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CAPÍTULO 02: A transgressão social na juventude brasileira

2.2 A juventude e o jovem

O sujeito desse estudo é o jovem autor de ato infracional e como viso compreender esse sujeito por meios de seus sentidos subjetivos na contemporaneidade em suas relações subjetivas e objetivas, evidencio, que o objeto de estudo não é o ato infracional, nem a juventude em si, nem a marginalidade e nem a criminalidade.

Porém, para tratar tal problemática questões precisam ser elucidadas e enunciadas para assim ser possível refletir na construção da aproximação da realidade, foco da pesquisa. Ou seja, os elementos citados são fenômenos que atravessam a dinâmica da figura a ser pesquisada e funcionam como contexto do fenômeno delimitado.

Uma chamada de atenção de Abramo (2005) traz que a juventude nunca esteve tão presente nos discursos e pautas políticas, e para singularizar a juventude frente a outras camadas da população situa historicamente que, até meados dos anos sessenta a visibilidade da juventude era dada pelos jovens escolarizados de classe média, o debate era dirigido ao papel dos jovens frente aos sistemas culturais e políticos. Porém, já a partir da década de 70 o foco voltou-se para as crianças e os adolescentes em situação de risco, que geravam pânico social produzindo mobilizações sociais intensas em torno da defesa desses segmentos da juventude. Mais recentemente, amplia-se a percepção da juventude para além da adolescência em risco e para além dos jovens da classe média. A explicação da autora é de que atualmente o segmento da juventude vivencia vários debates que buscam espaços nas agendas governamentais e nos planos políticos e apresenta alguns pontos de partida: o foco nas condições e possibilidades de participação dos jovens na conservação ou transformação da sociedade, como na década de 60.

Outra pauta política atual sobre a juventude, ponto de discussão travado por Abramo (2005), é a juventude como contingente demográfico, em que a autora busca verificar o perfil dos subgrupos de jovens vulneráveis, visando propor políticas sociais específicas para esse segmento. O discurso elaborado sobre a juventude atual é construído no pressuposto do jovem como sujeito de direitos, no contexto do qual essa autora se propõe a entender a singularidade da condição juvenil, seguindo as questões de quais são os direitos que dela emergem e que devem ser garantidos pelas políticas públicas.

Um exemplo desses debates traçados sobre a juventude contemporânea brasileira, situa-se no relatório de desenvolvimento juvenil da UNESCO de 2003 em que Waiselfisz (2004), mapeia a situação dos jovens nas áreas de educação, renda e saúde, e elabora um índice sintético a partir dessas dimensões – o Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ)27. O relatório destaca a continuidade e reprodução entre os jovens, de velhos padrões de desigualdade já amplamente discutidos no Brasil. A concentração de renda persiste e é claramente influenciada pela cor, pelo sexo e por fatores regionais. Estreitamente ligada a esses aspectos, está a desigualdade na distribuição de renda indireta (acesso a serviços essenciais, como educação e saúde).

Como o sujeito desta pesquisa situa-se na dinâmica do Distrito Federal cabe considerar na análise o registro pelo IDJ do Distrito Federal que ocupa o 1° lugar no que se refere à escolarização adequada dos jovens, com um índice de 0,693. Diferentemente do que foi visto com os indicadores de renda e educação, pois não são observadas estreitas relações entre esses índices e os de saúde, sobretudo quando o indicador é mortalidade por causas violentas. Essa lógica se apresenta no Distrito Federal, que ocupa o 1º lugar em educação e em renda e o 22º em mortalidade por causas violentas, esta é uma das contradições do fenômeno do desenvolvimento juvenil.

No que diz respeito à saúde, o relatório não somente reitera a preocupante exposição dos jovens às mortes por causas violentas, pois também indica a fragilidade ou ausência de políticas de saúde específicas para a juventude.

Esses resultados, evidentemente, diferem nas regiões e unidades federativas, mostrando-se mais positivos ou mais críticos em determinadas áreas. Contudo, o Relatório de Desenvolvimento Juvenil 2003 mostra que os indicadores analisados são preocupantes no país como um todo. Ou seja, a despeito de vastas discussões e planos relacionados ao tema, o Brasil ainda carece de uma política efetiva para a juventude. Referindo-se à juventude brasileira, afirma que as situações de exclusão, aliadas às desfavoráveis condições socioeconômicas, representam cenários significativamente comprometedores para o processo de integração social dos jovens. A juventude ainda está sujeita à sérias limitações, relacionadas a direitos básicos, como o de acesso ao conhecimento disponível e adequado às necessidades sociais, ou ao direito a uma vida

27 A constituição do IDJ utilizou os critérios que norteiam a escolha dos indicadores utilizados no Índice

de Desenvolvimento Humano (IDH) do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O intento fundamental na elaboração do Índice de Desenvolvimento Juvenil foi precisar locais, aspectos e graus de desigualdade que afetam os jovens do país.

longa e saudável, muitos dos quais percebidos nos déficits educacionais, nas formas de inserção no mercado de trabalho e nos padrões de mortalidade.

