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A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (CDPD)

3 DEFICIÊNCIA, DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO

3.1 A LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL

3.1.1 A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU (CDPD)

A CDPD foi ratificada pela Legislação Brasileira em 2008, com equivalência de emenda constitucional, nos termos do artigo quinto, parágrafo terceiro da Constituição Brasileira, sendo promulgada através do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. A decisão pela ratificação da CDPD impôs ao Governo Brasileiro que assumisse um compromisso em prol da equiparação das oportunidades para as pessoas com deficiência em relação às sem deficiência na sociedade. O grande avanço da CDPD é, sem dúvida, a adoção do modelo social para a definição de deficiência, incorporando assim à legislação o conceito de que o fator limitador para uma pessoa com deficiência não é a sua deficiência em si, mas o meio social no qual ela está inserida. Dessa forma, ao ratificar a CDPD, o Estado Brasileiro se compromete a empreender esforços para eliminar as barreiras que impedem essas pessoas de terem suas oportunidades equiparadas.

De acordo com Dhanda (2008, p. 43), a CDPD foi adotada pela ONU num momento de contestação da compreensão tradicional do direito internacional, contestação essa que “[...] incluiu apresentação de indagações sobre a relevância do Sistema das Nações Unidas, que estava fundado na dinâmica de poder do mundo do pós-guerra.” A ONU não estaria harmonizada com os anseios e aspirações do hemisfério sul, mas sim a serviço dos chamados países do Primeiro Mundo. A partir dessas críticas, a ONU passou e empreender esforços na tentativa de reformular a constituição do seu Conselho de Segurança e órgãos de implementação de tratados. É nesse contexto que a ONU adota a CDPD, e inicialmente a autora não discute o impacto provocado por essa legislação internacional na vida das pessoas com deficiência, mas após cinco anos, é possível perceber que, apesar de não terem ocorrido mudanças profundas na vida dessas pessoas, a CDPD causou um grande impacto na legislação de muitos países que a adotaram e ratificaram. O Brasil, os países da Comunidade Europeia e praticamente

toda a América Latina formularam leis tendo como base os ideais dos direitos fundamentais contidos na Convenção.

A CDPD se compromete, por exemplo, com o princípio da não discriminação contido no direito à igualdade. Com relação à autonomia e apoio, ela tentou remediar a discriminação contida nas leis que negam às pessoas com deficiências intelectuais e psicossociais o direito de decidirem sobre si próprias, ao reconhecer que “[...] todos os indivíduos com deficiências são pessoas perante a lei.” (DHANDA, 2008, p. 47), conferindo a essas pessoas o poder de gerir suas próprias vidas. Segundo a autora,

Esse poder não está baseado no paradigma da independência, mas no da interdependência, que estabelece que capacidade e apoio podem ser contíguos. Uma pessoa com deficiência não precisa se declarar incapaz para obter apoio. Em consequência, a CDPD reconhece que uma pessoa com deficiência pode precisar de apoio para exercer sua capacidade legal, mas a obtenção de apoio não é motivo para concluir que a capacidade não existe. (DHANDA, 2008, p 48).

Isso se encaixa perfeitamente na teoria do Modelo Social da Deficiência, que, a partir da abordagem das teóricas feministas, deixou claro que a interdependência é inerente à pessoa humana e cada um de nós, seres humanos, pode ser dependente um dos outros ao longo da vida. Ou seja, precisar de apoio ou depender de alguém para alguma coisa não é prerrogativa apenas de corpos com deficiência e isso não confere nenhum grau de inferioridade a esses corpos. Dhanda (2008) refere-se ainda à questão da independência humana abordada na CDPD:

A CDPD não somente reabriu a questão da indivisibilidade dos direitos, como reviu a construção do ser humano. Um exame dos instrumentos dos direitos humanos mostra que o ser humano foi construído como um ser autoconfiante e auto-suficiente que não precisa de ninguém mais. A teoria feminista demonstrou de forma convincente que essa percepção de autoconfiança e independência é um mito patriarcal, isso porque o apoio que é obtido pelas assim chamadas pessoas autoconfiantes pode ser conseguido sem reconhecê-lo ou admiti-lo de nenhuma maneira. (DHANDA, 2008, p. 50).

O fato de as pessoas deficientes precisarem buscar apoio de uma maneira mais explícita torna essa interdependência mais evidente, contudo, ainda segundo Dhanda (2008), isso não pode ser interpretado como uma declaração de incapacidade, mas sim apenas como um reconhecimento honesto de que uma pessoa com deficiência pode necessitar de apoio para exercer suas atividades. Para a autora, trata-se de um modelo “[...] emancipatório porque permite que a pessoa

admita déficits sem se sentir diminuída.” (DHANDA, 2008, p. 50). A autora vai mais longe ao referir-se à questão da interdependência humana: “Esse paradigma da interdependência deveria ser empoderador e emancipatório para toda a humanidade e não apenas para as pessoas com deficiências.” (DHANDA, 2008, p. 51).

Sendo a CDPD a primeira convenção sobre direitos humanos do século XXI, sua relevância atinge tanto as pessoas com deficiência como a todos os que defendem os direitos humanos. Dhanda (2008, p. 48) explica que ao longo do tempo a jurisprudência internacional sobre direitos humanos “[...] criou uma falsa dicotomia entre direitos políticos e civis, de um lado, e direitos sociais e econômicos, do outro.” Os direitos políticos e civis foram chamados de direitos negativos e os sociais e econômicos, de positivos. A CDPD veio permitir que essa falsa divisão fosse revista ao defender a indivisibilidade dos direitos. Reconhecer os direitos das pessoas com deficiência implica criar direitos híbridos.

Por exemplo, ao reconhecer o direito de manifestação e expressão para essas pessoas, é preciso tomar medidas para haver modos de comunicação alternativos e aumentativos, pois sem isso, esse direito não faz sentido. Essa conexão que a CDPD faz entre direitos políticos e civis e desenvolvimento de infraestrutura não é exclusiva das pessoas com deficiências, ela é necessária para todas as pessoas. Porém, em virtude das necessidades especiais das pessoas com deficiências, foi preciso deixar essa conexão explícita na CDPD. (DHANDA, 2008, p. 49).

A questão da necessidade de promoção da infraestrutura faz todo sentido na medida em que a simples evocação dos direitos fundamentais de nada adianta, em termos práticos, para a causa da deficiência se os meios para a obtenção desses direitos não forem assegurados.

Para Diniz, Barbosa e Santos (2010), a CDPD, constitui-se num verdadeiro divisor de águas no movimento pelos direitos das pessoas com deficiência por ter instituído um novo marco de compreensão da deficiência. Com a adoção da convenção, o Governo Brasileiro “[...] reconhece a questão da deficiência como um tema de justiça, direitos humanos e promoção da igualdade.” (DINIZ, BARBOSA, SANTOS, 2010, p. 112). Sua adoção teve um impacto positivo na legislação sobre o assunto, sendo sua aplicação de fundamental importância para a formulação de políticas públicas voltadas para a promoção do bem-estar e dignidade das pessoas com deficiência no Brasil.

Na sequência, serão examinadas as legislações de diversos países, construídas sob o impacto e influência da CDPD.