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3 O CRITÉRIO JURÍDICO DE APROPRIAÇAO DO CONHECIMENTO

3.1.3 A Lei n 9.456/1997 Proteção de Cultivares

A Lei Federal nº 9.456 de 25 de abril de 1997 tratou da Proteção dos Cultivares, apresentando um conceito no inciso IV do artigo 3, assim entendido como uma

(...) variedade de qualquer gênero ou espécie vegetal superior que seja claramente distinguível de outras cultivares conhecidas por margem mínima de descritores, por sua denominação própria, que seja homogênea e estável quanto aos descritores através de gerações sucessivas e seja de espécie passível de uso pelo complexo agroflorestal, descrita em publicação especializada disponível e acessível ao público, bem como, a linhagem componente de híbridos.

Verifica-se que, a questão das cultivares é matéria extremamente técnica, de desenvolvimento genético de plantas que possam ser utilizadas no complexo agroflorestal. A lei em comento instituiu a possibilidade de proteção dos cultivares a partir da proteção dos direitos à propriedade intelectual atinentes a cultivar, o que se realizada mediante a concessão de um Certificado de Proteção de Cultivar.

O artigo 3 já parcialmente mencionado estabelece (incisos I, II e V do referido artigo) alguns importantes aspectos conceituais na seara em apreço, ressaltando, primeiramente, que “Melhorista” é “(...) a pessoa física que obtiver cultivar e estabelecer descritores que a diferenciem das demais;”. Por seu turno, o “Descritor” é “(...) a característica morfológica, fisiológica, bioquímica ou molecular que seja herdada geneticamente, utilizada na identificação de cultivar;”. E “Nova Cultivar” é a

(...) cultivar que não tenha sido oferecida à venda no Brasil há mais de doze meses em relação à data do pedido de proteção e que, observado o prazo de comercialização no Brasil, não tenha sido oferecida à venda em outros países, com o consentimento do obtentor, há mais de seis anos para espécies de árvores e videiras e há mais de quatro anos para as demais espécies.

Neste sentido, torna-se importante a análise da figura do “Obtentor”, assim considerado a “(...) pessoa física ou jurídica que obtiver nova cultivar ou cultivar essencialmente derivada no País (...)”. Ao obtentor é “(...) assegurada a proteção que lhe garanta o direito de propriedade nas condições estabelecidas nesta Lei.” (artigo 5º da Lei 9.456/1997). Vale dizer que o processo de obtenção poderá ser desenvolvido, pela própria natureza do trabalho de pesquisa, por mais de uma pessoa, oportunidade em que a proteção

“(...) poderá ser requerida em conjunto ou isoladamente, mediante nomeação e qualificação de cada uma, para garantia dos respectivos direitos.” (artigo 5, §2º da Lei 9.456/1997).

Exatamente neste ponto, após a previsão de desenvolvimento conjunto, surge o §3 do artigo 5 da lei em apreço que aduz:

Art. 5º... ...

§ 3º Quando se tratar de obtenção decorrente de contrato de trabalho, prestação de serviços ou outra atividade laboral, o pedido de proteção deverá indicar o nome de todos os melhoristas que, nas condições de empregados ou de prestadores de serviço, obtiveram a nova cultivar ou a cultivar essencialmente derivada.

Verifica-se a peculiaridade existente na Lei de Proteção de Cultivares quando prevê a participação de duas espécies de pessoas, os “Melhoristas” e os “Obtentores”, cabendo a indicação dos primeiros quando, na condição de empregado ou prestador de serviço, tenham participado ativamente na obtenção da nova cultivar ou da cultivar essencialmente derivada. A vinculação do Melhorista é direta com a produção intelectual necessária para a obtenção da Cultivar, na qualidade de desenvolvedor, ainda que não tenha o direito de proteção prevista na lei, que cabe ao Obtentor.

É assim que o artigo 38 da lei em epígrafe prevê que,

(...) pertencerão exclusivamente ao empregador ou ao tomador dos serviços os direitos sobre as novas cultivares, bem como as cultivares essencialmente derivadas, desenvolvidas ou obtidas pelo empregado ou prestador de serviços durante a vigência do Contrato de Trabalho ou de Prestação de Serviços ou outra atividade laboral, resultantes de cumprimento de dever funcional ou de execução de contrato, cujo objeto seja a atividade de pesquisa no Brasil, devendo constar obrigatoriamente do pedido e do Certificado de Proteção o nome do melhorista.

