• Nenhum resultado encontrado

A Lexicalização e a gramaticalização da língua geral

CAPÍTULO 2 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI:

2.4 A Lexicalização e a gramaticalização da língua geral

Registram os documentos históricos o empenho dos novos íncolas para aprenderem a língua falada na costa atlântica, atribuindo relevo ao fato de que as populações que viviam nas feitorias buscarem aprender o nome dos peixes, da caça, enfim, de tudo o que comiam para poder sobreviver. Essa aprendizagem também se estendia às denominações de acidentes geográficos como os cabos, os ancoradouros,

as saliências e reentrâncias que as águas do oceano desenhavam na terra habitada. Se “igara” era canoa “igaraçu” seria a “canoa grande” ou nau. Desta feita, a presença constante das naus portuguesas nos ancoradouros dos rios, fez com que os mesmos fossem nomeados por “igaraçu” ou “garaçu”.

Nesse contexto, os missionários responsáveis pela catequese, dentre os quais se destaca Anchieta, aprenderam o tupi como estratégia para desenvolver esse trabalho de evangelização e, ao mesmo tempo, ensinar-lhes o português. A língua geral era simples e de reduzido material morfológico, não possuía declinações nem conjugações. Tinha o aspecto das líng uas de necessidades, criadas para intercâmbio.

Constituiu-se, entretanto, numa ferramenta poderosa para unir os povos nativos que aqui viviam, tendo sido possível desenvolver um trabalho junto aos aldeamentos, no ensinamento da língua portuguesa em todo o território atendido pela Companhia de Jesus. Esse ensino foi bem recebido, mas a aprendizagem dessa língua se fazia de forma muito lenta e gradual, enquanto o da língua geral ou o tupi jesuítico, por ser mais hegemônica, era facilmente assimilada. Adotada a língua geral, imposta pela empresa colonizadora, por meio da catequese, tornou-se mais fácil exercer o controle sobre os indígenas e garantir a interpretação dos textos religiosos. Essa estratégia jesuítica contribuiu para evitar a polissemia. (SILVEIRA BUENO, 1998).

2.4.1 A extensividade do uso da língua geral

O tupi jesuítico ou língua brasílica estendeu-se do Maranhão até São Paulo e trazia consigo uma uniformização léxica e racional fixada pela gramática e pelo vocabulário elaborado por Anchieta. Resquícios do tupi jesuítico, segundo Lemos Barbosa (1951), é o nhengatú amazônico: um dialeto civilizado ou crioulo, falado por descendentes de aruaques e que, hoje, do tupi mal conserva o vocabulário, já bastante alterado e reduzido. O nhengatú em tupi significa “língua boa”. Vale ressaltar que, ao disciplinar a língua geral por meio de um dicionário e uma gramática, Anchieta

contribuiu para unir os povos que aqui viviam e para divulgar a língua portuguesa em todo território nacional; mas este último objetivo é produto do trabalho do marquês de Pombal e dos negros fugitivos que, por força da sobrevivência, aprenderam a língua portuguesa. (ELIA, 2003 apud SILVEIRA BUENO, 1998, p. 669).

Observa-se que a língua geral ou brasílica era mais intensamente empregada nas áreas mais afastadas dos centros administrativos que iam sendo implantados na colônia. Predominava como língua comum entre os portugueses e seus descendentes, ou seja, os mestiços luso -tupis, e, também, entre os escravos africanos. Afirma Rodrigues (2002) que os índios incorporados às missões, às fazendas, às tropas e às bandeiras, também, dela faziam uso, em outras palavras, toda a população que, independentemente de sua origem, integrava o sistema colonial.

Ressalta-se que, essa língua foi implantada pelos Jesuítas no século XVI, com o respaldo do governo colonial e, no século XVIII, com a expulsão dos jesuítas e a efetivação do português como língua oficial, a língua nhengatú declinou; entretanto, segundo Hohter (2005), hoje, o nhengatú é uma língua oficial no Amazonas e, como tal autorizada a ser ensinada nas escolas locais, falada nos tribunais e usada em documentos do governo. Aqueles que conservaram a memória lingüística, hoje estão sendo contratados como intérpretes, professores e funcionários de saúde.

