectivamente,

por “tableau”, “picture” e “cuadro”, e “cadre”, “framework” e “marco” , sejam traduzidos para o vernáculo como “moldura”! 22 A terminologia corrente na doutrina do Direito Constitucional, no capítulo das delegações de poderes entre Executivo e Legislativo, refere-se a “leis-quadro”. A origem do termo, provavelmente tenha vindo do Direito Constitucional francês, que forjou a expressão “lois cadres”, para explicar a técnica legislativa que pragmaticamente se adotou durante a III République. A Constituição deste período da história francesa, expressamente proibia delegações de poderes entre Legislativo e Executivo, o que, num regime parlamentarista, acabou por criar situações de grandes dificuldades de governar, dada o imobilismo da situação, de um Executivo necessitando de grande agilidade, face à relativa lentidão do processo legislativo. Para contornar tais dificuldades, o Parlamento votava leis suficientemente vagas, para permitir que o Poder Executivo, na sua tarefa de regulamentá-las, pudesse exercer sua criatividade e agilidade. No fundo, tais leis, logo denominadas de “lois cadres”, não passavam de autênticas delegações daqueles poderes que estavam reservados, com exclusividade, ao Parlamento.

23 De nossa parte, já aceitamos, em escritos anteriores, a distinção, sem que com tal fato, devamos nos penitenciar. A distinção, como não tem maiores conseqüências jurídicas no Direito Internacional, igualmente, não chegou a prejudicar outros conceitos daqueles trabalhos.

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fundamentaria sua decisão de conferir às normas do GATT uma prevalência sobre a norma constitucional, no seguinte argumento: “ Mas há que atentar para a classificação dos tratados. Há

tratados normativos, que propõem fixar normas de direito internacional; há tratados contratuais que têm por finalidade regular interesses recíprocos dos Estados de modo concreto. Os da primeira classe- ensina Clóvis Bevilacqua- revelam ou confirmam o direito objetivo; os da segunda

estabelecem modalidade de direito subjetivo”24

Contudo, a nosso ver, salvo no citado caso específico da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros, a distinção não permite que se tire qualquer outra conclusão prática, pois tanto criam direitos e deveres entre os Estados, com conteúdos idênticos, os tratados gerais, seja bilaterais ou multilaterais, quanto ao tratados sobre assuntos particulares, que criam direitos e deveres recíprocos e comutativos. Por outro lado, a distinção se olvida de que o contraste entre lei e contrato não existe no Direito Internacional Público, onde o legislador da lei geral, os Estados, conservam seus poderes de reforma da lei geral, mesmo na hipótese de firmar tratados particulares assimilados a contratos! Por outro lado, inexiste qualquer limitação ao poder de os Estados firmarem tratados particulares, seja nas regras gerais do Direito Internacional Público, seja nas normas dos denominados tratados-leis: a questão será discutida, no tema geral das responsabilidades dos Estados, por descumprimento de qualquer tipo de obrigações. As responsabilidades por inadimplemento de obrigações internacionais, pelos destinatários do Direito Internacional Público, em particular os Estados, são as mesmas, seja originárias de uma norma do Direito Internacional Público Geral, ou contida num tratado geral, um tratado-lei, na terminologia de Triepel, seja de um tratado particular, quer dizer, um tratado-contrato, ainda segundo aquele mestre alemão. No Direito Internacional Público, inexiste qualquer oposição que pode eventualmente existir e ser relevante nos direitos internos dos Estados, entre obrigações “ex lege”, e obrigações “ex contractu”.

O que importa, na atualidade, é outra distinção das obrigações contidas nos tratados internacionais, mas que até o momento, não motivou qualquer denominação especial para os tratados que as consagram: as obrigações de conduta (ou de meios) e as obrigações de resultado. Tal distinção, baseada nos efeitos dos tratados, poderia, de certa forma, justificar uma diferença entre tratados que importam numa modificação das normas internas dos Estados e aqueles que não importam. Os tratados que estipulam obrigações de conduta exigem dos seus destinatários, os Estados, um comportamento específico e determinado e aqueles que estipulam obrigações de resultado, criam deveres a seus destinatários, os Estados, de lograrem determinado fim, sendo deixado aos mesmos a faculdade de elegerem as maneiras de cumprir suas obrigações (e portanto, as obrigações exigem uma adequação das legislações internas dos destinatários, àquele fim definido pela norma internacional). Os exemplos são esclarecedores: um tratado de desmobilização 24 Transcrição conforme Jacob Dollinger, Direito Internacional Privado (Parte Geral), 2a edição atualizada, Rio de Janeiro, Renovar, 1993, p. 101. Veja-se, neste livro, o Capítulo 10, onde o tema será discutido com mais profundidade.

