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A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho – 12ª Região

No documento UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA (páginas 96-102)

4. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais sociais nas relações de

4.1. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho – formas de

4.1.2. As metas abusivas como exemplo privilegiado da eficácia direta dos direitos

4.1.2.1. A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho – 12ª Região

Tratando-se de imposição de metas abusivas, a jurisprudência nacional vem sedimentando decisões no sentido de vedar esta prática muito utilizada, em especial nos estabelecimentos bancários, para o aumento dos lucros.

O Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, 12ª Região, é a primeira corte a editar Súmula, a de número 47, que trata de considerar a

imposição e exigência de metas abusivas como fundamento para a indenização por danos morais9.

Naquele Tribunal Regional laboral já foram julgados e publicados vários acórdãos, com base nesta fundamentação, e que impõem limite à atividade empresarial, vedando tal imposição ou cobrança, limitando o direito do empregador à propriedade privada e seu poder diretivo, concedendo compensação pecuniária aos empregados que tiveram sua dignidade, honra, vida privada ou intimidade violados por tais condutas abusivas. Verifique-se alguns a seguir.

O Recurso Ordinário 0000423-64.2013.5.120027, oriundo da 2ª Vara do Trabalho de Criciúma-SC, enfrenta, dentre outras, a questão da cobrança excessiva de metas à luz da Súmula 47, acima mencionada. A redatora do acórdão, Lilia Leonor Abreu, acompanha o voto do Relator José Ernesto Manzi para manter a sentença e 1º grau em relação à condenação da reclamada ao pagamento de indenização pela cobrança excessiva de metas.

O acórdão, ao discutir a questão do assédio moral, decide pela manutenção da sentença de 1º grau que condenou ao pagamento de indenização por danos morais sob o fundamento de que a integridade moral está entre os direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal e que não pode a empresa, sob o pretexto de manter a competitividade no mercado, extrapolar na cobrança de metas e abusar de seu poder diretivo. Este abuso configura-se em descumprimento da obrigação de manter um ambiente de trabalho saudável e a empresa que o comete, falha em desempenhar sua função social10.

O Recurso Ordinário 0002653-77.2012.5.12.0039, oriundo da 3ª Vara do Trabalho de Blumenau-SC trata da cobrança excessiva de metas por parte da

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Súmula n° 47: “COBRANÇA ABUSIVA DE CUMPRIMENTO DE METAS. DANOS MORAIS. CABIMENTO. Embora regular o estabelecimento a fixação de metas, o abuso caracteriza dano moral indenizável. Disponibilização: 02-09-2013. Publicação: 03-09-2013. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região – Santa Catarina.

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Veja-se trecho do acórdão: A existência de trabalho e de cobrança, por si só, não caracterizam ato ilícito. Entretanto, no presente caso, as práticas excessivas adotadas pelo superior expunham o empregado ao ridículo, em situações claramente vexatórias que atentavam contra a sua imagem e dignidade. Com essa conduta, os réus deixaram de observar a obrigação de proporcionar um ambiente de trabalho pautado pela tranquilidade, pelo respeito mútuo, atitude que causou dano à esfera moral do trabalhador, e, como tal, deve ser objeto de reprimenda pelo judiciário.

reclamada, que culminou por causar na funcionária doença que guarda nexo causal com a conduta abusiva do empregador.

O voto do Redator José Ernesto Manzi, no tocante à indenização pelos danos morais suportados pela reclamante, como decorrência da cobrança excessiva das metas, embora não se fundamente na Súmula 47, afirma expressamente que a busca desenfreada por lucros, às custas da saúde mental e física dos empregados deve ser repudiada pela sociedade, e, por isso, reforma a sentença de 1º grau para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, em função de abusar do poder diretivo na atividade econômica11.

O Recurso Ordinário 0006075-72.2012.5.12.0035, originário da 5ª Vara do Trabalho de Florianópolis, discorre a respeito da cobrança excessiva de metas como violação à dignidade da pessoa humana, de maneira expressa.

O voto da Desembargadora Redatora, Águeda Maria Lavorato Pereira, enfrenta a questão das metas abusivas determinando a concessão de indenização por danos morais, fundamentando tal decisão na cobrança excessiva de metas com o objetivo de auferir lucratividade acima da média. Mais uma vez, o Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, 12ª Região, fundamenta a compensação pecuniária pelos danos causados pela ambição por lucratividade excessiva dos empregadores.