É evidente que a previsão legislativa protege, tal qual a Lei de Propriedade Industrial já referida, o detentor dos recursos financeiros aplicados na pesquisa, contratante dos serviços ou empregador daquele melhorista que está envolvido na atividade de desenvolvimento de cultivar. Entretanto, o dispositivo garante, ao menos, a inscrição do nome do melhorista no Certificado de Proteção, garantindo-lhe um aspecto relevante de ter seu nome - direito de personalidade - vinculado ao desenvolvimento científico em apreço, semelhante ao que seria a proteção de um direito moral na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998, artigo 24, inciso II).208

                                                                                                                         

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MINHARRO, Francisco Luciano. 2010. Op. cit., p. 114. O autor aduz: “A Lei de Proteção de Cultivares

Da mesma forma com que é tratada a matéria na Lei de Propriedade Industrial, o §1º deste artigo 38 da lei em análise prevê que,

(...) salvo expressa disposição contratual em contrário, a contraprestação do empregado ou do prestador de serviço ou outra atividade laboral, na hipótese prevista neste artigo, será limitada ao salário ou remuneração ajustada.

A Lei limitou a contraprestação, portanto, ao recebimento do salário, e retirou do melhorista o direito de participar do desenvolvimento científico e tecnológico do qual, diretamente, participou, restando reconhecido o direito de ter a inscrição de seu nome no Certificado de Proteção. Novamente, aquele que diretamente participa da inovação, com sua individual e imprescindível capacidade intelectual, não é remunerado pela apropriação de seu conhecimento humano nos termos estabelecidos na CF/88.

Em adição, a Lei de Proteção de Cultivar é ainda mais severa no tocante à presunção de que o desenvolvimento tenha sido realizado na vigência do contrato de trabalho, considerando que o §2º deste artigo 38 prevê a presunção de que a cultivar foi desenvolvida durante o contrato de trabalho no prazo de até 3 anos após a extinção deste referido contrato. O prazo que na Lei de Propriedade Industrial é de 1 ano, na Lei de Proteção de Cultivar é de 3, cuja presunção milita em favor do empregador ou contratante.

Por outro lado, o artigo 39 traz uma previsão realmente diferente de todas as demais leis que abordam outros aspectos afeitos à inovação tecnológica, vez que

(...) pertencerão a ambas as partes, salvo expressa estipulação em contrário, as novas cultivares, bem como as cultivares essencialmente derivadas, obtidas pelo empregado ou prestador de serviços ou outra atividade laboral, não compreendida no disposto no art. 38, quando decorrentes de contribuição pessoal e mediante a utilização de recursos, dados, meios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador ou do tomador dos serviços.

É bem verdade que, o dispositivo estabelece a possibilidade de, por acordo de vontades, retirar o direito do empregador na participação sobre a cultivar obtida, bem como preceitua que as atividades não podem ser aquelas previstas no artigo 38, isto é, derivadas do objeto do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Assim, seria mesmo de remota possibilidade que o empregado possa utilizar os meios, recursos, dados, materiais, instalações

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

que deverão ser identificados como criadores da nova cultivar. Isto não significa, entretanto, que, por esta razão, seja-lhes assegurado qualquer direito de natureza patrimonial, que é reservado aos obtentores, que são os titulares do Certificado de Proteção de Cultivar, que lhes confere o direito de propriedade e a exclusividade na exploração da obtenção vegetal.”

ou equipamentos do empregador para o desenvolvimento de pesquisa que seja estranha ao objeto do contrato de trabalho, de forma que o dispositivo em comento, pela abertura em favor da autonomia da vontade e pela dificuldade prática referida, afigura-se como normativa de difícil concretização dos direitos dos empregados envolvidos na pesquisa de cultivares.

Por fim, o §1º do artigo 39 prevê que:

Para os fins deste artigo, fica assegurado ao empregador ou tomador dos serviços ou outra atividade laboral, o direito exclusivo de exploração da nova cultivar ou da cultivar essencialmente derivada e garantida ao empregado ou prestador de serviços ou outra atividade laboral a remuneração que for acordada entre as partes, sem prejuízo do pagamento do salário ou da remuneração ajustada.

O §2º deste artigo prevê que “(...) sendo mais de um empregado ou prestador de serviços ou outra atividade laboral, a parte que lhes couber será dividida igualmente entre todos, salvo ajuste em contrário.”, novamente abrindo-se possibilidade de ajuste contratual.

Também no tocante a legislação que regulamenta o desenvolvimento de cultivares, percebe-se que os critérios de apropriação do conhecimento humano estão em absoluta divergência com os princípios constitucionais da ordem econômica e social, além de desrespeitar direitos e garantias fundamentais, sem prejuízo da constatação de que o artigo 218 da CF/88 e parágrafos não foram considerados para o alinhamento da diretriz normativa existente nesta lei.