Como o estudo trabalha com a conceituação de jovem, cabe aqui situar a compreensão adotada sobre esse sujeito, sabendo que a análise da problemática delimitada a ser pesquisada não pode ser realizada pela compreensão dos fenômenos que os constitui isoladamente. Mas tal postura de situar as definições separadamente se faz com intuito de clarificar as visões e concepções praticadas no estudo; com isso esclareço que adoto como referência de adolescência a visão da Psicologia Sócio- Histórica, fundamentada a partir de um olhar sobre as condições sociais e individuais do sujeito. Tal escolha se dá por uma concepção de homem a ser explicada mais amplamente no capítulo seguinte.

Observo que a adolescência vem sendo tratada pela Psicologia em uma perspectiva carregada por estereótipos e estigmas, no dizer de Ozella (2002), é a visão tradicional dessa ciência que traz uma ênfase naturalizante da visão da juventude, entendida como uma fase inerente ao desenvolvimento do homem. Validando tal pensamento, Campos (2006) afirma, o jovem não é algo pré-fabricado da natureza humana ou mesmo uma fase da vida pré-definida. Portanto, compreender a adolescência como um estágio do desenvolvimento biológico normal do homem situa-a em um quadro naturalizante de desenvolvimento humano.

Ao contrário dessa visão biológica da adolescência, Clímaco (1990) aponta, a vertente da Psicologia filiada ao materialismo dialético explica as funções psíquicas do homem a partir da história social da humanidade, integrando fatores psicológicos e sociais do homem.

Faço essa referência à visão tradicional da Psicologia para reafirmar a minha leitura sobre a categoria adolescência/juventude através da Psicologia Sócio-Histórica. O propósito na pesquisa advém do olhar sobre o jovem em suas relações sociais, como um fenômeno construído a partir de condições sociais, políticas, econômicas e históricas. Logo, ao pesquisar sobre a adolescência, como denotou Ozella (2003a), apreendo como a sociedade enfrenta esse fenômeno. Essa argumentação defende que para construir conhecimento sobre o jovem, o caminho deve se dar a partir dele mesmo, ouvindo sua voz, buscando compreendê-lo em um contínuo histórico.

Com a afirmação de que a prática da pesquisa sobre a adolescência se sustenta nesses pressupostos teóricos da Sócio-Histórica, busco um olhar que visa despatologizar o desenvolvimento humano, percebendo-o como histórico: “a adolescência, na forma como se constitui, deve ser entendida no seu movimento e suas características devem ser compreendidas no processo histórico de sua constituição” (Aguiar, Bock & Ozella, 2001, p. 167).

Nesta concepção a adolescência não é uma etapa natural do desenvolvimento do homem, identificado por suas marcas biológicas da puberdade, não são traços pré- determinados sem significações prontas, mas um momento significado socialmente, interpretado e construído pelos homens. Ou seja, não existe uma adolescência por si só devido a mudanças biológicas aparentemente manifestas.

Conforme Áriès (1986), em seu estudo sobre a história social da criança e da família, que ao abordar as mudanças históricas e sociais sobre a adolescência, relata essa etapa da vida do desenvolvimento humano é uma construção sócio-histórica inventada. Segundo a sua tese, até o Século XVIII o ser humano passava da infância para a vida adulta sem vivenciar as características atualmente apontadas como constitutiva da fase da adolescência. As crianças simplesmente se misturavam aos adultos assim que eram consideradas capazes de dispensar a ajuda das mães ou das amas. Assim, as crianças “ingressavam imediatamente na grande comunidade dos homens, participando com seus amigos jovens ou velhos dos trabalhos e dos jogos de todos os dias” (p. 275). Essa elucidação chama a atenção para o entendimento de que historicamente o fenômeno é construído, e em cada época a adolescência se constrói a partir de interesses sóciopolíticos-históricos.

Situando a adolescência na contemporaneidade, Aguiar, Bock & Ozella (2001) pontuam: “A adolescência se refere, assim, a esse período de latência social constituída a partir da sociedade capitalista gerada por questões de ingresso no mercado de trabalho e extensão do período escolar, da necessidade do preparo técnico”. (p. 170).

Fortalecendo tal compreensão, Ozella (2002) considera a adolescência um fenômeno criado historicamente pelo homem, enquanto representação e enquanto fato social e psicológico. Para esse pesquisador, a adolescência “é constituída como significado na cultura, na linguagem que permeia as relações sociais. Fatos sociais surgem nas relações e os homens atribuem significados a esses fatos” (p. 21).

Seguindo essa lógica de atribuição de significado a fatos sociais, na seção seguinte abordo as construções analíticas oferecidas historicamente sobre o jovem autor de ato infracional e finalizando o capítulo apresento novas categorias analíticas que iluminam o fenômeno com intuito de revelar novos ângulos e facetas do sujeito.

2.3 Os significados e sentidos atribuídos ao jovem autor de