Este acórdão aplica, expressamente, a vinculação direta e imediata dos particulares aos direitos fundamentais ao caso em exame e fundamenta esta aplicação nos incisos III, IV do art. 1º, e V e X do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Diz o acórdão que a conduta do empregador viola a função social do trabalho e a dignidade da pessoa humana do empregado, bem como a

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Aqui, transcreve-se trecho do voto do redator: Pondero, ainda, a culpa do réu pelos atos de seus prepostos, gerentes, com a cobrança excessiva de metas, sob a ameaça de perda do emprego, e débito em contas de clientes de valores relativos à compra de produtos não adquiridos por estes, gerando atritos desnecessários entre funcionários do banco e clientes, sendo certo que, se o gerente age desse modo, é porque também está sofrendo fortes cobranças de seus superiores hierárquicos, superintendentes, diretores, pelo cumprimento das metas. As instituições financeiras privadas sabidamente visam lucro excessivo, ainda que a custo da saúde física e psíquica dos seus colaboradores, o que deve ser repudiado pela sociedade.

inviolabilidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, garantida, nestes casos, a compensação pelo dano moral, material ou à imagem12.

Desta forma, o acórdão protege a dignidade da pessoa humana do empregado e lhe garante compensação do dano sofrido, aplicando diretamente os direitos fundamentais à relação de trabalho, face ao direito à propriedade do empregador.

O Recurso Ordinário 0001112-46.2012.5.12.0059, originário da Vara do Trabalho de Palhoça-SC, também aborda a excessividade na cobrança de metas como fundamento para a concessão de indenização por danos morais.

O voto da relatora, Desembargadora Maria de Lourdes Ferreira, expressamente vincula a empregadora aos direitos fundamentais de maneira direta ao afimar que o empregador deve respeitar os direitos da personalidade do empregado, afirmando ainda que a cobrança de metas, quando não abusiva, não encontra vedação legal13.

Tem-se, ainda, o Recurso Ordinário 0009621-04.2012.5.12.0014, originário da 2ª Vara do Trabalho de Florianópolis-SC, aborda a questão da cobrança excessiva de metas como causa de doença do trabalho, equiparada a acidente do trabalho, para garantir ao empregado à estabilidade acidentária.

O voto do Relator, Desembargador Amarildo Carlos de Lima, aplica expressamente a Súmula 47 do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina – 12ª Região ao caso, por entender que havia cobrança excessiva de metas e este comportamento abusivo do empregador ensejou sofrimento psíquico e moral ao empregado, devendo este último ser indenizado por tais

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Trascrito, a seguir, trecho do voto da redatora: Embora o estabelecimento e a cobrança de metas não implicam por si sós, assédio moral, se a forma como são cobradas as metas ultrapassa o tratamento respeitoso que deve haver entre o empregador e o empregado, certamente isso conduzirá à existência do dano moral passível de indenização. O conhecido objetivo das instituições bancárias de obter a maior lucratividade possível não pode servir de mote para humilhações aos seus empregados. O ser humano tem que ser tratado com dignidade no seu ambiente de trabalho. É sabido que os bancos, principalmente os privados, estão numa busca incessante de metas para melhorar o seu desempenho frente à desenfreada concorrência estabelecida no setor. Entretanto, isso não justifica o uso de meios constrangedores e que possam danificar o componente psíquico dos seus empregados. [...] Assim, também reconheço a existência do dano moral pela cobrança exacerbada para o atingimento de metas e pela velada, mas nem tanto, ameaça de despedida àqueles que não conseguem o seu cumprimento.

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Segue transcrição de trecho do voto da relatora: Embora a exigência de cumprir metas de produtividade não viola dispositivo de lei, o empregador não pode afrontar os direitos de personalidade do empregado sob tal pretexto. No caso, ficou evidenciado que o empregado foi submetido a uma situação constrangedora e vexatória.

danos. Para o Desembargador, o dano foi causado pela conduta de extrapolar o limite do razoável na exigência do cumprimento de metas pelo empregador14.

Por fim, cita-se o Recurso Ordinário 0000522-13.2012.5.12.0013, originário da Vara do Trabalho de Caçador-SC, onde expressamente se menciona a cobrança excessiva de metas como violação aos direitos do trabalhador e com repercussões em sua vida privada e honra.

O voto da Desembargadora Redatora, Maria de Lourdes Leiria, enfrenta a questão da excessividade de cobrança de metas como violadora da razoabilidade exigida no exercício do poder diretivo do empregador. O réu na ação trabalhista excede os limites impostos pela sua finalidade econômica e social, sendo, por isso, condenado a pagar quantia em caráter de compensação15.

