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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA

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Academic year: 2021

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RODRIGO ESPIÚCA DOS ANJOS SIQUEIRA

A (IN)EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: A proporcionalidade como meio de solução de conflitos entre direitos nas relações privadas na esfera trabalhista

CHAPECÓ 2014

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RODRIGO ESPIÚCA DOS ANJOS SIQUEIRA

A (IN)EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: A proporcionalidade como meio de solução de conflitos entre direitos nas relações privadas na esfera trabalhista

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, na área de concentração em Direitos Fundamentais, para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Yuri Schneider

CHAPECÓ 2014

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Autor: Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira

Título: A (in)eficácia horizontal dos direitos fundamentais sociais no estado democrático de direito: A proporcionalidade como meio de solução de conflitos entre direitos nas relações privadas na esfera trabalhista.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade do Oeste de Santa Catarina, na área de concentração em Direitos Fundamentais, para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Yuri Schneider Componentes da Banca Examinadora:

Professor Doutor Yuri Schneider

Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC

Professor Doutor Rodrigo Goldschmidt

Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC

Professor Doutor José Fernando Vidal de Souza Universidade Nove de Julho - UNINOVE

Data de aprovação: ___/___/____

CHAPECÓ 2014

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DEDICATÓRIA

Este trabalho dissertativo é dedicado à Danielle, companheira que, pacientemente, permitiu que lhe fossem roubados preciosos momentos de convivência familiar.

Dedico, ainda, a Rodrigo e Davi, presentes da vida, motivos de alegria e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Saint Augustine Foundation, da Canterbury Cathedral, Church of England, pelos recursos financeiros necessários à pesquisa e conclusão do presente trabalho.

Agradeço ao Professor Doutor Yuri Schneider, pela motivação e incentivo, pelas inestimáveis contribuições, correções ao trabalho em curso, bem como pela liderança sempre gentil.

Agradeço à Professora Doutora Daniela Menengoti Ribeiro pelas lições iniciais e primeiras experiências trilhadas na pesquisa científica.

Agradeço ao corpo de professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina pelas memoráveis lições, generosamente ofertadas, e por apontar os caminhos pelas sendas dos direitos fundamentais.

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo analisar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais sociais nas relações de direito do trabalho, e, nesta tarefa, utiliza-se do método da revisão bibliográfica. A sua primeira parte faz uma breve análise sobre os movimentos históricos e filosóficos que influenciaram a formação dos conceitos contemporâneos a respeito dos direitos fundamentais, sendo, a seguir, apresentados os efeitos da globalização nas relações de trabalho, bem como, o significado de trabalho digno. Em sua segunda parte, esta dissertação apresenta a conceituação da dignidade da pessoa humana, suas correlações com os princípios da igualdade e da dignidade, e encontra nestes princípios o principal fundamento da eficácia dos direitos fundamentais, para, só então, discutir sobre a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais, entendida a eficácia vertical como aquela em que tais direitos são considerados como oponíveis contra ações ou omissões estatais, e a eficácia horizontal explicitada como a possibilidade de oposição dos direitos fundamentais de proteção na hipótese das relações entre pessoas de direito privado. Em seguida, são apresentadas as teorias da aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas: a teoria da aplicabilidade direta e imediata; a teoria da aplicabilidade indireta e mediata ; a teoria da não aplicabilidade ou também chamada de teoria da state action; e, por fim, a teoria integradora de Robert Alexy. Na sua última parte, esta dissertação defende a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, verificada nos tribunais superiores, e comprovada pela análise de julgados de tais cortes, bem como pela utilização do exemplo privilegiado da proibição à imposição e cobrança de metas abusivas, consignada em Súmula do tribunal do Trabalho de Santa Catarina, exemplificada por jurisprudência, e através da utilização da teoria da proporcionalidade como método de solução dos conflitos entre direitos, bem como, salvaguarda dos direitos fundamentais em colisão e como medida de garantia dos direitos violados.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais Sociais. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Relações de trabalho.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the horizontal effectiveness of fundamental social rights in the relations of labor law, and, in this task, it uses the method of literature review. The first part is composed a brief analysis of the historical and philosophical movements that influenced the formation of contemporary concepts about the fundamental rights, and, then, shows the effects of globalization on labor relations, as well as the meaning of decent work . In its second part, this work presents the concept of human dignity, its correlations with the principles of equality and dignity, and these principles as the main foundation for the effectiveness of fundamental rights. After that it discusses the vertical and horizontal effectiveness of the fundamental rights, understanding the vertical effective as that in which such rights are considered to be enforceable against state actions or omissions, and the horizontal effect explained as the possibility of opposition of the protective rights in the event of relations between individuals. Then the theories of the applicability of fundamental rights in private relationships are presented: the theory of direct and immediate applicability; the theory of indirect and mediated applicability; the theory of non-applicability, also known as the state action theory; and finally, the integrative theory, by Robert Alexy. In its last part, this work supports the direct application of fundamental rights in labor relations, as seen in the brazilian higher courts, and proven by trial analysis of such courts, and by the use of the privileged example of the ban on the imposition and enforcement of abusive goals as enshrined in the Summary of Santa Catarina Labour court, exemplified by court decisions, and by using the theory of proportionality as a method to solve the conflicts between rights and, to protect of fundamental rights in collision and as a means of safeguarding the rights of the violator.

Key-words: Social fundamental fights. Horizontal efficiency of the fundamental rights. Labor relationships.

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Sumário

1. Introdução ... 9

1.1. Objetivos da pesquisa ... 9

1.1.1. Objetivos gerais ... 10

1.1.2. Objetivos específicos ... 11

2. Direito fundamental ao trabalho ... 15

2.1. Evolução histórico-filosófica dos direitos fundamentais ... 15

2.2. Globalização e seus efeitos nas relações de trabalho ... 22

2.3. Direito fundamental ao trabalho ... 34

2.4. Direito fundamental ao trabalho digno ... 40

3. Dignidade da pessoa humana como fundamento da eficácia dos direitos fundamentais ... 47

3.1. Dignidade da pessoa humana ... 47

3.1.1. Dimensões básica e cultural da dignidade da pessoa humana ... 52

3.2. Considerações sobre as relações entre a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade como fundamentos da eficácia dos direitos fundamentais ... 55

3.2.1. Igualdade ... 56

3.2.2. Liberdade ... 58

3.3. A eficácia vertical das normas de direitos fundamentais ... 60

3.4. A eficácia horizontal das normas de direitos fundamentais ... 63

3.4.1. Teorias da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas ... 63

3.4.1.1. Teoria da aplicabilidade direta ou eficácia imediata ... 64

3.4.1.2. Teoria da aplicabilidade indireta ou eficácia mediata ... 66

3.4.1.3. Teoria da não aplicabilidade ou state action ... 67

3.4.1.4. O modelo integrador de Robert Alexy ... 69

3.4.1.5. Eficácia horizontal das normas de direitos fundamentais ... 70

4. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais sociais nas relações de trabalho ... 73

4.1. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho – formas de incidência ... 73

4.1.1. A eficácia direta ou imediata dos direitos fundamentais nas relações de trabalho ... 84

4.1.2. As metas abusivas como exemplo privilegiado da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações de trabalho ... 92

4.1.2.1. A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho – 12ª Região ... 96

4.2. Princípio da proporcionalidade – colisão de direitos fundamentais e os critérios para a aplicação ao direito do trabalho ... 92

5. Conclusão ... 114

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1 INTRODUÇÃO

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA

A presente pesquisa é realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Mestrado Acadêmico em Direitos Fundamentais.