No século XVI, por meio do nhengatú e do tupi-guarani, o europeu conquistava o seu objetivo, fosse religioso e/ou econômico, criando uma sociedade subserviente, que muito lentamente tenta sair desse processo de manipulação, mas traz como hera nça, até nossos dias traços da sociedade colonial.

2.4.2 O Dicionário e o seu papel

Afirma Turazza (2002) que a palavra é o elemento lingüístico que mais rapidamente envelhece visto variar de grupo para grupo, de região para região, de um uso para outro e, ainda, de um tempo para outro. Afirma a autora que esta variação faz

do vocabulário um campo instável, quando se busca verificar os seus significados no fluxo das atividades de fala: lugar onde seus significados são transmudados em sentidos e estes se fazem vagos e fluidos, razão pela qual muitos lingüistas afirmam que os vocábulos não significam, mas têm a função de significar. Todavia, o registro em dicionários dos sentidos de maior freqüência de uso apontam que eles não só significam como também arrastam consigo cargas de sentidos históricos, conforme se busca afirmar nos registros desta Dissertação.

Nessa acepção, a autora diferencia significado de sentido, considerando serem os significados sentidos cristalizados pelo uso e, por isso, passíveis de serem descritos pelos lexicógrafos nas páginas de um dicionário, que as registram, mas não as criam; razão pela qual correr atrás das palavras e dos seus sentidos cristalizados é tarefa desses especialistas. (TURAZZA, 2005).

Para essa autora, tanto o dicionário, quanto a gramática têm função normativa: o primeiro funciona para regular os limites de produção de sentidos – significados desmobilizados – remobilizados durante o ato de produção textual – a segunda normativiza as regras combinatórias das unidades lexicais, também assegurando limites para novas ou possíveis combinatórias. Afirma a autora que “dicionário e gramática são fiéis depositários de uma língua e, embora se refiram mutuamente e necessariamente, uma a outra, trata-se de obras que não se reduzem a si próprias e nem tampouco uma a outra”. (TURAZZA, 2005, p. 154).

Assim, para tratar dos conhecimentos lexicais por um ponto de vista lexicográfico é preciso estar ciente de que este é um foco reducionista, porque fora do uso efetivo da língua - lugar de renovação, de dinamismo das unidades lexicais; mas registrado em dicionário, têm -se apenas os sentidos de alta freqüência.

2.4.2.1 Alguns princípios do dicionário anchietano

Os registros lexicográficos feitos por Anchieta não tem por parâmetro a macro estrutura (ME) dos dicionários contemporâneos, ou seja, ME = entrada do verbete + informações gramaticais (classe de palavras), gênero gramatical + significado etimológico + definições sob a forma de predicações, seguidas ou não de exemplos. Nesse sentido, observa-se que as entradas ora dadas por meio de frases ou segmentos frasais, de forma que o Jesuíta não define uma palavra pela outra, mas estende conjuntos de conhecimentos condensados por esses fragmentos de enunciados, propriamente ditos.

O corpus descrito, portanto, não pode fazer remissões às classes gramaticais da língua descrita, ainda que, seja possível verificar o registro de substantivos, adjetivos, verbos, preposições, etc. Desse seu texto, também não consta a origem das palavras descritas e tampouco a correspondência entre a língua que descrevia e aquela que dominava. A primeira era descrita para ser dominada, enquanto campo de conhecimento; logo, não há remissões etimológicas. Assim, o que nele se registra são significações formalizadas por meio de seqüências ou fragmentos de seqüências como, por exemplo: abastado estar de qualquer cousa. – Xerecemõ, vel Xepoecemõ, tal ou tal cousa; andar como cada hum destes ou fazelos andar. – Aimopîrîgrim; consolado estar. – Xeapîcic, l, Xeapîcîc g uitecobo. (DRUMOND, 1953).

Afirma Orlandi (2001) que o jesuíta se esforça por registrar um modelo situacional dos processos de enunciação da época, todavia esse esforço é questionado, pois, em verdade, trata-se de uma busca por aproximar palavras e possíveis significados entre a língua portuguesa e a língua geral.