Da análise da jurisprudência acima elencada, depreende-se que a exacerbação dos poderes privados do empregador, o exercício ilimitado e abusivo de seus direitos, gera para o empregado um direito à compensação financeira pelos danos imateriais sofridos, com fundamento na proteção à sua dignidade de pessoa humana. Quando esta for violada, por atos do empresário que extrapolem o limite do razoável, caberá indenização por parte do violador, mesmo que seja sujeito de direito privado, comprovando a possibilidade de eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.

Resta evidente, então, que quando o empregador extrapola a esfera da legalidade e licitude no desempenho de seu poder diretivo, e, desta forma, fere

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Transcreve-se, a seguir, trecho do voto mencionado: Cumpre observar que o cumprimento de metas e o ambiente competitivo, hodiernamente, fazem parte da rotina diária da maioria das empresas, sendo inaplicável qualquer sanção quando as condutas não ultrapassem o que se possa esperar da razoabilidade. Entretanto, esse limite, não devidamente observado pelo recorrente, onde a própria testemunha indicada pelo banco afirma que “a depoente trabalhou em outro banco, e a cobrança de metas era agressiva, assim como no réu.”

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Passa-se a transcrever trecho do voto da relatora: O cenário descrito demonstra que o empregador excedeu manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pois mantinha vigilância acentuada e constante sobre o cumprimento das metas, que eram cobradas utilizando o expediente de amedrontar, ameaçando com a demissão do vendedor que realizasse menos vendas de seguro residencial, e efetivamente concretizando sua ameaça com relação ao vendedor Mário. Não se trata de situação que provocou mero transtorno ou aborrecimento que se esgota no próprio ato, ou seja, de contrariedade ou contratempo que não se repetem ou se prolongam. A situação descrita se repetia na vigência do contrato de trabalho e, assim, sobrecarregou o obreiro, e, consequentemente, repercutiu na vida privada, na honra e na imagem, cuja violação assegura direito à indenização por dano moral, conforme os arts. 5º, X, da Constituição da República e 186 e 927 do Código Civil.

a dignidade da pessoa humana de seus empregados, cabe ao judiciário intervir para fazer cessar a agressão e determinar a compensação pecuniária.

Ainda evidente que, ao se falar de controle do poder diretivo do empregador e danos pessoais ao empregado, adentra-se a seara dos direitos laborais inespecíficos do trabalhador, aqueles que embora não detenham vinculação específica com o contrato de trabalho, ainda assim devem ser garantidos pelo Estado e protegidos contra violações perpetradas pelo mesmo Estado ou por particulares.

Contudo, há situações quando o contrato de trabalho justificaria, de certa forma, intervenções na esfera dos direitos fundamentais do trabalhador na medida em que estaria garantindo a segurança da coletividade ou mesmo do próprio empregado. Outras situações poderiam ser apresentadas como justificativa para a intervenção na esfera dos direitos fundamentais inespecíficos, tais como a imagem ou a intimidade.

Vecchi oferece cristalino exemplo de permissão de controle sobre a imagem pessoal do empregado, conforme decidida no processo 0006100-09.2009.5.04.0231 do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região – Rio Grande do Sul, julgado em 16 de setembro de 2010, onde o Desembargador Relator Cláudio Antônio Cassou Barbosa entendeu ser válida a dispensa por justa causa de funcionária que, embora diversas vezes advertida, não deixou de usar piercing no horário de trabalho. Ocorre que o estabelecimento comercial em questão era uma Padaria e Confeitaria, e a empregada manipulava alimentos durante o seu labor. Existe uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, de número 216/2004, que proíbe a utilização de adornos e maquiagens pelos manipuladores de alimentos. (VECCHI, 2014)

No caso em exame, não é o poder diretivo do empregador que está sendo controlado, mas sim a imagem pessoal da empregada, sob o fundamento de proteção à saúde e à integridade física da população que poderia consumir estes produtos. Nestas hipóteses, como fazer um controle eficaz da intervenção, sem esvaziar o conteúdo de um ou outro direito?

A pergunta é, como modular as intervenções, porventura necessárias e oriundas do contrato de trabalho, nos direitos fundamentais do trabalhador ou do empregador, sem que isso importe em exagero ou proteção insuficiente?

É na busca da resposta às perguntas acima apresentadas que se fundamenta o próximo e último tópico desta dissertação.

4.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – COLISÃO DE DIREITOS

No documento UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA (páginas 96-102)