Na seara dos direitos humanos muitos debates existem a respeito da sua fundamentação e, em especial, da sua eficácia. Atualmente não é mais discutida a questão da eficácia vertical dos direitos fundamentais, o que está em voga nesta senda diz respeito à eficácia horizontal dos direitos humanos e, particularmente, dos direitos fundamentais.

De início, cumpre diferenciar os direitos humanos dos direitos fundamentais, e, para tanto, adota-se a terminologia proposta por Ingo Sarlet a respeito da temática ora abordada. Sarlet afirma que embora os direitos fundamentais sejam sempre, em sua essência, direitos humanos, vez que o sujeito de tais direitos é uma pessoa, e, portanto, um ser humano, a identificação entre as duas categorias não é adequada. (SARLET, 2011)

A distinção proposta por Sarlet é a de que a expressão ”direitos fundamentais” deve ser entendida como a coletividade dos direitos expressamente dispostos no corpo do texto constitucional. Os direitos humanos seriam, então, uma indicação do rol de direitos contidos nos documentos internacionais e que são relativos ao reconhecimento da posição jurídica dos ser humano como tal, sem que estejam, necessariamente, positivados na ordem constitucional de determinado Estado. Os direitos humanos, assim, teriam “aspiração de validade internacional” e um “inequívoco caráter supranacional”. (SARLET, 2011)

Por sua vez, os direitos fundamentais, para serem assim considerados como quer o autor, devem estar inscritos e expressamente consignados no texto constitucional de um determinado Estado, não obtendo o valor de norma universal ou internacional, estando adstritos à ordem jurídica que os consagrou. (SARLET, 2011)

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Neste sentido, também ensina Vecchi, ao afirmar que

Os direitos humanos são tratados como direitos inalienáveis que têm sua origem na própria natureza humana e que aspiram à validade universal, sem estarem adstritos a uma determinada ordem constitucional. Assim, estariam previstos em documentos internacionais e não possuiriam, em regra, meios jurídicos eficazes para sua exigência. Por sua vez, os direitos fundamentais são considerados aqueles direitos humanos que estão consagrados e positivados, que têm previsão mais precisa e restrita, estando em consonância com uma determinada ordem constitucional; existe, assim, em caso de violação, a previsão de um recurso judicial para sua exigência e sua concretização prática. (VECCHI, 2009, p. 151)

Este trabalho adota a distinção acima proposta e tratará de estudar os direitos fundamentais sociais, marcadamente, os direitos do trabalhador. A tarefa última a que se propõe a presente dissertação é investigar a efetividade horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, e buscará encontrar na teoria da proporcionalidade um método para a solução de conflitos entre direitos fundamentais dos particulares, e, para tanto, perseguirá os seguintes objetivos.

1.1.1 Objetivos gerais

O objetivo geral desta pesquisa é investigar as possibilidades e métodos de eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho. Nesta senda, a pergunta a ser respondida é: se existe, e em que medida, eficácia dos direitos fundamentais de proteção, quando os participantes da relação forem indivíduos ou entidades de direito privado, na seara trabalhista?

Em outras palavras, pode-se dizer que o anseio aqui é verificar a possibilidade de oposição das garantias constitucionais, amplamente aceitas como medida de proteção do indivíduo contra arbitrariedades do poder público, quando as relações intersubjetivas não contarem com a participação do ente público, mas, tão somente, pessoas ou personificações jurídicas.

Para atingir o objetivo proposto, esta pesquisa irá percorrer as trilhas da doutrina pátria contemporânea, através de revisão bibliográfica e apresentará as conclusões ao final.

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1.1.2 Objetivos específicos

Estabelecido o objetivo geral, necessário perquirir quais são os objetivos específicos na busca da resposta à pergunta acima apresentada.

Como ponto de partida, serão apresentadas as bases históricas e filosóficas que consentiram a construção da definição contemporânea de direitos humanos e direitos fundamentais. Os movimentos históricos das revoluções francesa e estadunidense são questões cruciais aqui, vez que lançaram as bases jurídicas das liberdades civis e políticas.

Também o processo de abolição da escravidão deverá ser abordado, em virtude de haver consolidado a ideia de igualdade entre todas as pessoas, sem distinção alguma. A intervenção da filosofia e da teologia também merecerá tratamento, ainda que breve, pois, sem a menor dúvida, contribuíram grandemente para a conceituação e a aceitação da proteção e garantia dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.

Este primeiro esforço servirá de pano de fundo para a investigação das bases dos direitos fundamentais sociais. Contudo, aqui, se pretende analisar os aspectos implicados ao direito do trabalho, pelo que, se fará investigação a respeito da evolução histórica e conceituação contemporânea do direito fundamental ao trabalho digno.

Ao falar sobre o direito fundamental ao trabalho digno, serão tecidas breves considerações sobre os efeitos da globalização nas relações de trabalho e de controle do trabalho. Isso se deve ao fato de que, em um mundo onde as informações não encontram barreiras e a tecnologia avança aos saltos, as relações de trabalho sofrem mutações com grande velocidade, o que, por vezes, permite a ocorrência de violações aos direitos do trabalhador. São estas alterações que serão abordadas e indicadas as possibilidades de fragilização dos direitos do operário.

Em um segundo momento, esta dissertação partirá para a investigação da conceituação contemporânea da dignidade da pessoa humana, e dos

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princípios da igualdade e da liberdade, na perseguição dos fundamentos da eficácia dos direitos fundamentais.

Aí serão abordadas as questões relativas à importância dos princípios na fundamentação da efetividade das liberdades e garantias constitucionais, e tratará de encontrar na dignidade da pessoa humana, em correlação com os princípios da igualdade e da liberdade, o fundamento principal para tal efetividade.

Um estudo sobre a eficácia vertical dos direitos fundamentais, entendida esta como a possibilidade de oposição de tais direitos contra ameaças ou violações perpetradas pelo Estado será necessário como introdução e base da análise da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Esta eficácia horizontal é, aqui, entendida como a possibilidade de invocar os direitos fundamentais como medida de proteção quando o violador de tais direitos for um indivíduo ou pessoa jurídica de direito privado.

Como já dito anteriormente, a eficácia vertical é amplamente aceita, contudo, a efetividade horizontal encontra seus opositores, em especial entre os defensores da autonomia privada. Para fundamentar a necessidade de ser aplicada a eficácia em sua forma horizontal, será investigado o fenômeno conhecido como constitucionalização do direito privado.

Este fenômeno implica na introdução das normas do direito constitucional nas relações intersubjetivas privadas, e que, por conseguinte, valida a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.

A partir daí poderá ser analisada a horizontalidade dos direitos fundamentais nas relações privadas na seara das relações de trabalho inclusive com a discussão a respeito das três principais teorias de aplicação destes direitos às relações privadas: a teoria da aplicabilidade direta ou imediata; a teoria da aplicabilidade indireta ou mediata; e a teoria da não aplicabilidade ou state action. Será, ainda, exposto o modelo integrador proposto por Robert Alexy.

Vencidas as etapas anteriormente descritas, irá, esta dissertação, adentrar a análise da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas entre particulares, a qual é sua última missão.

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Para desincumbir-se dessa tarefa, apresentará as teorias a respeito da incidência dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, e discutirá os principais fundamentos de tal aplicação, a saber: a desigualdade econômica existente entre as partes e que conduz a uma subordinação econômica do empregado em relação ao empregador; as influências da globalização que traz alterações nas formas de execução e controle do trabalho; o abuso do poder diretivo do empregador que desconsidera o trabalhador em sua condição de cidadão. Também discutirá se o contrato de trabalho, motivo principal da subordinação jurídica, é fator de fragilização dos direitos do trabalhador e se pode ser entendido como prevalente e justa limitação em relação aos direitos do operário.