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de forças armadas, no contexto da celebração de uma paz, é um tratado com obrigações de conduta, ao passo que um tratado de cooperação em matéria educacional, que tem por finalidade o livre trânsito de Professores e estudantes entre dois ou mais Estados, implica em adequar as normas internas dos Estados, a fim de facilitar o regime de livre circulação de pessoas, de reconhecimentos recíprocos de títulos escolares e universitários, de facilidades, nos respectivos ordenamentos jurídicos internos, para professores ou estudantes estrangeiros, num regime de igualdade aos seus nacionais. No campo dos direitos humanos, a proibição do crime do genocídio é uma obrigação de conduta, e as normas de proibição de discriminações em matéria de sexo, constituem obrigações de resultado (pois a igualdade de tratamento entre homens e mulheres dependerá da adequação das várias legislações internas ao desiderato da norma internacional, ou seja, na legislação trabalhista, previdenciária, sobre direitos de família, em matéria criminal etc.). Mas é no campo das integrações econômicas, que a distinção tem a maior clareza, conforme será visto no presente livro, ao estudarmos os tipos de normas elaboradas, em particular, no interior da Comunidade Européia e as obrigações delas oriundas para os Estados destinatários .

Os tratados internacionais se originam de propostas de negociações de um ou mais Estados, formalizadas por um convite de um Estados a outro ou outros, e, no caso de tratados elaborados sob a égide de uma organização intergovernamental, pela decisão de um órgão colegiado com poderes decisórios (por proposta encaminhada à votação em plenário, por um ou vários delegados de Estados ou por órgãos técnicos da própria organização, segundo as regras de cada uma). Nas relações bilaterais, as negociações se processam seja em contactos entre a missão diplomática e a Chancelaria local, seja por comissões especiais que se reúnem ora num, ora noutro país. Nas negociações de tratados multilaterais, se as mesmas se processam sob a égide de uma organização internacional, os procedimentos têm lugar, na maioria dos casos, na sua sede, mas sempre sob sua responsabilidade administrativa de fornecer locais, intérpretes, e pessoal de secretariado; se as negociações se processam a convite de um Estado, este deverá providenciar para o bom desempenho e a regularidade das reuniões dos negociadores (inclusive, com os deveres de conceder-lhes privilégios e imunidades). Nas negociações dos tratados multilaterais, em geral, constituem-se comissões ou grupos de trabalho, compostos de representantes dos Estados, com um pessoal diplomático e/ou técnico, com uma atividade regulada por normas costumeiras ou pelas regras existentes nas organizações internacionais relativas a negociações sob sua responsabilidade. Destaque-se uma regra costumeira, com tinturas de uma obrigação natural, nem sempre seguida, nas negociações complexas: os “Gentlemen’s Agreements”25: compromissos entre os negociadores

de continuarem as negociações, a partir das decisões já tomadas numa reunião e de não abrirem-se discussões sobre pontos parciais já acertados; se há vantagens em tais normas, elas, contudo, não 25 Veja-se nosso trabalho, “Gentlemen’s Agreements” no verbete “Agreements, Gentlemen’s Agreements, Executive Agreements” na

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obrigam os delegados dos Estados, numa fase pré-natal dos tratados, em que inexistem obrigações claras para os Estados (salvo, evidentemente, um dever moral de não frustrar o andamento das negociações).

