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Aproximação da realidade pesquisada: primeiros contatos com o campo e a

CAPÍTULO 3: O Desenvolvimento humano e os sentidos subjetivos na

3.4 Pressupostos metodológicos na Psicologia Sócio-Histórica

3.4.3 Aproximação da realidade pesquisada: primeiros contatos com o campo e a

González Rey (2002) distingue que a pesquisa de campo se constrói como um processo permanente de estabelecimento de relações e de construções de eixos relevantes de conhecimento no cenário em que se pesquisa o problema indagado. Ela é uma via de estímulo e de desenvolvimento intelectual do pesquisador.

Para tanto, como pesquisa de campo neste estudo, antes da realização do momento específico da ‘conversação’ com o sujeito do estudo, realizei visitas à instituição em que o sujeito havia cumprido a medida sócio-educativa de semiliberdade, a fim de construir a aproximação das zonas de sentido que permeava o contexto concreto do sujeito, o jovem em conflito com a lei, para possibilitar a construção da legitimação da informação pela escolha dos sujeitos.

Elucida-se que em uma perspectiva de pesquisa qualitativa, o número de sujeitos depende de critérios que vão sendo definido ao longo do processo da pesquisa de acordo com o problema proposto e com as necessidades que emergirem no processo empírico;

como por exemplo, a problematização de determinado fenômeno que possibilita construir novos conhecimentos. González Rey (2005a) indica o informante-chave como aquele capaz de prover informações relevantes e singulares em relação ao problema de pesquisa estudado legitimando o estudo pelo desenvolvimento progressivo das inter- relações das ‘zonas de sentido’ em relação ao problema estudado.

Esse autor introduz o conceito de amostra propositiva, definida pela natureza do problema de pesquisa e não por uma mera natureza estatístico-populacional. A escolha do sujeito também não é feita ao acaso, mas pela implicação que o sujeito tem aos objetivos da pesquisa. Logo, a escolha do sujeito envolve tanto a possibilidade da vivência da ‘conversação’ entre o pesquisador e o pesquisado, quanto o entendimento de que o sujeito escolhido é percebido como ‘informante-chave’, um informante singular.

Parto da postura de González Rey (2002), visando descobrir formas de subjetivação da vida social constituída na história diferenciada dos sujeitos, assumindo esse estudo como um estudo de caso. O autor define o estudo de caso como:

“uma ferramenta privilegiada para o acesso a uma fonte diferenciada que, de forma única, nos apresenta simultaneamente a constituição subjetiva da história própria (subjetividade individual) e uma forma não-repetível de subjetivação da realidade social que ao sujeito coube viver” (p. 156).

Argumento que o estudo do caso é um caso singular e legitima o valor da generalização pelo que é capaz de elaborar na qualidade do processo de construção teórica, não em termos de uma definição quantitativa do individual, mas como uma compreensão da condição qualitativa de singularidade. Frente ao estudo da subjetividade, compreendo a singularidade como via de acesso aos processos de construção teórica de generalização, fundamentando-se que:

“A dimensão de sentido dos processos psíquicos requer chegar ao geral a partir da compreensão de processos e de formas de organização que apresentam características singulares de expressão. É o estudo da singularidade que nos permite acompanhar um modelo de valor heurístico para chegar a conclusões que estão além do singular e que são inexeqüíveis sem o estudo das diferenças que o caracterizam” (González Rey, 2005a, p. 113).

A história de vida do sujeito escolhido para o estudo é enunciada como significativa e paradigmática, à medida que sua trajetória perpassa sentidos subjetivos dinâmicos em um movimento de desenvolvimento da subjetividade de contradições e de mudanças no plano social que possibilitam a iluminação tanto de sua história de vida pessoal quanto da subjetivação da realidade social. Acredito que este caso produz um momento de sentido no curso da produção teórica do fenômeno da juventude em conflito com a lei na contemporaneidade. Por meio de sua história de vida, deparei com questões específicas pontuadas nos estudos e nas construções teóricas realizados sobre essa temática. Logo, a legitimidade ocorre pelo que esse caso provoca no curso da produção teórica desse fenômeno.

Meu primeiro contato com o sujeito da pesquisa aconteceu no contexto de minha atuação profissional como psicóloga em uma Casa de Semiliberdade em Brasília no 2º Semestre de 2004, onde o jovem cumpria medida. Durante o período, o jovem recebeu progressão de medida sócio-educativa e, em seguida, deixei de atuar como psicóloga da instituição devido à inserção no Programa de Pós-graduação de Psicologia Social.

Assim, meu contato com Paulo32 foi interrompido durante um ano e retomado em 2006, quando apresentei ao jovem a proposta da pesquisa, pressupondo a possibilidade deste ser protagonista de seu fenômeno, um informante-chave do problema de pesquisa a ser estudado.