Alie-se a tudo isso, a necessidade de apresentar um estudo sobre os efeitos do contrato de trabalho nos direitos trabalhistas específicos e inespecíficos do trabalhador. Entendidos os primeiros como aqueles referentes à prestação do serviço em si, e os segundos como aqueles inerentes à personalidade do trabalhador, que nunca deixa de ser pessoa humana, mesmo no momento de submissão às ordens do empregador, que são os direitos de proteção garantidos pela Constituição Federal.

Por fim, esta pesquisa abordará o princípio da proporcionalidade como método de aplicação direta dos direitos fundamentais sociais às relações de trabalho, e como medida de garantia da proteção dos direitos violados e justa limitação dos direitos em colisão.

Também alguns julgados da jurisprudência nacional serão analisados, como meio de sustentar a aplicação direta dos direitos fundamentais às relações intersubjetivas. Serão, ainda, analisados julgados do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, 12ª Região, na tentativa de vislumbrar a aplicação da eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações de trabalho.

Assim, as perguntas a serem respondidas ao final da pesquisa são: a) É possível afirmar que a dignidade humana é fundamento da eficácia

horizontal dos direitos humanos fundamentais entre particulares?

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vertical (entre cidadão e Estado), é também aplicável às relações entre corporações e indivíduos ou entre indivíduos e outros cidadãos?

c) De que modo deve se operar a efetividade horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho?

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2 DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-FILOSÓFICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para a construção da concepção contemporânea de Direitos Humanos, concorrem uma série de movimentos históricos e filosóficos com os seus respectivos documentos formais de constituição e dispositivos legais. Em especial cita-se: o processo de mudança de poder na França, nos últimos anos do século XVIII; a ocorrência da Independência dos Estados Unidos da América, também no final do século XVIII; o movimento para abolição da escravidão, do Século XIX; o surgimento do Socialismo; as duas grandes guerras mundiais do Século XX; e, por fim, o Capitalismo moderno. Tem-se, ainda, o fenômeno jurídico da constitucionalização do Direito.

Na esteira da Revolução Francesa do Século XVIII, e de sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e que ainda integra o direito positivo francês, ao lado da Constituição Francesa, vieram os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, consagrados como princípios basilares da concepção de Direitos Humanos contemporânea, conforme se pode observar da leitura do artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 10 de dezembro de 1948: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)

O processo de conquista dos direitos humanos se deu através de uma sucessão de movimentos histórico-filosóficos, embora o seu berço positivo possa ser considerado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, emitida pelas Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Tal declaração surge como resposta aos acontecimentos da 2ª Guerra Mundial, mas a sua origem é uma confluência de fatores históricos e ideias de existência de direitos inalienáveis e inerentes à condição de pessoa humana, como resultado da construção de filósofos, teólogos e políticos desde a antiguidade.

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Com isso se quer dizer que o reconhecimento dos direitos humanos não se deve unicamente à edição de um único diploma legal, de caráter supranacional, mas sim, à confluência de valores, princípios e ideais gestados ao longo da história da humanidade, como se verificará a seguir.

A luta e o consequente estabelecimento da independência dos Estados Unidos da América, embasada na Declaração de Direitos de Virgínia, de 1771, e, posteriormente, na Declaração de Independência, de 1776, aventam os princípios cristalizados na Revolução Francesa. Esses princípios demonstram a crescente insatisfação da burguesia com o Estado Feudal, consolidando a luta por liberdade e desvinculação do poder da Igreja sobre o Estado, fomentando a nova concepção de Estado Liberal e os Direitos de Liberdade.

Os ideais destacados eram embasados no jusnaturalismo moderno de Thomas Hobbes, que propugnava as bases para os direitos liberais, de especial interesse da burguesia da época, que são os direitos à liberdade, à propriedade e à segurança, também conhecidos por Direitos de Liberdade Negativa, pois pregavam a não intervenção estatal na esfera dos direitos individuais. (CARBONARI, 2008)

O movimento pela abolição da escravidão no continente americano, no século XIX, incrementa as ideias de igualdade entre todos os homens, sem distinção de cor da pele ou origem étnica. Embora tenha sido fortemente combatido nas nações onde a mão de obra escrava era a base da economia de produção rural, esse movimento de libertação, eventualmente, conseguiu impor seus objetivos e consagrou seus ideais libertários e igualitários, plantando a semente dos direitos à igualdade racial e prevenção ao racismo, hoje consolidados na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Organização das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965.

Também influenciou fortemente os Direitos Humanos, o surgimento e o crescimento rápido das doutrinas propaladas pelo Socialismo na Rússia, em meados do Século XIX, como contraponto aos ideais Capitalistas que deram causa à desigualdade econômica crescente e aos grandes índices de desemprego, gerando uma crise e marginalização econômica de muitos. O socialismo traz, em seu bojo teórico, ideias de igualdade, que impulsionaram a

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reflexão para além dos Direitos de Liberdade, ampliando o conceito de igualdade perante a lei para incluir também os Direitos Sociais, tais como o direito ao trabalho, à educação, à segurança social e à saúde. (GIANNATTASIO, 2009; TOSI, 2011; TRINDADE, 2011)

Os eventos catastróficos da Primeira e Segunda Grandes Guerras, em especial em seus períodos pós-conflito, deram impulso à elaboração de cartas de direitos em âmbito internacional, com a criação de tratados e normas internacionais sobre prisioneiros de guerra, armas cruéis, tratamento de feridos e de civis, dando início ao surgimento das regras internacionais de Direito Humanitário. O período Pós-Segunda Grande Guerra, também embalado pelos ideais do Socialismo, e motivado por vários movimentos populares e de operários, gerou a inclusão dos Direitos Sociais nas Constituições Nacionais criando o conhecido Estado do Bem-Estar Social, o welfare state. (TOSI, 2011; TRINDADE, 2011)

A Declaração Universal de 1948 deu forma à concepção atual de Direitos Humanos, que foi consagrada em 1993, na Convenção de Viena, conforme se verifica em seu artigo 5º que declara: “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1993, s/p)

Percebe-se ainda, no âmbito da evolução histórico-filosófica dos Direitos Humanos, a forte influência do cristianismo social. Essa corrente de pensamento, através da interpretação de trechos do Novo Testamento, e, embora seja considerada como uma das fontes do conceito contemporâneo de Direitos Humanos enfrentou, na própria instituição que lhe deu nascimento, uma forte oposição à sua aplicação prática. Os conceitos de igualdade e liberdade de pensamento, no seio da Igreja Católica Apostólica Romana, foram muito rechaçados como imorais e perigosos, e só começaram a ser aceitos com o advento da Encíclica Papal “Rerum Novarum”, editada pelo Papa Leão XIII em 1894. Daí por diante, os conceitos de direitos humanos foram, gradativamente, sendo aceitos e implementados no seio da Igreja, culminando, nas palavras do professor Giusepe Tosi (2011), com o “Concilio Vaticano II, a modificar profundamente sua posição de inicial condenação dos direitos humanos. Mais recentemente o papa João Paulo II, na sua Encíclica

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Redemptor Hominis, reconhece o papel das Nações Unidas na defesa dos

‘objetivos e invioláveis direitos do homem.’ ” (TOSI, 2011, s/p)

O surgimento de um sistema social no Brasil se deu entre 1930 e 1945, com a mudança da economia agrícola-rural para a industrial-urbana, fomentando a intervenção estatal para garantia dos direitos à saúde, educação, previdência social, trabalho, segurança, habitação e etc. Nota-se que neste processo de construção dos Direitos Humanos no Brasil, os direitos sociais tiveram sua inclusão no direito positivo antes mesmo do que as garantias dos direitos civis e políticos, ratificando a forte influência de dois movimentos sócio-culturais, a escravidão e o colonialismo.

