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3 DEFICIÊNCIA, DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO

3.1 A LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL

3.1.5 A Legislação Latino-Americana

Na América Latina houve um avanço significativo na legislação sobre deficiência e acessibilidade. O aumento do interesse pelo assunto começa a ocorrer a partir da década de 1990, quando as lutas em favor dos direitos das pessoas com deficiência se intensificam em escala mundial. Alguns países se destacaram ao produzir legislações mais abrangentes e que enfatizam sua preocupação com as questões sociais associadas à questão da deficiência. É possível observar no conteúdo dessas leis que, embora a questão da reabilitação não tenha sido esquecida, uma forte influência dos novos parâmetros da CIF e da teoria do Modelo Social da Deficiência é evidente.

Na América do Sul, a legislação do Chile se destaca por sua abrangência e acentuado cunho social. Promulgada em 2010, a Ley 20.435, atualiza a legislação anterior, produzida na década de 1990. Segundo a legislação chilena, é dever do Estado promover a igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência, para tanto define os padrões de acessibilidade para a eliminação de barreiras nos prédios públicos e nos espaços urbanos. A lei menciona, por exemplo, que as bibliotecas públicas são obrigadas a ter a infraestrutura necessária para o atendimento de pessoas com deficiência. A educação é garantida nos estabelecimentos públicos, obedecendo a critérios inclusivos, mas garantindo o acesso à educação especial para aqueles cujas deficiências assim o exijam.

Com relação ao trabalho, a lei chilena cria programas de acesso ao emprego. Sem adotar política de cotas, no entanto, a lei prevê alguns benefícios compensatórios para as pessoas com deficiência que desejem se estabelecer no comércio ou como empresários. A importação de veículos adaptados, equipamentos e ajudas técnicas também é facilitada através de isenção de impostos e de taxas aduaneiras.

Na área social, a lei cria o Serviço Nacional de Deficiência, destinado a propor as políticas nacionais para as pessoas com deficiência, bem como a promoção da igualdade e inclusão social. Para fins de controle e para sua aplicação, a legislação criou um mecanismo de certificação, além da criação do Registro Nacional da Deficiência, em que devem ser cadastrados não apenas as pessoas com deficiência, como também os cuidadores, profissionais da saúde e de demais áreas relacionadas.

A legislação chilena atende ainda a questões pontuais como é o caso da legalização do uso dos cães-guia, mas além de permitir o acesso desses animais, considerados ajudas técnicas aos locais públicos, ainda estabelece normas de uso e adestramento necessário. O país possui ainda uma lei que proíbe a discriminação, que não está atrelada apenas às questões da deficiência, mas constitui prerrogativa de todo cidadão chileno.

No México, a legislação segue a tendência atual de mudança de paradigma em relação à deficiência. Não apenas as questões relativas à medicalização e reabilitação são consideradas, mas, sobretudo, as sociais e inclusivas, bem como o direito das pessoas com deficiência de terem uma vida independente e produtiva. O país publicou em 2011 sua Ley General para la Inclusión de las Personas con

Discapacidad, tratando de forma ampla das questões que afetam as pessoas com

deficiência, tais como trabalho, educação, saúde, assistência social, acessibilidade, esportes, lazer, turismo, habitação, acesso à informação e à tecnologia, entre outras.

À semelhança do Chile, a lei mexicana também segue a tendência da transversalidade, ou seja, os programas e políticas desenvolvidos passam pelos vários setores da administração pública, num sistema de ações coordenadas. Dessa forma, as ações não ficam limitadas a um ministério ou um órgão específico da esfera governamental, o que amplia a possibilidade de êxito das políticas e aplicação da lei.

Na Argentina, a legislação que trata da questão da acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida é mais antiga. A Ley 24.314 é de 1994 e substituiu uma lei de 1981. Em 2000, a Argentina aprovou a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Deficientes através da Ley 25.280/2000 e em 2008, através da Ley 26.378/2008, o país aprovou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas Deficientes e seu Protocolo Facultativo, da ONU. A lei de 1994 define a política do Estado Argentino para o atendimento das pessoas com deficiência em relação ao trabalho, educação, eliminação de barreiras e promoção da acessibilidade em prédios e transportes públicos. Essa legislação abrange ainda questões como aposentadoria especial, reabilitação, saúde mental e acessibilidade à informação na web.

No Uruguai, além da aprovação legal da CDPD, a legislação sobre deficiência segue o padrão observado na maioria dos países latino-americanos. A Ley

18.651/2010 oferece proteção integral às pessoas com deficiência nas áreas de educação, trabalho, assistência social, médica e psicológica, transporte público, reabilitação, formação de pessoal especializado em reabilitação, além da adequação urbana e acessibilidade tecnológica. A lei uruguaia revela sua preocupação com a necessidade da formulação de políticas públicas de Estado, ao criar a Comisión Nacional Honoraria de la Discapacidad, um conselho integrado por vários ministérios e instituições públicas do Uruguai, encarregado do monitoramento dessas políticas públicas no país.

É possível verificar ainda dentro do continente sul-americano exemplos de leis abrangentes e bem formuladas em países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais reduzido, como é o caso do Equador, que aprovou em 2012 uma lei orgânica, fundamentada nos princípios da igualdade, inclusão e acessibilidade para todos. A lei equatoriana, além de abordar questões essenciais, como saúde, educação e acessibilidade física para a vida independente, toca na questão do direito à informação e à comunicação acessível, enfatizando a acessibilidade em bibliotecas públicas e privadas, e também na formulação de políticas públicas de Estado.

O Peru também criou sua Ley General de la Persona con Discapacidad, em 2012, substituindo a antiga lei de 1998. Trata-se de uma legislação abrangente, que atualiza a regulamentação do Consejo Nacional para la Integración de la Persona con Discapacidad (CONADIS), criado em 1998.

Na América Latina, países como Colômbia, Venezuela, Bolívia, Paraguai, República Dominicana, Honduras, Guatemala, El Salvador e Panamá também produziram leis de acessibilidade com conteúdos inclusivos e sociais. Observou-se também que países como a Costa Rica e a Nicarágua constituem exceção dentro desse bloco latino-americano por possuírem legislações limitadas em seu conteúdo social, embora possuam preocupações inclusivas. A Nicarágua, por exemplo, apesar de possuir uma legislação recente (2011), possui conteúdo ainda muito marcado pelo Modelo Biomédico da Deficiência. Em Cuba, a legislação sobre o assunto é formada por várias leis e resoluções que contemplam as questões da acessibilidade sobre vários aspectos, mas não existe a adoção de uma lei específica que indique a existência de políticas públicas direcionadas às pessoas com deficiência.

O avanço na legislação latino-americana é um fator bastante positivo para o campo da deficiência. Os países estão seguindo uma tendência comum, baseados

nos conceitos de inclusão e observância dos direitos humanos apregoados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Neste sentido, é inegável a influência positiva da CDPD e da CIF sobre as legislações europeias e latino- americanas, que, ao adotarem os conceitos do Modelo Social da Deficiência, estão permitindo que se vislumbre a tão esperada mudança de paradigma no campo da