Como já citado anteriormente durante a pesquisa de campo, mantive contato por meio de visitas à Casa de Semiliberdade, a fim de refletir sobre o problema de pesquisa. Mas antes de explicitá-los, exponho os primeiros procedimentos da pesquisa: a vivência durante seis meses de atuação dentro de uma instituição de cumprimento da Medida Sócio-Educativa de Semiliberdade em Brasília no ano de 2004.

A primeira versão da pesquisa foi elaborada no momento em que atuava na Casa. No contexto, acessei a dinâmica de funcionamento das instituições de ‘contenção, reeducação e reintegração’ desses jovens. É uma dinâmica que se organiza e desorganiza-se no cotidiano das relações entre equipe do quadro burocrático de cuidadores desses jovens (coordenador da casa, assistente da coordenação, assistente social, psicóloga, professor, professor de educação física, técnico de horticultura e

monitores - denominados na teoria como educadores - e faxineiras) e os jovens que cumpriam a medida sócio-educativa de semiliberdade. As funções dos integrantes da Casa eram mutáveis e indefinidas, algumas vezes pela emergência de necessidades jurídicas, sociais, biológicas, emocionais dos membros da Casa, outras por incompreensões diversas.

A Casa estava vinculada à rede de apoio de Saúde Pública, Educacional, da Justiça, da Ação Social e do Trabalho (com os cursos profissionalizantes, que incluíram as primeiras inserções nos programas específicos de emprego para a juventude). Também permeavam aquele contexto as relações com as Universidades, que ofereciam parcerias para realizar trabalho de Psicologia Social-Comunitária no espaço físico da Casa, e também ofertavam atendimentos psicológicos, em sua maioria para casos de uso indevido de drogas. A irmandade dos Narcóticos Anônimos era outra rede de apoio dessa Casa. Nos seis meses que estive nessa Casa trabalhando, a instituição religiosa era outro participante do lugar. Estiveram presentes nesse semestre, membros de uma ONG que executaram uma parceria por meio de um projeto social-político de formação do sujeito pela atividade geradora de renda. A instituição Família era uma presença permanente tanto por solicitações dos cuidadores da Casa quanto por demandas espontâneas diversas.

A Casa tinha espaço físico amplo, mas com condições precárias em termos de necessidades básicas de alimentação e de moradia, localizava-se em uma região urbana povoada, situada em rua sem saída e possuindo ao lado uma invasão de terra pública com poucas casas. A seu lado existia uma escola pública de ensino fundamental, onde nenhum dos adolescentes estudava, pois, devido às repetências escolares, eram inseridos em cursos noturnos e na sua esquina da rua havia um posto de saúde pouco usado pela Casa.

Este foi o contexto do meu encontro inicial com o Paulo. Algumas vezes, as relações entre a minha prática de psicóloga e o Paulo se deram por meio do contato dos familiares deste que foram à Casa resolver, por exemplo, sobre a autorização de Paulo para trabalhar com seu cunhado em uma pizzaria próxima a sua casa familiar; outra em

32 Paulo é nome fictício dado ao sujeito desta pesquisa, a fim de garantir o seu sigilo. Acrescento que

um momento de tensão extrema, quando a irmã de Paulo foi à Casa saber da sua situação, assim que foi avisada de um incêndio ocorrido na Casa.

Vários encontros foram vividos nos corredores e quartos da Casa. Relações foram estabelecidas em conversas sobre conflitos ocorridos entre Paulo e outros jovens da Casa. Acompanhei Paulo em atividades externas a Casa. Ocorreram conversas sobre questões emocionais elucidadas por outros cuidadores da Casa, escritas em seu prontuário e concebidas no cotidiano de Paulo na Casa. Reencontrávamos todas as segundas-feiras no retorno dele dos finais de semana, quando permanecia em companhia de sua família. Outras conversas minhas com Paulo foram sobre as conquistas e fracassos escolares. Houve idas à Vara da Infância e da Juventude para tratar do relatório do seu andamento na medida sócio-educativa. Mas o momento que marcou nossos encontros foi a visita domiciliar realizada a sua família com a participação: minha, dele, de sua mãe e de mais três irmãs na porta de sua casa.

Após esses encontros intensos durantes cerca de quatro meses em 2004, tentou- se, após mais de um ano, em 2006, re-localizar Paulo, sabendo que nessa nova etapa nossa relação dar-se-ia fora da estrutura física da Casa de Semiliberdade, já que, ainda em 2005, ele vivenciou uma progressão de medida sócio-educativa, a Liberdade Assistida, que permitia a permanência dele com sua família. No entanto, antes de sair da Casa da Semiliberdade, Paulo já projetava cumprir o Serviço Militar.

Assim, a partir das visitas à Casa, como primeiros passos do campo tive informações de que Paulo estava no Exército em 2005. Em 2006, após re-elaborações, construções e reconstruções do projeto de pesquisa feitas durante essas visitas à ‘Semi’, escolhi Paulo como o sujeito da pesquisa. Ao sair da Casa, em janeiro de 2006, levei comigo uma lista de jovens que possuíam historias de vida problematizadoras das minhas questões sobre o sujeito jovem com história de transgressão social-legal na contemporaneidade.