A partir de 1946, com a promulgação da Constituição de 46, bem como através da criação do parque industrial brasileiro e o grande incentivo à industrialização nacional, ganharam força os movimentos de base, em especial os sindicais e estudantis. Entretanto, nos anos de 1970 e 1980, com a instalação da ditadura militar, mais uma vez perdem força os direitos civis e políticos, e ganham evidência os direitos sociais como compensação pela perda das liberdades civis e políticas e excessivo controle de ideias por parte do Estado. (GIANNATTASIO, 2009; CARBONARI, 2008)

No final da década de 1980, com o fim do regime militar e a redemocratização do país, voltam à evidência os direitos políticos e civis. Esses direitos têm especial destaque com a promulgação da Constituição de 1988. Vários outros direitos sociais são fortalecidos a partir daí, por exemplo, a seguridade social, a saúde (com a criação do Sistema Único de Saúde) e a assistência social (com o advento da Lei Orgânica de Assistência Social).

Aliado a tudo isso vemos, como fortes influências na formação da matriz conceitual brasileira dos Direitos Humanos, o coronelismo, o clientelismo e o mandonismo, que deixaram herança de acomodação popular e de uma cultura de barganha política, onde poucos detêm o poder político, através do poder financeiro, obtendo apoio mediante negociatas e compra de votos.

Nesse contexto, e na busca da efetivação dos direitos humanos, tem-se a necessidade de estudar e divulgar amplamente os direitos e deveres inerentes a todos os cidadãos, em especial, os direitos fundamentais, uma vez que esses são os mais caros e necessários a todos em virtude de sua

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essencialidade na garantia da dignidade humana, sendo essa mesma considerada como fundamento daqueles.

Uma vez sedimentada a questão da eficácia vertical das normas de direitos fundamentais e a colocação da dignidade da pessoa humana como fundamento da eficácia vertical dos direitos fundamentais, perfaz-se necessário olhar para um fenômeno recente da doutrina dos direitos fundamentais, a saber, a constitucionalização do direito.

O cenário internacional pós-Segunda Guerra Mundial, trouxe uma série de inovações no ramo do Direito Internacional, em especial no tocante à edição de Tratados e Convenções Internacionais relativos ao tema dos direitos e garantias fundamentais. O tema vem ganhando cada vez mais relevo nos ordenamentos jurídicos ocidentais a ponto de várias constituições terem incluído em seus textos um capítulo exclusivo para regular direitos e garantias fundamentais.

Dentre as várias consequências sócio-políticas desse cenário estão as diversas inovações no Direito Constitucional, em especial a teoria de que há intenso diálogo e irradiação das normas, valores e princípios constitucionais no Direito Privado, fenômeno que se convencionou chamar de constitucionalização do direito.

Essa constitucionalização do direito dá novos contornos às relações entre os instrumentos normativos constitucionais e os demais diplomas legais infraconstitucionais, a ponto de se afirmar que a Constituição irradia seus valores e postulados de forma a alterar postulados antes considerados sedimentados, tais como a autonomia privada, tão cara aos estudiosos do Direito Civil. Essa irradiação gera, então, vários conflitos, entre os ramos do Direito Constitucional e do Direito Privado, especificamente no tocante à eficácia dos direitos fundamentais.

Vê-se, na lição de Riva Sobrado de Freitas e Alexandre Shimizu Clemente, a implicação deste novo entendimento sobre a influência do Direito Constitucional no Direito Privado:

Sob essa nova perspectiva e paralelamente à sua difusão, notamos a superação da ideia de que os Direitos Fundamentais somente se

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prestariam à tutela dos cidadãos em face do Estado, pois eles, como valores essenciais do pacto social firmado, passam a ser compreendidos como “postulados sociais”, os quais exprimem uma ordem de valores, que se presta a ser fonte de inspiração, impulso e diretriz para a vinculação tanto do processo legislativo quanto dos atos da administração pública e também de toda a jurisdição. (FREITAS; CLEMENTE, 2010, p. 69-70)

Neste trabalho, entende-se a constitucionalização do direito em seu sentido mais amplo. Poder-se-ia dizer que essa expressão deveria ser entendida como um fenômeno onde o ordenamento jurídico de um determinado país vigorasse sob uma Constituição dotada de supremacia, entretanto essa definição é inespecífica e não contempla todos os sentidos afetos a esse novel fenômeno.

O que se quer demonstrar com a afirmação de uma constitucionalização do direito é o fato de que há um forte reflexo do “efeito expansivo que as normas constitucionais adquiriram nos últimos 50 anos. Tal difusão centra-se no conteúdo material e axiológico das regras constitucionais, que se reflete com intensa força normativa por todo o sistema jurídico.” (FREITAS; CLEMENTE, 2010, p. 71)

Assim, percebe-se uma grande impregnação do ordenamento jurídico pelas normas constitucionais, ampliando a irradiação do texto constitucional a todas as esferas e ramos do direito moderno. Esse efeito é particularmente perceptível nos ordenamentos dos países ocidentais, ganhando força no período pós-guerra com a proclamação das declarações de direitos fundamentais e o movimento pela proteção e promoção da dignidade da pessoa humana.

Um efeito importante da constitucionalização do direito, particularmente para o desenvolvimento deste trabalho, é a vinculação das relações intersubjetivas aos direitos fundamentais. Isso se deve à superação da visão liberal, para a qual os direitos humanos fundamentais só produzem efeitos nas relações onde o Estado é uma das partes e o cidadão está na outra ponta. Essa nova visão é relevante, especialmente na ótica apresentada por Freitas e Clemente, na lição abaixo descrita:

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Percebe-se, finalmente, a superação da visão liberal, pela qual os Direitos Fundamentais apenas deveriam produzir efeitos na relação entre Estado e os cidadãos. Essa limitada concepção, acompanhando o fenômeno da constitucionalização, reconheceu que na hodierna sociedade nem sempre é o Estado o maior corruptor dos Direitos Fundamentais, pois, este posto, muitas vezes, é ocupado por particulares, principalmente aqueles dotados de algum poder social ou econômico. (FREITAS; CLEMENTE, 2010, p. 75)

Torna-se imperioso concluir que a constitucionalização do direito culmina por trazer novas formas de aplicação dos direitos fundamentais nas relações intersubjetivas, indo além da proteção do cidadão perante o Estado, pois, permite aos particulares evocarem tais direitos para sua proteção em suas relações com o Estado e com os demais cidadãos.

Oportuno mencionar aqui que o fenômeno da constitucionalização do direito privado, será abordado novamente mais adiante no presente trabalho, porém, com diferente viés, quando se falará sobre a importância e os efeitos desse fenômeno na seara do Direito do Trabalho.

Atualmente, em uma sociedade que se encontra suscetível à profunda interação entre culturas, por força da crescente e irrefreável globalização, como resultado também, do desenvolvimento das tecnologias, há o surgimento de novas relações intersubjetivas até a pouquíssimo tempo impensáveis.