Momento relevante para os tratados internacionais é o de sua assinatura, que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados denomina de “conclusão dos tratados internacionais”, por sinal, o primeiro aspecto que ela regula. Note-se que assinatura, adoção, conclusão ou firma, são, do ponto de vista jurídico, sinônimos perfeitos e significam o término da fase anterior das negociações e o momento em que o tratado internacional tem seu texto acabado, não mais se permitindo sua modificação, bem como indicam os Estados que se encontram originalmente obrigados pelo tratado internacional e que participaram de sua feitura. A assinatura é sempre um ato solene nas relações bilaterais, quando os tratados são adotados numa Capital de um Estado, perante a sede de seu Governo: exige-se a prévia exibição de plenos poderes26 por parte do signatário em nome do outro

Estado, sendo os mesmo dispensados, quando não se tratar do chefe da missão permanente ou quando a assinatura é feita pelo próprio Chefe de Estado, Chefe de Governo e ministros das Relações Exteriores de um país estrangeiro, em visita oficial no outro país (cf.: art. 7o § 2o da

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados). Nas relações multilaterais, uma conferência internacional de assinatura é especialmente convocada, pela organização internacional ou pelo Estado responsável pelas negociações, para, numa cidade, em geral a sede daquela organização, ou a sede do Governo daquele Estado27, os delegados dos Estados participantes das negociações,

devidamente munidos de plenos poderes “ad hoc”, assinem o tratado internacional; há casos de tratados terminados numa cidade, por exemplo, a sede de uma organização internacional, e com a assinatura em outras28. Tais conferência internacionais adotam as próprias normas relativas a

recebimento e avaliação dos plenos poderes (importantes para a legitimação das delegações oficiais e dos observadores), de condução de seus trabalhos (em plenário e em comissões29 ou grupos de

26 Trata-se de um documento expedido pelo Chefe de Estado ou pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, onde se nomeia uma pessoa com poderes especiais de assinar, em nome do Estado, um determinado tratado internacional. Em geral, é redigido numa língua franca, que pode variar segundo a praxe de cada país, sendo, o inglês e o francês, os mais admitidos. No Brasil, além dessas duas línguas, admite-se o espanhol. A Convenção de Viena, no seu art. 2o letra c) assim dispõe: “plenos poderes” significa um

documento expedido pela autoridade competente de um Estado, designando uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado.

27 A prática tem demonstrado que a denominação de um tratado, pelo lugar de sua assinatura, nem sempre significa ter o mesmo resultado da uma iniciativa de um Estado: a Convenção de Nova York sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958, foi proposta do Conselho Econômico e Social da ONU, foi assinada após uma conferência diplomática realizada na sede da ONU, naquela cidade, e a Convenção do Panamá sobre Arbitragem Comercial Internacional, de 1975, conquanto firmada naquela cidade da América Central, resultou de propostas e de negociações empreendidas sob a égide da OEA. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, levou cerca de 8 anos para sua assinatura, desde o início das negociações em Nova York (AG da ONU), perpassando por sessões em Nova York e Genebra, até a conferência diplomática para sua adoção, realizada na cidade de Montego Bay, na Jamaica.

28 A Convenção sobre Diversidade Biológica, terminada em Nairobi, sede do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a assinado no Rio de Janeiro, em 1992, por ocasião da ECO-92.

29 As mais freqüentes são: Comissão de Credenciais, Comissões Temáticas (que em geral se subdividem em comissões técnicas, encarregadas dos aspectos de direito material constante nos futuros tratados e comissões sobre aspectos de procedimentos relacionados à adoção do tratado multilateral, como direitos de voto, condições para adoção do texto, sua entrada em vigor, e as denominadas ‘clausulas finais’), Comissão de Redação (em geral composto por delegados dos países em cujas línguas o tratado será

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trabalho especiais) e as importantes regras sobre deliberações (quorum de reunião e quorum de deliberação), por vezes, aproveitando aquelas que já existem, nas organizações internacionais para eventuais reuniões extraordinárias de seus órgãos coletivos. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados estipula que, a menos que os Estados decidam de modo diferente, o quorum de deliberação para adoção do texto do tratado é pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes (art. 9o §§ 1o e 2o). No caso de tratados multilaterais, a assinatura tem sido considerada

aposta nos textos, por ocasião da assinatura, pelos delegados dos Estados, da ata final da conferência diplomática, a qual incorpora o textos, nas suas versões oficiais, do tratado adotado (art. 10o letra b. da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados). O momento da assinatura pode ser

diferido, para épocas posteriores, a fim de permitir aos Estados que participaram das negociações e que não puderam participar da solenidade da adoção do texto, (impossibilidade da presença de seus delegados no país onde o ato internacional foi firmado), ou por qualquer outro motivo, integrarem o texto, como membros signatários; na hipótese, emprega-se a expressão, “tratado aberto à assinatura, na cidade tal, até o dia tanto”.