Os reencontros com Paulo para convidá-lo para participar do estudo deram-se primeiramente por intermédio de sua família. O primeiro contato foi por telefone e, em seguida, fui pessoalmente tentar reencontrar Paulo, pois a sua mãe me informou o endereço da nova casa de Paulo, visto que se encontrava casado. Até conseguir achar Paulo, falei algumas vezes com sua mãe, outras com suas irmãs, pois à medida que

encontrava um membro de sua família, este me passavam o contato de outros para poderem me ajudar a encontrar Paulo. As casas dos familiares são muitas próximas: Paulo reside a três ruas de sua mãe e as irmãs e o irmão, com os quais me comuniquei, moram um nos fundos da casa da mãe e os outros em um único terreno na esquina da rua da mãe.

Após algumas tentativas telefônicas e visitações às casas de seus familiares, Paulo reencontrou-me por telefone. Na época não tinha telefone em sua residência o que dificultou a sua localização. Porém, quando Paulo telefonou, conversei sobre a proposta da pesquisa e, especialmente, sobre os últimos acontecimentos de sua vida, destacando ele informou que iria ser pai. Como eu já estava retornando no dia seguinte para São Paulo, planejei com ele que, quando retornasse a Brasília, iria reencontrá-lo.

Na época planejada, em outubro de 2006, fui pessoalmente à nova casa de Paulo e não o encontrei, nem sua mãe que estava viajando e nem seus irmãos. Retomei os contatos telefônicos e, por intermédio de uma irmã que marcou hora para o nosso segundo encontro também por telefone, agendamos as ‘conversações’ a serem feitas no espaço da Clínica de Psicologia da Universidade Católica de Brasília, onde fiz minha graduação em Psicologia e consegui uma parceria para realizar esse outro campo desta pesquisa.

Especificamente para realizar o levantamento do material de análise do estudo ocorreram duas ‘conversações’ entre a pesquisadora e Paulo. As entrevistas foram registradas por gravador e transcritas posteriormente. Na seção de anexo (anexo 4) consta a transcrição dessas conversações.

A primeira conversação teve como temática:

1. a história de vida de Paulo antes e depois da vivência do ato infracional; 2. os sentidos do jovem sobre seu lugar social;

3. os sentidos subjetivos de Paulo de sua história e

4. as significações impressas nele em seu contexto com uma perspectiva de problematização de seu momento atual face a face com seu passado e futuro.

Já a segunda entrevista ocorreu em uma postura de entrevista recorrente, ou seja, como uma consulta objetivando eliminar dúvidas, aprofundar colocações e reflexões a partir da análise primária sobre o conteúdo expresso na primeira conversação e, assim permitir uma quase análise conjunta do processo utilizado por ele na primeira entrevista para a produção de sentidos subjetivos.

Tendo o pressuposto de uma pesquisa dentro de uma postura de Epistemologia Qualitativa (González Rey, 2002), as análises dos sentidos subjetivos desse sujeito ocorreram considerando todo o processo de pesquisa de campo.

A visão a respeito do sujeito se constituiu a partir da relação narrada entre e o jovem e esta pessoa da psicóloga quando no cumprimento da medida sócio-educativa, tendo-o como um sujeito que permite um acesso aos campos de sua história de vida33 para alcance dos seus sentidos subjetivos.

Ressalto a afirmação ao sujeito, da garantia de retirada do consentimento de participação do estudo a qualquer momento sem justificar a decisão, sem que isto levasse a qualquer penalidade ou interrupção de seu acompanhamento/assistência/tratamento. Informei da garantia de sigilo de sua identificação/nome, assegurando-lhe que todos os dados a seu respeito seriam sigilosos, conforme a determinação do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Também o informei de que não teria despesas e não receberia dinheiro por participar do estudo. Durante o trabalho de campo, o Paulo consentiu a sua participação com a assinatura do termo de consentimento de pesquisa.

Na seção de anexos (anexo 3) consta o modelo apresentado ao sujeito; o termo de consentimento original assinado por Paulo está de posse da pesquisadora. E a fim de contextualizar a situação legal do jovem deste estudo, na época que cumpria a medida sócio-educativa de semiliberdade, constam na seção de anexos as especificações dessa medida do Estatuto da Criança e do Adolescente (2000) no anexo 1 e as diretrizes que regiam a aplicação dessa medida em Brasília naquele momento no anexo 2.

33A história de vida é aqui utilizada como um processo de conhecimento das perspectivas biográficas da

vida, dando uma legitimidade à mobilização da subjetividade como processo de produção de saber para construção de sentidos para o autor do relato e para a ‘narradora’.

CAPÍTULO 4: Construção das zonas de sentidos do jovem com