De todas as novas formas de relacionamento humano surgidas nos últimos anos, as que sofrem mutações com mais velocidade, são as resultantes dos avanços tecnológicos e cibernéticos.

Além do infindável fluxo de informações e das novas interações entre as pessoas, o mundo contemporâneo e globalizado permite que as pessoas transitem com mais facilidade e velocidade entre as diversas culturas e isso acarreta, por vezes, um choque cultural que pode vir a gerar uma violação da dignidade humana, em sua dimensão cultural, pela tentativa de uma sociedade impor à outra seu arcabouço axiológico.

Outro perigo para a concretização da dignidade humana é a crescente lógica de consumo imposta pelas grandes corporações ávidas pela expansão do seu alcance no mercado e pela conquista de novos mercados. Essa lógica consumista, por vezes, implica no não reconhecimento de direitos básicos do ser humano, a exemplo dos direitos ao trabalho ou salário dignos.

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No próximo tópico será abordada, ainda que brevemente, a globalização como fenômeno social e dinâmico que produz efeitos nas relações laborais e do qual é decorrência o surgimento de novas configurações de execução e controle do trabalho.

2.2 GLOBALIZAÇÃO E SEUS EFEITOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A origem etimológica da palavra trabalho é o termo latino tripalium, que era utilizado para designar o instrumento composto por três pedaços de madeira usado para infligir punição aos cavalos que não obedeciam aos comandos e impediam o ferreiro de desempenhar o seu trabalho com facilidade. Assim, o verbo tripaliare tinha seu significado no uso do tripalium para punir cavalos desobedientes. Já o vernáculo “labor” deriva do latim e do inglês labor. Além disso, o grego ponos e o alemão Arbeit significam esforço, dor e podem também ser usados, a exemplo do inglês e do latim supramencionados, para designar as dores do parto. Dessa forma, pode-se afirmar que, quando dos seus primórdios, o trabalho era considerado algo muito penoso e sofrível. (MARTINS, 2010)

Atualmente, a definição de trabalho já não atrai tanto a ideia do esforço, do sofrimento, da punição. Tome-se como exemplo a palavra nipônica

hataraku, que quer dizer dar conforto ao vizinho através do trabalho.

Essa expressão permite afirmar que a concepção de trabalho pode variar conforme a cultura que a emprega, possibilitando que um indivíduo ou um grupo de pessoas, inseridos em uma cultura determinada tenham a noção de que certa atividade laboral é valiosa. Além disso, confere status social desejável, enquanto em outra cultura o mesmo tipo de trabalho pode ser encarado como indesejável e as pessoas que o desempenham sejam tidas como uma classe “inferior” de indivíduos.

Essa diversidade cultural da dignidade humana, na qual a relação de trabalho está inserida, acentua-se no mundo globalizado. Nesse aspecto, Teubner afirma que a globalização deve ser percebida não como uma sociedade nacional que gradativa e paulatinamente move-se na direção de

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integrar-se a uma sociedade mundial estabelecida, mas sim como uma sociedade mundial, que é resultado da crescente abrangência da comunicação que ultrapassa barreiras culturais ou geográficas. Para essa visão de globalização, as organizações internas dos Estados-nações nada mais são do que meras expressões localizadas de uma sociedade mundial. (TEUBNER, 2003)

A visão de Bauman também ressalta o papel da comunicação na transformação da sociedade contemporânea em uma sociedade globalizada. Afirma o sociólogo que a mobilidade resultado da criação de novos meios de comunicação possibilita que a informação viaje de forma independente do seu portador físico ou do objeto sobre o qual informa, isto é, o desenvolvimento de meios técnicos de comunicação que separam o movimento da informação do movimento de seu portador e objeto, permite que o significado não tenha mais controle total do significante. Assim, a velocidade com que viaja a informação é muito maior do que a dos corpos físicos. E, com o aparecimento da rede mundial de computadores, afirma Bauman, o próprio conceito de distância se altera, pois, a informação está disponível instantaneamente em todos os pontos do planeta. (BAUMAN, 1999)

Percebe-se que o desenvolvimento dos meios de comunicação e interação social, em especial aqueles surgidos como resultado da inovação tecnológica e cibernética proporciona aos cidadãos do mundo globalizado o acesso imediato à vasta gama de informação disponível, concedendo que o indivíduo se aproprie com maior facilidade, de conhecimentos que outrora não estariam acessíveis sem esforço.

Essa nova configuração de acesso à informação torna possível ao indivíduo transcender o mundo das informações, e, munido de maior conhecimento, bem como, mais bem capacitado, ultrapasse as fronteiras físicas de sua nacionalidade, buscando melhores oportunidades de trabalho em outras nações.

Esse movimento migratório de mão de obra, muitas vezes, gera conflitos culturais entre os migrantes e os cidadãos locais. Outras vezes, o que ocorre, é que apesar da pronta disponibilidade de informação, os migrantes agrupam-se em torno de seus compatriotas formando verdadeiras “bolhas culturais” dentro

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do país para onde imigraram. Dessa falta de integração na cultura local, tome-se como exemplo as “Chinatowns” de Nova Iorque ou Londres, onde há um grande número de imigrantes asiáticos, chineses em sua maioria, mas que vivem restritos aos limites geográficos dessas “vilas étnicas” sem que desenvolvam habilidades na língua inglesa ou interajam de maneira mais ativa com os cidadãos locais.

Entretanto, a falta de interação com a cultura local, em especial com o ordenamento jurídico, pode gerar situações onde exista a exploração de mão de obra e o desrespeito aos direitos humanos sociais.

Para Anthony Giddens, um dos primeiros autores a conceituar o termo,

[a] globalização, em suma, é uma complexa variedade de processos, movidos por uma mistura de influências políticas e econômicas. Ela está mudando a vida do dia-a-dia, particularmente nos países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que está criando novos sistemas e forças transnacionais. Ela é mais que o mero pano de fundo para políticas contemporâneas: tomada como um todo, a globalização está transformando as instituições das sociedades em que vivemos. É com certeza diretamente relevante para a ascensão do “novo individualismo” que figurou com tanto destaque em debates socialdemocráticos. (GIDDENS, 2000, p. 43)

A distinção entre globalização e universalização consiste, para Zygmunt Bauman, em que a globalização concerne à nova ordem (ou “desordem”, como proposto pelo autor) mundial, que tem caráter “indeterminado, indisciplinado”, e não possui um centro, promovendo uma “nova e desconfortável percepção das coisas fugindo ao controle”. Já na ideia de universalização encontramos “a intenção e a determinação de se produzir a ordem [...], uma ordem universal”. (BAUMAN, 1999) (grifo do autor)

Para Teubner, a globalização não é impulsionada pela política, mas sim pelos movimentos fragmentários da sociedade civil. O fluxo de informações gerado pela interação entre as sociedades é que serve de substrato para o surgimento do mundo globalizado. Da mesma forma, o desenvolvimento de um direito mundial não tem origem nos centros políticos institucionalizados, mas sim nas interações sociais entre os indivíduos e entre os grupos sociais, sendo uma resposta às novas necessidades de regulação. Esse direito mundial constitui-se em uma nova ordem jurídica, “em ordenamentos jurídicos globais

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sui generis”. É, nesse novo ordenamento jurídico global, afirma Teubner, que

as novas normas globais de direito do trabalho surgem como resultado da atividade sindical e empresarial. (TEUBNER, 2003)

Essas novas normas globais de direito do trabalho deveriam ser talhadas para a garantia dos direitos fundamentais dos operários, contudo, em virtude do caráter neoliberal da globalização, por vezes, fragilizam direitos conquistados a duras penas.

