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Direito fundamental ao trabalho digno

No documento UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA (páginas 40-47)

2. Direito fundamental ao trabalho

2.4. Direito fundamental ao trabalho digno

Dentre os direitos consagrados na segunda dimensão de direitos fundamentais, os direitos sociais, culturais e econômicos, temos o direito fundamental ao trabalho. As normas constitucionais que tratam do tema de direitos fundamentais, consagram a proibição da submissão das pessoas a

situações degradantes e que violem o indivíduo em sua característica inerente e mais marcante, a dignidade humana.

Dentre as várias e mais corriqueiras situações de violação da dignidade humana está o trabalho degradante. Basta uma vista d´olhos aos periódicos e jornais televisivos para perceber a quantidade de situações no Brasil onde os trabalhadores, sejam nacionais ou estrangeiros, padecem violações de sua dignidade.

Necessário mencionar aqui, embora será tema tratado em capítulo específico deste trabalho dissertativo, que a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, chamada de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, é elemento indispensável na proteção dos indivíduos contra ações de seus próprios pares. Isso se deve ao fato de que os atores privados são responsáveis por violações à dignidade da pessoa humana, através de atitudes de abuso de direito, exploratórias da mão de obra, e discriminatórias.

Vários e complexos são os elementos que constituem o terreno fértil para o trabalho que viola a dignidade humana, dentre eles tem-se a grande desigualdade social e econômica do mundo contemporâneo. A pobreza é determinante, em especial nas situações de trabalho rural. A miséria extrema favorece, em grande monta, a existência de situações de exploração da mão de obra.

O forte crescimento econômico, a globalização e a livre iniciativa são regras no mercado contemporâneo, e as desigualdades sociais são decorrência direta dessa forte e contínua expansão das regras do mercado.

É nesse contexto, de aldeia global, que os contratos de trabalho servem de pretexto para graves desrespeitos ao direito fundamental ao trabalho digno, vez que as corporações, detentoras de centros privados de exercício de poder, em não poucas ocasiões, violam os mais básicos direitos do trabalhador, desrespeitando a sua dignidade.

Ocorre que, por vezes, sob o argumento do poder diretivo do empregador, muitos sócios ou proprietários das corporações extrapolam na direção e nas sanções aos empregados, e isso se deve à grande vulnerabilidade econômica dos empregados, que necessitam permanecer nos

empregos, para poder auferir os salários essenciais à manutenção própria e das suas famílias.

Muitos empresários até recorrem à alegação de que uma ingerência estatal nas relações de trabalho ferem o direito à propriedade e o princípio da autonomia da vontade. Entretanto esses direitos apontados como justificadores de suas ações, não podem ser tidos como absolutos e nem suficientes para referendar ações que violem a dignidade do trabalhador.

Leve-se em conta que, antes de ser trabalhador, o indivíduo é ser humano, e, por isso mesmo, tem sua dignidade resguardada em qualquer circunstância de sua vida, e mesmo nas relações privadas de emprego e trabalho.

Corroborando este entendimento, colaciona-se lição de Vecchi:

Além disso, existe um outro grave problema que tem abalado as relações de trabalho, ou seja: a desconsideração do trabalhador como sujeito integral, como pessoa humana dotada de direitos humanos fundamentais que devem ser entendidos em sua indivisibilidade, direitos de que o trabalhador não abre mão ao se tornar sujeito de uma relação de emprego, direitos que não podem ficar “na porta da fábrica” esperando o término da jornada de trabalho. Esse problema também se torna global, ou seja: é enfrentado por trabalhadores nos mais diversos “cantos da Terra”, sendo facilitado pela flexibilização, que enfraquece, cada vez mais a posição dos trabalhadores. (VECCHI, 2009, P. 55)

Assim, o posicionamento dos direitos do trabalhador no rol dos direitos fundamentais, impede que a flexibilização retire tão caras garantias e fortalece a posição do operário diante do empregador. Ressalte-se que os direitos laborais de prestação e os de proteção devem ser assim considerados.

Os princípios informativos do Direito do Trabalho existem justamente para oferecer uma compensação à desigualdade inerente às relações de trabalho, em especial na superação do entendimento de que trata a força de trabalho como mera mercadoria regulada apenas pelo contrato de trabalho, à mercê da vontade do empregador, detentor dos recursos financeiros suficientes para “comprar” a mão de obra.

Não se pode desvincular a força de trabalho da pessoa que a detém, como se houvesse, ainda que remota, possibilidade de separar o trabalhador

do indivíduo, desqualificando o operário, enquanto mão de obra, da condição de pessoa, transformando-o em “máquina”.

Quanto maior for desigualdade entre as partes envolvidas em uma relação, de mesma intensidade deve ser a proteção dos direitos fundamentais em perigo, e, inversamente proporcional deverá ser a proteção à autonomia da vontade.

Esclarece-se que quando as partes forem materialmente desiguais, e houverem direitos fundamentais sob ameaça ou efetivamente violados, a proteção a estes deve ser incrementada na proporção da desigualdade, e menor deverá ser a proteção da autonomia da vontade, uma vez que a parte mais vulnerável sofrerá maiores consequências pela violação de seus direitos do que pela diminuição da sua autonomia volitiva.

Assim, pode-se afirmar que no tocante às relações de emprego, é de essencial importância a verificação da intensidade da desigualdade material entre ambos, mensurando a vulnerabilidade do empregado face ao tomador de mão de obra. Resta óbvio que a contratação não deve ser encarada como total e irrestrita sujeição do operário e, muito menos, pretexto para diminuição de sua dignidade, devendo os direitos fundamentais, em especial o trabalho digno, ser respeitados pelos envolvidos.