Nos séculos anteriores, os tratados multilaterais e mesmo os bilaterais, eram assinados nas línguas consideradas francas: o latim (até os Tratados de Vestfália de 1648) e o francês (nesta língua, praticamente até a Primeira Guerra Mundial, quando passou a conviver com a freqüência crescente do inglês), Na atualidade, os tratados multilaterais são redigidos em todas ou em algumas das línguas consideradas oficiais da ONU: inglês, francês, russo e chinês e as línguas de trabalho: espanhol e árabe. Há clausulas especiais nos tratados multilaterais que dispõem sobre a língua ou línguas de redação da sua versão oficial, em geral, com a advertência de que “todas as versões são de igual valor”. Os tratados bilaterais são redigidos nas línguas oficiais dos países signatários30,

havendo casos de estipulações expressas, sobre uma terceira versão do tratado, redigida em língua franca, que deverá servir como língua de referência, no caso de divergência de interpretação dos textos redigidos nas línguas nacionais dos Estados Partes O tema se encontra regulado no art. 33 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ementado: ‘Interpretação de Tratados

Autenticados em Duas ou Mais Línguas”31.

Da assinatura dos tratados, bilaterais ou multilaterais, não defluem, necessariamente, obrigações para os Estados signatários, reafirmando-se que o efeito mais evidente da assinatura, é a imutabilidade de seu texto. Com efeito, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, no seu redigido), Comissão de Secretaria (encarregada das atas e dos aspectos administrativos, como intérpretes, traduções, circulação de documentos, e eventuais relacionamentos de delegados com autoridades locais).

30 As assinaturas em versões nas línguas desconhecidas pelos signatários são necessárias, em virtude da autenticidade dos documentos, que terão sua validade nos ordenamentos internos dos Estados, e para efeitos internacionais. Não deixa de ser curioso o fato de alguém, em particular uma pessoa que assina um documento em nome de um Estado, firmar um documento solene, do qual desconhece a língua em que está redigido!

31 Norma interessante de interpretação se encontra no seu § 4o que estipula que no caso de inexistir normas sobre a prevalência de um das línguas, e de haver discrepâncias de interpretação, tendo havido esforços baldados de recorrer-se a uma regra geral de interpretação (do art., 31) ou aos meios suplementares de interpretação (do art. 32), “adotar-se-á o sentido que, tendo em conta o

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art. 11, ementado “Meios de Manifestar Consentimento em Obrigar-se por um Tratado”, assim dispõe: “O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela

assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado”. Nos artigos subseqüentes, aquela

Convenção disciplina cada modo, consagrando a regra geral de que tais modos devem figurar nos textos dos tratados multilaterais (ou nos bilaterais, quando aplicáveis na espécie). Os modos mais correntes e que merecem estudo são a ratificação e a adesão, que não se acham definidas na mencionada Convenção de Viena. A ratificação é um ato unilateral do Estado, que reafirma perante seu ou seus co-participantes num tratado, sua intenção de obrigar-se por ele; nos tratados bilaterais a ratificação se perfaz perante o outro Estado Parte, por uma nota diplomática endereçada à missão diplomática estrangeira, ou perante a Chancelaria do outro país, e nos tratados multilaterais, com uma nota diplomática endereçada ao depositário do tratado32, um dos Estados Partes indicados pelo

Tratado, ou um alto funcionário representante de uma organização intergovernamental (o Secretário Geral, no caso da ONU, ou outra pessoa que tenha a representação de uma organização internacional), se esta for o depositário do tratado multilateral. A adesão, ou acessão, é um ato unilateral de um Estado, que o integra no sistema de direitos e deveres já constituído por um tratado multilateral em vigor; se o tratado permitir adesões, elas poderão ser aceitas, a qualquer tempo, para o tratado multilateral, na sua integralidade, sem que possa haver objeções dos Estados Partes, mas no caso de adesões para partes de um tratado multilateral, que não permita escolha entre alguns de seus dispositivos, tal adesão, nos termos do art. 17 § 1o da Convenção de Viena sobre Direito dos

Tratados, somente será possível, se houver permissão do tratado e se os outros Estados contratantes nisso acordarem.