A implementação de normas essenciais para o reconhecimento e o exercício dos direitos humanos, bem como para o desenvolvimento econômico, é de responsabilidade de todos e requer, portanto, ampla reforma do paradigma e dos mecanismos de globalização atual. Um modelo de desenvolvimento baseado no reconhecimento da importância das normas econômicas, sociais, culturais e sustentáveis conduz à consolidação dos direitos humanos.

Os direitos humanos são os direitos possuídos por todas as pessoas, em virtude da sua humanidade comum, a uma vida de liberdade e dignidade. Eles dão a todas as pessoas direitos morais sobre os comportamentos individuais e a concepção das disposições sociais – e são universais, inalienáveis e indivisíveis. (UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME , 2010)

Esse processo de consolidação dos direitos humanos, para ser efetivo, deve levar em conta as diferenças culturais e éticas variantes de sociedade para sociedade, garantindo direitos em meio às diversas culturas e novas formas de relação entre as pessoas.

O desenvolvimento de novas tecnologias de informação permite que as fronteiras sejam transpassadas com maior facilidade, em especial as fronteiras do conhecimento. Estando a informação acessível a um maior número de pessoas, e não apenas nos países com alto índice educacional e de desenvolvimento, é crescente a oferta de profissionais qualificados a desempenhar tarefas e atividades com maior complexidade. Essa maior oferta de profissionais ocasiona aos países desenvolvidos a utilização de uma estratégia de redução de custos, a terceirização.

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Graças à excelência dos meios tecnológicos de transmissão de dados, permite-se a delegação de tarefas técnicas e que demandem formação especializada aos países em desenvolvimento, possibilitando aos profissionais tomadores da terceirização a dedicação a tarefas mais “nobres” e que exijam maior grau de qualificação técnica e profissional.

O livro “O Mundo é Plano: Uma breve história do século XXI”, de Thomas L. Friedman, relata uma série de exemplos dos efeitos da migração das vagas de emprego dos países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos da América, para os países em desenvolvimento, principalmente China e Índia. Dentre os exemplos elencados no citado livro, destacam-se os dos contadores indianos, dos médicos radiologistas indianos e australianos e dos jornalistas indianos.

Ocorre que há uma crescente delegação, em 2005 já eram 400 mil declarações ao ano, das atividades de elaboração das declarações de impostos dos contadores norte-americanos para escritórios de contabilidade na Índia. Nesses casos, a atividade repetitiva de preenchimento de formulários e compilação de dados não exige criatividade por parte do contador, e, por isso, é delegada aos indianos para permitir que os norte-americanos dediquem seu tempo à análise do cenário econômico e a buscar alternativas estratégicas para a administração dos bens dos seus clientes. (FRIEDMAN, 2009)

Semelhante caso ocorre com os jornalistas Britânicos e Norte-Americanos de agências de notícias globais. Diante da necessidade de publicar boletins sobre o resultado e desempenho financeiro das empresas com a maior brevidade possível, as agências internacionais de notícias delegam as tarefas de compilação de dados econômicos e financeiros e a elaboração dos boletins a jornalistas situados na Índia, enquanto as tarefas de análise dos dados e boletins são efetuadas por outros jornalistas mais experientes, e com maiores salários, em Londres ou Nova Iorque. Com a publicação do conteúdo básico quase que imediata após a publicação dos resultados pelas empresas, as agências mantêm sua parcela no mercado e consentem que os jornalistas mais competentes ganhem tempo para as análises mais aprofundadas. (FRIEDMAN, 2009)

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Cabe ressaltar que na medicina diagnóstica há delegação da atividade menos complexa. Os médicos radiologistas norte-americanos de hospitais de pequeno e médio porte terceirizam a elaboração de laudos de tomografias aos médicos indianos ou australianos. Os médicos radiologistas nos países em desenvolvimento desempenham as atividades menos complexas de estudar os exames e elaborar laudos sobre suas observações, permitindo aos médicos na América do Norte a economia de tempo e maior dedicação ao diagnóstico e tratamento das doenças identificadas. Mais uma vez, a terceirização possibilita aos norte-americanos a dedicação às tarefas mais complexas, delegando as atividades mais básicas a outros profissionais localizados a milhares de quilômetros de distância. (FRIEDMAN, 2009)

Outro aspecto relevante dessa terceirização internacional é a rapidez na conclusão das atividades, pois a tecnologia atual torna possível a um profissional em Nova Iorque digitalizar e enviar uma informação para a Índia no fim do horário comercial no ocidente e receber a tarefa concluída no início do dia útil seguinte, pois enquanto é dia em Bangalore, a noite passa em Manhattan.

Isso é um indicativo que no ritmo em que a terceirização internacional hoje acontece, as tarefas sujeitas à digitalização e decomposição de sua cadeia de valor, e que permitam a delegação das atividades menos complexas, serão transferidas a profissionais localizados nos países em desenvolvimento, como medida de redução de custos e otimização do tempo de trabalho dos profissionais tomadores da terceirização no ocidente.

A busca pela redução de custos e otimização do tempo de trabalho dos profissionais mais capacitados e mais bem remunerados na América do Norte, aliada à rejeição por parte dos profissionais Norte-americanos às tarefas consideradas menos complexas e despidas de criatividade, acarretou a criação de novos postos de trabalho nos países em desenvolvimento. Ainda que a grande maioria das vagas criadas sejam relacionadas ao trabalho braçal e repetitivo, isso acarreta, aos países em que são criados os novos empregos, oportunidades de ascensão social e de melhoria de renda às famílias que, de outro modo, não teriam acesso a um padrão de vida melhorado.

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Neste novo cenário internacional, os profissionais formados na Índia ou China, por exemplo, não mais precisam deixar suas famílias e cidade natal para buscar oportunidades de crescimento pessoal e profissional em países desenvolvidos. A permanência destes profissionais em suas comunidades gera um aumento da circulação da riqueza e permite um crescimento no padrão de vida para estes e suas famílias. Criam-se possibilidades de avanço na situação pessoal e regional, em virtude do surgimento dos novos postos de trabalho.

Assim, através da evolução da remuneração e do aumento das oportunidades de emprego, os profissionais dos países em desenvolvimento têm a chance de alcançar padrão maior de vida e permanecer na comunidade local, o que conduz a um crescente exercício da liberdade individual, e, consequentemente, uma maior realização da dignidade humana.

