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3 O CRITÉRIO JURÍDICO DE APROPRIAÇAO DO CONHECIMENTO

3.2 A legislação internacional

3.2.1 As Convenções da União de Paris (1883) e da União de Berna (1886)

Antes de se analisar os principais aspectos dos tratados internacionais que produzem efeitos na questão versada, apresenta-se de relevância ímpar uma breve verificação acerca de dois significantes marcos da propriedade intelectual, um ocorrido na França e outro na Alemanha, ambos na década de 1880. A importância destes diplomas é, portanto, também histórica na estruturação de conceitos e princípios hoje vigentes nesta matéria.

O primeiro refere-se à padronização dos dispositivos referentes à propriedade industrial nos países participantes, que ficou conhecido como Convenção da União de Paris, em 20 de março de 1883. O segundo permitiu a proteção harmônica de obras literárias e artísticas, chamada de Convenção da União de Berna, em 9 de setembro de 1886.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

§ 3o Quando a licença compulsória requerida com fundamento no art. 48 desta Lei envolver alegação de ausência de exploração ou exploração ineficaz, caberá ao titular do registro comprovar a improcedência dessa alegação.

§ 4o Em caso de contestação, o Inpi realizará as diligências indispensáveis à solução da controvérsia, podendo, se necessário, designar comissão de especialistas, inclusive de não integrantes do quadro da autarquia.

Art. 51. O titular deverá ser adequadamente remunerado segundo as circunstâncias de cada uso, levando-se em conta, obrigatoriamente, no arbitramento dessa remuneração, o valor econômico da licença concedida.

Parágrafo único. Quando a concessão da licença se der com fundamento em prática anticompetitiva ou desleal, esse fato deverá ser tomado em consideração para estabelecimento da remuneração.

Art. 52. Sem prejuízo da proteção adequada dos legítimos interesses dos licenciados, a licença poderá ser cancelada, mediante requerimento fundamentado do titular dos direitos sobre a topografia, quando as circunstâncias que ensejaram a sua concessão deixarem de existir, e for improvável que se repitam.

Parágrafo único. O cancelamento previsto no caput deste artigo poderá ser recusado se as condições que propiciaram a concessão da licença tenderem a ocorrer novamente.

Art. 53. O licenciado deverá iniciar a exploração do objeto da proteção no prazo de 1 (um) ano, admitida: I – 1 (uma) prorrogação, por igual prazo, desde que tenha o licenciado realizado substanciais e efetivos preparativos para iniciar a exploração ou existam outras razões que a legitimem;

II – 1 (uma) interrupção da exploração, por igual prazo, desde que sobrevenham razões legítimas que a justifiquem.

§ 1o As exceções previstas nos incisos I e II do caput deste artigo somente poderão ser exercitadas mediante requerimento ao Inpi, devidamente fundamentado e no qual se comprovem as alegações que as justifiquem. § 2o Vencidos os prazos referidos no caput deste artigo e seus incisos sem que o licenciado inicie ou retome a exploração, extinguir-se-á a licença.”

Afigura-se imprescindível indicar que a Convenção da União de Paris estabeleceu dois princípios de relevância ímpar no âmbito internacional, quais sejam: (i) o princípio do

tratamento nacional; e (ii) o princípio do tratamento unionista. Conforme entendimento de

Carol Proner, fazendo referência aos ensinamentos de Maristela Basso, o primeiro princípio assevera que

(...) os nacionais dos países-membros da União gozariam, em todos os outros países da União, de vantagens idênticas às de suas leis nacionais, recebendo direito à proteção e acesso a recursos legais igualmente idênticos contra qualquer atentado a seus direitos.217

O princípio do tratamento unionista destaca que haveria “(...)prioridade unionista sobre as disposições nacionais menos vantajosas”.218 Isto é, seria aplicável a proteção mais vantajosa prevista no tratado internacional, em prejuízo da disposição interna do Estado- membro que for menos protetiva.

Referidos princípios foram estabelecidos a partir da ideia de livre concorrência e mercado global, supostamente equilibrado, o que até hoje não se verificou. É bem verdade que o fenômeno da globalização como o conhecemos hoje não estava em curso à época, quando imperava uma visão liberal quase absoluta, o que veio traduzido na concepção destes princípios até hoje vigentes. Os efeitos e o contexto da Revolução Industrial, já abordados inicialmente neste trabalho, bem demonstram que o espírito a imperar nestas Convenções era, indubitavelmente, o de proteção máxima da propriedade intelectual na concepção do livre comércio.

Porventura, a situação atual de dominação de mercado por variadas multinacionais, frequentemente estribada no desenvolvimento tecnológico protegido por fortes sistemas de patentes, possa ter decorrido da estrutura desigual da negociação entabulada na Convenção da União de Paris, já que o princípio do tratamento nacional sempre foi conjugado, especialmente pelas empresas americanas, com insuperável protecionismo do mercado interno americano.

Como é cediço, as empresas transnacionais de hoje dominam mercados e são mais poderosas que muitos governos, nos exatos termos mencionados por Nelson Nazar, quando assevera que

                                                                                                                         

217

BASSO, Maristela. O direito internacional da propriedade intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 77-85, apud PRONER, Carol. 2007. Op. cit., p. 51.