O exemplo acima aponta que o dicionário anchietano busca traçar uma equivalência de sentidos entre as entradas em língua portuguesa e palavras ou fragmentos de seqüências enunciadas em tupi. Nas definições do tipo acima exemplificado, observa -se a articulação intrínseca entre o léxico, a sintaxe e a

morfologia. Desta feita, a leitura das definições remete a uma incorporação das regras e categorizações gramaticais da língua geral. Pode-se afirmar que o modelo de dicionário anchietano se qualifica como de “equivalência”, mesclado com o modelo enciclopédico, conforme exemplo abaixo:

Palma ou palmeira não tem gênero – As espécies são muitas, mas nenhüa se nomea senão pola fruita, saluo a principal delas com q. se cobrem às casas que se chama Pindoba. E o fruito della Ynajâ. As mais como são Jaraigbâ, cujo fruito arremeda âs tâmaras. Marajaigbâ. Airig, q. tem espinhos etc. Nomeiam a folha ou ramos, a de ser por seu próprio nome q. çoba i. folha comü, a toda a folha, posto q. comumente o nome da fruita serue pa. tudo maxime porq. a cousa, ou propósito pa. q. se nomeão distingue hüa cousa e outra. porq. se eu digo q. tenho hüa linha de pescar de tucum, claro esta q. não he da fruita pois não tem estopa, etc. (DRUMOND, 1953: 63).

A entrada – palma ou palmeira não tem gênero, aponta para duas designações: a primeira primitiva “palma”, a segunda derivada “palmeira” que, na época, eram parassinônimas. Todavia, prevaleceu no português brasileiro “palmeira”, pois o termo “palma” ficou restrito a uma denominação que se refere ao lado interno da mão entre o pulso e os dedos ou a batida das mãos de forma repetida, cujo sinônimo é aplauso. Também, como termo, “palma” designa plantas de pequeno porte, cujo tronco é indiviso, como, por exemplo, “espada de São Jorge”.

A afirmação “não tem gênero” impede Anchieta de construir uma definição para “palma” ou “palmeira”, de modo que essa pudesse se remeter a um conceito geral capaz de englobar todas as propriedades comuns que qualificam um dado grupo ou classe dessa espécie de planta, como fazem os lexicógrafos modernos: Palmeira s.f. (s. XIII ACGC). Angios 1.desig. comum às plantas da família das palmas; esp. Às de porte arbório como palmeira-açaí, palmeira-anã, palmeira-andim, palmeira-areca, palmeira-bambu, palmeira-barriguda, palmeira-brava, palmeira-buri, palmeira-chifre, palmeira-cipó etc. (Houaiss registra quarenta e sete tipos de palmeira).

O fato de não se ter na época conhecimento científico capaz de identificar as espécies “palmeira” do gênero “palma” leva o autor a afirmar a inexistência do gênero

e, conseqüentemente, da classificação. Assim, impedido de construir definições por gênero e espécie, produz um texto descritivo, de forma a apontar ao leitor consulente “o que é” o ser ou objeto, ao qual se refere valendo-se da estratégia descritiva que faz remissão ao:

a) como é o objeto descrito: “as espécies são muitas”; b) como se nomeia, ou seja:

b1) pelo tipo de fruta que produz cada espécie – palmeira-dendê, palmeira-do- azeite, palmeira-de-óleo, palmeira de macaúba (HOUAISS, 2001) – mas

nenhüa se nomea senão pola fruita;

b2) pelo uso que se fazia ou se faz das suas folhagens - saluo a principal delas com q. se cobrem às casas que se chama Pindoba;

b3) pelo tipo de fruto que produz - E o fruito della Ynajâ. As mais como são Jaraigbâ,

cujo fruito arremeda âs tâmaras. Marajaigbâ. (Hoje: palmeira-açai, por exemplo);

c) pelo o que há ou não no caule ou folhas - Airig, q. tem espinhos etc;

d) pelo nome dado em tupi às suas folhas ou ramos - Nomeiam a folha ou ramos, a de

ser por seu próprio nome q. çoba i. folha comü, a toda a folha. Informa, ainda ao leitor

consulente, que para os nativos - nome da fruita serue pa. Tudo, de modo que é em função do uso que os nativos fazem das frutas que elas distinguem uma palmeira da outra - ou propósito pa. q. se nomeão distingue hüa cousa e outra.