Não só atividade empresária como também os objetivos de obtenção de lucro das corporações não podem ser baseados na exploração antijurídica da mão de obra e mediante violação da dignidade humana dos trabalhadores. A existência de centros particulares de poder não pode ser confundida com liberdade para ações que violem a legalidade, moral, ética e a razoabilidade nas relações de trabalho ou de emprego.

Da mesma forma, o caráter de direito fundamental atribuído ao direito à propriedade privada pode ter o condão de eximir as empresas de garantir o mínimo necessário à promoção da dignidade e dos direitos personalíssimos dos empregados, sendo a atividade econômica um meio de valorização social da mão de obra e, sob a luz do neoconstitucionalismo, desempenhada com a ótica de colocar a pessoa humana como o centro de todo o ordenamento normativo nacional.

A Constituição Federal de 1988, consagra vários direitos trabalhistas, não apenas em seu artigo 7º, mas também eleva o direito ao trabalho à categoria de direito fundamental no artigo 170:

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VIII – busca do pleno emprego; [...]

(BRASIL, 2011).

Assim, pode-se afirmar que na ordem jurídica nacional, o trabalho tem proteção e previsão de direito fundamental social, devendo o Estado resguardar o trabalho e os trabalhadores, estando priorizados estes em detrimento dos valores econômicos.

O trabalho deve traduzir um núcleo mínimo de direitos que oportunizem ao trabalhador uma vida digna, sendo que é através do reconhecimento deste mínimo que será justificada a afirmação de que o homem é dignificado pelo trabalho. (BRITO FILHO, 2004)

Não se pode deixar de mencionar a importância da vinculação da dignidade da pessoa humana com o princípio de proteção ao trabalho e ao trabalhador. Isso implica a proteção ao ambiente de trabalho, às condições de trabalho, respeito às normas de ordem trabalhista, oportunizando respeito e igualdade entre os operários. Violadas essas mínimas condições, também resta ferido o princípio da dignidade humana, submetido o trabalhador a situações aviltantes.

Nas palavras de Brito Filho:

De todas as formas de superexploração do trabalho, com certeza, as duas vertentes do trabalho em condições análogas ao escravo – o trabalho forçado e o trabalho em condições degradantes – são as mais graves; a primeira mais ainda. Propor a sua análise é, com certeza, enveredar por seara onde a dignidade, a igualdade, a liberdade e a legalidade são princípios ignorados, esquecidos. Mais: é tratar do mais alto grau de exploração da miséria e das necessidades do homem. (BRITO FILHO, 2004, p. 69)

Dessa forma, garantir a dignidade do trabalho é tão importante quanto a proteção dos demais direitos fundamentais, e, sendo este direito desrespeitado, também configura-se verdadeira degradação da pessoa e da dignidade a ela inerente.

A negação de um ambiente de trabalho saudável constitui-se em violação da dignidade humana. Essa negativa de um trabalho digno, decente, pode ser considerada como rebaixamento do ser humano à condição análoga a de um mero objeto, cuja serventia é apenas a satisfação dos interesses do empregador, desconsiderando a condição do empregado como sujeito de direitos.

A inexistência de respeito à vida e à integridade física ou moral do trabalhador, através da ausência de condições mínimas de trabalho, isto é, a ausência de um meio ambiente de trabalho saudável, constituem-se em frontal desrespeito à norma constitucional de direito fundamental social.

Ainda digno de nota, que o Brasil ratificou a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho, ratificação essa promulgada pelo Decreto 1.254/94. Tal Convenção dispõe, em seu artigo 4º, parágrafo 1º, que os países signatários deverão formular e colocar em prática uma política nacional de segurança e saúde dos trabalhadores e de proteção ao meio ambiente do trabalho.

Por conseguinte, a redução dos riscos inerentes ao trabalho está prevista como norma constitucional no Artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal de 1988, através da elaboração de normas de segurança, devendo todas as empresas e empregadores providenciar essa redução de riscos, sob pena de serem obrigadas a indenizar as vítimas de acidentes de trabalho.

Destarte, na busca de garantir trabalho digno, os empregadores veem-se obrigados a providenciar e garantir condições ideais para o deveem-sempenho do trabalho, preservando a saúde, física e mental, do trabalhador, protegendo assim, a sua dignidade.

Na conceituação de Brito Filho, trabalho digno é aquele conjunto de direitos trabalhistas que compreende a existência de trabalho; liberdade, igualdade e condições justas no desempenho deste trabalho; aqui inclusas justa compensação e preservação da saúde e da segurança no labor. Também

são consideradas, pelo doutrinador, a proteção contra riscos sociais e a livre associação sindical, dentre os requisitos para a identificação de uma situação de trabalho digno. (BRITO FILHO, 2004)

Finalmente, a negativa de fornecimento de um ambiente de trabalho saudável e seguro, e o desrespeito às normas trabalhistas cogentes, é negação de direito fundamental do trabalhador, sendo injustificável e antijurídica a perseguição de lucratividade otimizada em detrimento da garantia qualidade de vida das pessoas, violando a dignidade da pessoa humana.

No próximo capítulo, tratar-se-á da conceituação da dignidade da pessoa humana, da possibilidade de encontrar nessa o fundamento dos direitos fundamentais sociais e das teorias referentes à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, apresentando, também, as principais críticas e os argumentos em defesa da eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas.

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DA

No documento UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA (páginas 40-47)