218

(...) as empresas multinacionais são pontas de lança da globalização, capazes de submeter a seu comando todo e qualquer membro do sistema interestadual, inclusive os Estados Unidos. Os fluxos de mercadorias e capitais, os mercados financeiros globais, as estratégias mundiais das grandes corporações, tudo isso, potencializado pela revolução da informática, vem dissolvendo as fronteiras econômicas do Estado.

219

É evidente a importância da proteção da propriedade intelectual para o avanço destas multinacionais, forçando as demais empresas interessadas no ingresso neste mercado global a investir em pesquisa e desenvolvimento tecnológico e garantir seus investimentos através de fortes sistemas internacionais e legislação nacional de proteção da propriedade intelectual decorrente destas pesquisas.220

A Convenção da União de Paris sofreu revisão em Haia, em 1925, tendo sido veiculada no ordenamento interno pelo Decreto nº 19.056 de 31 de dezembro de 1929 e, posteriormente, sofreu nova revisão em Estocolmo em 1967, o que foi objeto do Decreto nº 75.572 de 8 de abril de 1975. De início, vale dizer que o artigo 4 (ter) desta Convenção estabeleceu que “o Inventor tem o direito de ser mencionado como tal na patente.” É interessante este dispositivo em comparação aos já comentados §§ 2º e 4º do artigo 6 da Lei 9.279/1996 (Código de Propriedade Industrial).221  

                                                                                                                         

219

NAZAR, Nelson. 2009. Op. cit., p. 182.

220

STAL, Eva. Biodiversidade e inovação tecnológica na estratégia de internacionalização da Natura. In: OLIVEIRA JUNIOR, Moacir de Miranda (Org.). Multinacionais brasileiras: internacionalização, inovação e estratégia global. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 287. Eva Stal, doutora em administração pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, analisando o caso da empresa brasileira de cosméticos Natura, aduz que: “A criação de valor em uma empresa ocorre com algo original ou diferenciado, que tenha

utilidade e funcionalidade, na visão do consumidor. Na Natura, a criação de valor passa pela construção permanente da marca e pela qualidade das relações com seus diversos públicos – consumidores, consultoras, colaboradores, fornecedores, acionistas e parceiros. Mas também passa pela inovação. Na indústria de cosméticos, o ciclo de renovação de produtos leva de dois a três anos, e, para se enquadrar neste ritmo, a Natura investe cerca de 3% de sua receita líquida em P&D, melhorias de processos e convênios com universidades e centros de pesquisa no Brasil (principalmente USP e Unicamp), na França, na Itália e nos Estados Unidos. Os executivos da empresa reconheceram que seu sucesso dependeria em grande parte da capacidade de inovar continuamente, principalmente depois da abertura comercial do país. Mas não poderiam enfrentar concorrentes globais criando tecnologia a partir do zero.

De lá para cá, a Natura vem aumentando os recursos para o desenvolvimento de novos produtos, devido à maior concorrência de grandes empresas internacionais, que investem fortemente em pesquisa. Só a L’Oréal, líder mundial em pesquisas no setor, com US$ 14 bilhões de faturamento anual e investimentos de 3% do faturamento, registrou 493 patentes em 2001. Considerando as adaptações regionais dessas patentes, a empresa totalizou mais de 19 mil produtos finais naquele ano, e foi escolhida pela revista inglesa The Economist como a de melhor desempenho na Europa em 2002.”

221

Vide o referido artigo 6 da Lei 9.279/1996(Código de Propriedade Industrial): “Art. 6. Ao autor de invenção

ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta Lei. § 1º Salvo prova em contrário, presume-se o requerente legitimado a obter a patente. § 2º A patente poderá ser requerida em nome próprio, pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade. § 3º Quando se tratar de invenção ou de modelo de utilidade realizado conjuntamente

Por seu turno, a Convenção da União de Berna estabeleceu três princípios básicos:  

(...) o do tratamento nacional, análogo ao instituído para a propriedade industrial; o da proteção automática, segundo o qual se nega interposição de condições para a concessão da proteção e, por fim, o da independência de proteção, significando que a proteção dos direitos de autor independe da existência de proteção no país de origem.222

A Convenção da União de Berna foi revisada diversas vezes desde então, tendo sido a última oportunidade em Paris, em 24 de julho de 1971, e foi incorporada ao direito pátrio através do Decreto nº 75.699 de 6 de maio de 1975.

Desta forma, percebe-se que a importância do movimento unionista é inquestionável, a partir dos desdobramentos das Convenções de Paris e Berna, porque foi a primeira oportunidade, em âmbito global, de Estados independentes, inclusive o Brasil, negociarem o estabelecimento de normas supranacionais sobre esta matéria, bem de se ver, aliás, que pelo princípio do tratamento unionista, normas internas que tratassem da máteria não seriam aplicadas acaso as proteções unionistas fossem mais vantajosas. Impôs-se, pela primeira vez, uma certa relativização do princípio, antes absoluto, da soberania nacional. É, sem dúvida, o nascedouro do sistema internacional de proteção de direitos, que desaguou no próprio nascimento das Nações Unidas e no desenvolvimento do sistema de Tratados Internacionais, conforme adiante será abordado.

3.2.2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto Internacional dos