Embora ainda não estejam em um patamar de igualdade de salários e crescimento profissional com os seus colegas de países desenvolvidos1

, é notável o aumento das oportunidades de emprego nos países onde acontece a terceirização internacional. Dados do “ILO Research Paper No. 6 – Employment and Economic class in the Developing world”, publicado em Junho de 2013 pela Organização Internacional do Trabalho, indicam que mais de 60% (sessenta por cento) dos trabalhadores de classe média em desenvolvimento estão vinculados ao setor de serviços. (KAPSOS; BOURMPOULA, 2013)

Os índices de consumo também aumentam nas sociedades que recebem os postos de trabalho, uma vez que os trabalhadores da classe média em desenvolvimento são uma nascente classe consumidora e estão se tornando capazes de pagar por bens e serviços não-essenciais, incluídos aí alguns bens de consumo de origem internacional. Além disso, esses trabalhadores conseguem maior acesso a destacadas escolas e universidades, bem como, aos serviços médicos de superior qualidade, do que as classes trabalhadoras com inferior receita. (KAPSOS; BOURMPOULA, 2013)

1

A Organização Internacional do Trabalho define que as famílias residentes nos países em desenvolvimento, cujo consumo diário per capita não seja menor do que US$4 (quatro dólares americanos) e nem exceda US$13 (treze dólares norte-americanos), estão classificadas como trabalhadores de classe média em desenvolvimento, embora o limite máximo de US$13 corresponda com a linha da pobreza nos Estados Unidos da América em 2005. Isso indica que a referida classe média em desenvolvimento seria considerada pobre em termos mundiais absolutos, mas que, em seu contexto local, está em situação mais confortável e em nível acima das demais classes trabalhadoras. (KAPSOS; BOURMPOULA, 2013, p. 3-4)

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Cinco anos após a crise financeira global ter iniciado, os índices de pessoas empregadas nos países em desenvolvimento apontam para uma maior e mais ágil recuperação nas economias emergentes e em desenvolvimento do que em grande parte das economias desenvolvidas. De acordo com o Instituto Internacional de Estudos sobre o Trabalho, os índices de emprego, ou seja, o número de pessoas em idade produtiva que estão empregadas, já superou os índices pré-crise em 30% dos países analisados; enquanto que em 37% dos países estes índices aumentaram desde o início da crise mundial, mas não o suficiente para superar os índices pré-crise; e, em 33% dos países os índices continuam a declinar. A previsão, segundo as tendências atuais, de que os índices de pessoas empregadas vão superar as marcas pré-crise, nos países em desenvolvimento, no ano de 2015 e nos países desenvolvidos essa marca será superada só após o ano de 2017. (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2013)

Em decorrência do exposto, conclui-se que a migração de empregos para zonas subdesenvolvidas do planeta pode ser encarada como positiva para os profissionais dos países em desenvolvimento, que alcançarão melhores patamares de vida e realização profissional. Também os índices de consumo melhoram em virtude dos salários mais altos pagos às novas vagas de emprego.

As novas tecnologias de comunicação alteraram as relações intersubjetivas e provocaram uma revolução no conhecimento humano, proporcionando o surgimento de uma sociedade global, onde as normas são um reflexo da interação humana e permitem uma gama variada de encontros e desencontros entre os atores sociais do novo mundo internacionalizado. Essas relações intersubjetivas também influenciam as relações de trabalho, dando surgimento a novos modelos de relações trabalhistas.

As novas relações sociais e trabalhistas oriundas do avanço tecnológico e da expansão das tecnologias de comunicação e transmissão da informação tornam possível a inserção de novas camadas sociais no mercado de trabalho, ampliando o alcance e consentindo que profissionais que outrora emigravam, na busca de boas condições profissionais, possam permanecer em suas

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regiões geográficas de origem e ao lado de suas famílias, inseridos em seu contexto cultural.

Quando um determinado setor social no mundo desenvolvido resolve que certas tarefas não devem mais ser desempenhadas por seus cidadãos, isso possibilita que em outras partes do mundo em desenvolvimento, os profissionais passem a desempenhar tais tarefas, e percebam melhor remuneração, desencadeando um processo de crescimento da economia local e desenvolvimento pessoal dos novos contratados e de suas famílias.

Essa nova realidade do mundo do trabalho contribui para a realização da dignidade humana para profissionais e suas famílias, ao mesmo tempo em que ocasiona o desenvolvimento das economias locais ao passo que atende às demandas por terceirização da prestação de serviços dos países desenvolvidos, bem como permite o aumento do consumo de produtos locais e internacionais.

Por fim, quando um profissional tem a oportunidade de empregar suas habilidades e competências no exercício de sua profissão, mesmo que o faça em tarefas rejeitadas por colegas de outros países que preferem dedicar-se a atividades mais complexas e mais rentáveis, tal profissional está realizando um direito fundamental ao trabalho, e no exercício deste direito, torna-se, cada vez mais, capaz de prover o sustento de seus familiares e de incrementar seu padrão de vida. Essa melhoria no padrão social de uma pessoa pode ser encarada como exercício de sua dignidade humana, vez que implica melhores condições pessoais de autodeterminação de sua vontade e liberdade individual de escolhas, além de dispor de mais saúde e educação.

Entretanto, ainda se percebem mazelas na aplicação das leis protetivas das relações de trabalho, bem como na eficácia dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, onde tantas violações ocorrem, em especial nas relações entre empregador e empregado, e outras tantas entre empregados da mesma empresa, devido ao desrespeito da dignidade humana pelos particulares e grupos empresariais.

Embora o processo de formação da “aldeia global” contenha aspectos positivos, como antes ressaltado à luz do que disse Friedman, o professor Goldschmidt, destaca o influente papel desta mesma globalização para o que

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chama de flexibilização dos direitos dos trabalhadores, e indica que tal movimento supranacional potencializa as diferenças econômicas e sociais, como fruto de sua natureza neoliberal. Conforme se verifica da lição ora transcrita:

Nesse cenário, é correto afirmar que o tipo clássico fundado na soberania do Estado perde espaço para uma noção de aldeia global, sem fronteiras nem limites. É assente que tais transformações são produtos de uma planificação neoliberal, que preconiza a livre circulação de capitais. Se, de um lado, traz nisso o avanço tecnológico e científico, de outro, a globalização exacerba as diferenças econômicas e sociais. (GLODSCHMIDT, 2009, p. 118)

Este movimento internacional promove, ainda, a aglomeração de nações em blocos econômicos regionais e internacionais, assim como de empresas com atuação em vários países, chamadas multinacionais ou transnacionais, que culminam por dominar o mercado, a produção, as finanças e o comércio internacional. Tais empresas passam a ditar as diretrizes econômicas através do controle do mercado financeiro, que, com suas características de instabilidade e volatibilidade, subjuga as nações à sua inconstância. (GOLDSCHMIDT, 2009)

Esta subjugação dos países gera uma dependência econômica e financeira, vez que as nações passam a depender, de maneira direta, do contexto global ou do de seus parceiros comerciais, de onde recebem os rendimentos ou dividendos, devendo obedecer às regras desta parceria.

Já no aspecto social, este movimento internacional produz uma redução nas atividades de garantia e promoção de direitos através de políticas públicas, como se depreende da lição de Goldschmidt:

O aspecto social, à sua vez, também recebeu mudanças; e para pior. A inovação financeira acabou por perpetuar uma síndrome de exclusão social violenta. A mídia de massa, operadora da manutenção do estado reinante, transmite à população a teoria da inexorabilidade do discurso globalizante, inclutindo a crença de que esta teoria é necessária e irreversível. È o discurso da manipulação social. Além disso, a ausência do Estado – enfraquecido – na promoção de políticas públicas essenciais faz com que as pessoas de classes sociais baixas vivam marginalizadas em subúrbios que não têm o mínimo de habitabilidade. (GLODSCHMIDT, 2009, p. 120)

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Assim, verifica-se que ao passo em que a globalização avança, a soberania nacional vai sendo diminuída, e isso reflete, diretamente na capacidade dos países de promover políticas internas de proteção e garantia dos direitos sociais, e, em especial os trabalhistas.

Ocorre que a globalização impulsiona as empresas a uma competitividade exacerbada pela ausência de fronteiras e veloz trânsito de informações e mercado financeiro global. Fica o Estado diante de um “cheque-mate” na sua função de protetor e promotor de políticas públicas internas para a garantia de direitos fundamentais sociais, dentre estes, os trabalhistas.