Deve ser enfatizado que tanto a ratificação quanto a adesão, são atos regulados pelo Direito Internacional Público e que a ratificação, em particular, não significa prova ou presunção de que o Poder Executivo do Estado tenha feito aprovar, pelo respectivo Poder Legislativo interno, o texto do tratado. A regra, na atualidade, é de quem se obriga no Direito Internacional Público é o Estado, uma pessoa jurídica por ele reconhecida, independentemente de ter o mesmo uma configuração democrática e contar, assim, com um Poder Legislativo operante. Na prática brasileira, tanto a ratificação de tratados internacionais, que o País assinou, quanto a adesão a tratados internacionais já em vigor, necessitam da aprovação referendária do Congresso Nacional, (aprovação, ou seu sinônimo “ referendo”, mas nunca “ratificação” pelo Congresso Nacional!), por mandamento da própria Constituição Federal, nos seu art. 49 inc. I (competência exclusiva do Congresso Nacional) e art. 84, inc. VIII. (competência privativa do Presidente de República), transcritos nas notas de rodapé 8 e 9 deste capítulo. Sendo assim, o fato de a ratificação e a adesão serem atos vinculados 32 Para um estudo das funções de um depositário de um tratado internacional, veja-se do Prof. João Grandino Rodas, “Depositários de

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do Presidente da República, dependentes de um referendo do Congresso Nacional, produz efeitos meramente no ordenamento interno brasileiro, no que respeita à legalidade constitucional dos atos presidenciais, nada influindo nas relações internacionais do País, no que respeita à sua conformidade com as regras do Direito Internacional Público. A única norma de Direito Internacional na matéria, é o art. 18 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, ementado “Obrigação de

Não Frustrar o Objeto e a Finalidade de um Tratado antes de sua Entrada em Vigor”, o qual merece

transcrição: “Um Estado deve abster-se da prática de atos que frustrem o objeto e a finalidade de

um tratado: a) se assinou ou trocou instrumentos constitutivos do tratado, sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não manifestar sua intenção de não se tornar parte no tratado; ou b) se expressou seu consentimento em obrigar-se por um tratado, no período que precede a entrada em vigor, e com a condição de que esta não seja indevidamente retardada”.

Um incidente que pode ocorrer na assinatura dos tratados multilaterais, na sua ratificação ou na adesão a eles, é a apresentação de reserva, assim definida no art. 2o letra d) da Convenção de

Viena sobre Direito dos Tratados: “uma declaração unilateral, feita por um Estado, seja qual for seu

teor ou denominação, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ela aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado”. Sendo dado que da assinatura nem sempre é gerado o consentimento de um Estado

em obrigar-se pelo tratado, bilateral ou multilateral, aplica-se o dispositivo do art. 18 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, àcima transcrito. Na verdade, as reservas podem ser apresentadas não só na assinatura, mas igualmente na ratificação, aceitação, aprovação ou ainda no momento de adesão, nunca porém, quando o Estado já é parte de um tratado multilateral e este já se encontra em vigor internacional. Seu regime é regulado em toda Seção II da Parte II da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, devendo dizer-se que, na atualidade, tem sido uma tendência de, nos tratados multilaterais complexos, proibirem-se reservas, dado o sistema complexo que elas criam. Na verdade, se a um intérprete pode ser fácil saber quais dispositivos de um tratado multilateral se aplicam no ordenamento jurídico interno, a tarefa se reveste de extrema dificuldade, na interpretação dos direitos e deveres entre os Estados-Partes, pois além de ter-se de descobrir quais os dispositivos comuns a dois ou mais Estados, ainda é necessário verificar se os mesmos são capazes, numa verdadeira colcha de retalhos, de instituir um sistema obrigacional entre as Partes, num verdadeiro desafio ao intérprete ou aplicador33. A regra geral das reservas é de que elas

são permitidas, se o texto do tratado o permitir, no todo ou em parte, e se elas não forem incompatíveis com a finalidade dos tratados. Admitem-se objeções de outros Estados às reservas, bem como a possibilidade de retirada de reservas. O art. 21 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados regula, conforme sua ementa, “os efeitos jurídicos das reservas e das objeções às 33 O exemplo pode ser dado pela Convenção da União de Paris sobre Propriedade Industrial, com seus artigos reformados, em várias ocasiões, renumerados bis, ter, quattuor, e as incontáveis reservas de Estados a uns e outros.

Referências

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