Verifica-se, como resultado da abertura dos mercados o acirramento da competição, com a consequente busca por maior produtividade com o menor custo possível, o que conduz as empresas a buscarem profissionais com a melhor qualificação ao menor custo. Isso gera o que se chama de desemprego estrutural, entendido como a eliminação de vagas do mercado de trabalho, como resultado da tecnologia e das modificações da estrutura produtiva, relegando os desempregados a esta condição por maior espaço de tempo.

A fragilização do Estado-Nação enquanto promotor de políticas públicas internas é afirmada por Santos, conforme se depreende da lição abaixo:

Hoje, a erosão selectiva (sic) do Estado-Nação, imputável à intensificação da globalização, coloca a questão de saber se, quer a regulação social, quer a emancipação social, deverão ser deslocadas para o nível global. É neste sentido que já se começou a falar em sociedade civil global, governo global e equidade global. Na primeira linha deste processo, está o reconhecimento mundial da política de direitos humanos. (SANTOS, 1997, p. 13)

Esse fenômeno econômico mundial de marcante teor neoliberal, somado à fragilização dos Estados, ao surgimento de um mercado financeiro transnacional, às inovações tecnológicas e à velocidade da transmissão da informação, tem um impacto feroz no Direito do Trabalho a que se chama: flexibilização.

Goldschmidt alerta para esta nefasta influência:

Nesse viés – o dos reflexos da globalização neoloberal sobre os direitos sociais – o ideário neoliberal difunde um “discurso de crise”

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do Direito do Trabalho, que culmina com a conclusão de que o intervencionismo estatal de proteção ao trabalhador atrapalha a nova onda econômica, suprimindo o investimento e, por isso, causando a derrocada do emprego. (GOLDSCHMIDT, 2009, p. 121-122)

O que se pode depreender do acima descrito é que a flexibilização dos direitos trabalhistas, apregoada como solução para o progresso e desenvolvimento da economia, nada mais é do que uma tentativa de enfraquecer a capacidade do Estado intervir nas relações e fortalecer um ideário neoliberal de modo a “perpetuar uma situação social que permita o avanço das políticas neoliberais de crescimento do capital.” (GOLDSCHMIDT, 2009, p. 122)

Este crescimento de capital deve dar-se, a qualquer custo social e humano, utilizando-se das variadas ferramentas à disposição, sem que se leve em consideração os males sociais que dele podem advir. É nesse contexto que surgem alterações legislativas e propostas de leis com o fito de flexibilizar ao máximo os direitos laborais, podendo, até mesmo, significar o fim da relação de emprego e a retirada de direitos trabalhistas conquistados ao longo da história.

Atente-se para as palavras de Vecchi no mesmo sentido:

Por tudo isso, podemos afirmar que a flexibilização neoliberal importa na precarização das relações de trabalho, tudo em nome do que se convencionou chamar de “modernização” e “competitividade” que, na verdade, mal conseguem esconder seus reais intentos, ligados, principalmente, com uma maior concentração de capital. (VECCHI, 2009, p. 54)

Por fim, há que se asseverar que o efeito prático da globalização e de sua consequente flexibilização de direitos laborais, é relegar uma grande parte dos trabalhadores, em especial nos países em desenvolvimento (não obstante a verificação de alguma melhoria da situação de uma parcela dos trabalhadores em países pobres, à custa de empregos nos países que terceirizam seus postos de trabalho), à condição de fragilidade ainda maior – devido à grande concentração de renda – bem como ter violados direitos humanos dos mais elementares. Essa situação culmina com o estabelecimento do desemprego estrutural e de uma violenta exclusão humana.

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É para evitar que tais direitos sejam flagrantemente violados e retirados, que devem ser consagrados no texto constitucional, os direitos laborais, com o fito de torná-los fundamentais e, desta forma, garantir-lhes uma maior eficácia.

O direito fundamental ao trabalho e ao trabalho digno, na esteira da globalização flexibilizatória de direitos laborais e tendente à abolição da relação de emprego – e, consequentemente, de seus aspectos protetivos e garantidores – resta frontalmente ameaçado. Devem os aplicadores do direito dedicar especial atenção a esta realidade premente.

Cabem agora algumas considerações sobre a conceituação do direito ao trabalho digno e os motivos de se consagrar este direito no rol dos direitos fundamentais.

2.3 DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO

Neste trabalho, parte-se do pressuposto doutrinário que os direitos fundamentais são aquele rol de direitos, instituídos pelo ordenamento jurídico do país, em especial os positivados nas constituições, cujo objetivo seja o de garantir e promover a dignidade da pessoa humana.

Tais direitos, ao contrário dos chamados direitos humanos, são passíveis de mudanças e transformações em seu conteúdo, sujeitos e eficiência, como um resultado da evolução conceitual e doutrinária das várias feições assumidas pelo modelo de Estado atual. Enseja, essa mutabilidade, a criação ou elaboração do que se chama “dimensões de direitos humanos”, em conformidade com o modelo estatal vigente no país.

Sarlet afirma que deve ser utilizado o termo “direitos fundamentais” para designar os direitos instituídos e garantidos na seara constitucional, e que a expressão “direitos humanos” tem proximidade com aqueles estatutos de direito internacional, vez que se referem ao reconhecimento holístico do ser humano em si, sem que haja qualquer vinculação com uma “determinada ordem constitucional”, uma vez que intencionam ser aplicáveis e oponíveis a todos os Estados e pessoas no planeta, revelando, assim, uma vocação supranacional. (SARLET, 2011, p. 29)

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Dessa forma, pode-se falar em caráter fundamental para todo o direito que se encontre positivado em uma constituição ou que seja detentor de uma materialidade no seu reconhecimento. Nesse último caso, afirma-se fundamental o direito que se destine a garantir e promover a dignidade humana, entendida essa como característica inerente ao ser humano, com o condão distintivo e exclusivo deste, extensiva a todas as pessoas físicas, e que não pode ser atribuída ou retirada, seja através de normas ou princípios.

Há na doutrina contemporânea uma majoritária corrente que sustenta a eficácia direta, sem qualquer mediação, dos direitos fundamentais, tanto nas relações entre Estados e indivíduos, quanto nas relações entre sujeitos particulares, chamada de eficácia vertical e horizontal, respectivamente. Esses temas serão tratados em capítulo específico mais adiante neste trabalho. Por ora, basta dizer que essa eficácia direta é aqui entendida como a capacidade de oponibilidade dos direitos fundamentais em qualquer esfera, sem que haja necessidade da edição de leis infraconstitucionais, e usufruem de máxima eficácia das normas constitucionais, especialmente àquelas que regulem temas relativos aos direitos de personalidade.

Canotilho expressou a relação entre a máxima efetividade, enquanto princípio, e os direitos considerados fundamentais, afirmando que também pode ser chamado de princípio da interpretação efetiva este que postula a máxima eficiência que deve ser atribuída sempre às normas constitucionais, em especial quando essas tratarem de direitos fundamentais, ou seja, quando houver qualquer dúvida relativa ao alcance ou eficácia de norma constitucional, atribuir-se-á interpretação que conceda a maior eficácia possível aos direitos fundamentais. (CANOTILHO, 1993)

Tem-se na Revolução Francesa, o ponto de partida para a consagração do que se chamam “direitos fundamentais de primeira dimensão”, vez que tal movimento revolucionário rompeu com o paradigma absolutista, onde se considerava o monarca no poder, como legítimo representante de Deus designado de maneira divina, para governar. Com a consolidação da força política burguesa, surgem as bases do Estado Liberal, em especial as liberdades de regular o mercado e os contratos, como instrumentos para o desenvolvimento e crescimento do capitalismo, alicerçados nos princípios de

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