Anchieta busca dialogar com o seu leitor consulente para discutir o processo de nominalização de que os nativos fazem uso, ou seja, diferenciando as espécies de palmeiras apenas pelo tipo de fruto que elas produzem, visto que - porq. se eu digo q.

tenho hüa linha de pescar de tucum, claro esta q. não he da fruita pois não tem estopa, o

processo de nomeação não tem por ancoragem o fruto, mas o uso que se faz de um dado tipo de palmeira – palmeira-cipó – para fazer cordas ou linha para a pesca.

È por meio dos vocábulos pelos nativos empregados para designar o que os portugueses não conhecem e não conseguem nominalizar. Observa -se nos registros anchietano, no seu dicionário, um esforço que implica a prática de tradução e

interpretação. É nesse sentido que prevalecem dois critérios para a construção desse dicionário: o enciclopédico e o de equivalência. Esse dicionário foi publicado inteiramente em 1938 por Plínio Ayrosa, sendo a segunda edição, publicada em 1953, revisada pelo Dr. Carlos Drumond, quando foram feitas correções que implicaram equívocos tipográficos ou enganos de transcrições.

2.4.2.2 Alguns princípios da gramática anchietana

As dificuldades para fazer uma descrição da língua geral são de diferentes ordens, conforme a bibliografia estudada, pois tanto no tupi como no guarani os fonemas /r/, /f/, /l/ inexistiam. Por outro lado, para cada palavra pronunciada em português, os usuários faziam corresponder várias outras. Assim, os missionários registravam o que ouviam de acordo com os conhecimentos da gramática do português. É por esta razão que, quando se comparam os escritos de suas autorias, observa-se que cada um procurou reduzir o que ouvia da boca do nativo aos conhecimentos da gramática que dominavam. Os sons que faltavam ao tupi-guarani foram representados pelas letras f, l, v, e z, e pelos grupos lh e rr de modo que, palavras grafadas com v e z refletem influências das línguas euro péias dos colonizadores. (SILVEIRA BUENO, 1998).

Apresentam-se a seguir questões referentes ao vocalismo, consonantismo, nasalização, morfologia, ao grau, aos verbos, para melhor explicitar as dificuldades de descrição vivenciadas por Anchieta.

A) O vocalismo

As vogais eram quase as mesmas que as utilizadas no português, devido ao fechamento fonético que o inglês traduz por U como Sumatra, do português Samatra; tem-se, assim: a1) a vogal ã era mais nasalizada do que a sua correspondente no

português; a2) não havia ditongo ão, mas um on. Por exemplo, Yaguaron cujos portugueses falavam Jaguará;. a3) a vogal “e” se pronúncia como em português. Entretanto seu valor fonético é sempre ‘e’, jamais ‘i’ quando átono, ao final da palavra, e não muda como em francês, tem o mesmo valor que Portugal na língua falada em Coimbra, em Lisboa. Exemplos: que, cidade, bondade, de; no Rio de Janeiro são pronunciados como: qui, cidadi, bondadi, di; em Coimbra: que, cidadeu, bondadeu, deu; a4) a vogal e nasal (em) não forma ditongo ei, segundo a pronúncia brasileira. Por exemplo: nheengatú (nhe – em- ga - tu) e não nheigatú (he – in – ga – tu); a5) O som mais difícil era “i – y” seguido do ‘g’, por exemplo: yg, eau. Lemos Barbosa (Curso de tupi antigo, p. 411) após ter revisado os esforços dos diversos gramáticos de nos ensinar que ‘y’ é uma vogal articulada na zona laríngea ou mais na faringe (goela). Guasch-SJ. (O Idioma guarani, p. 16) nos diz: “o ‘y’ gutonasal é fonema característico que convém ouvir da boca de um paraguaio”. (SILVEIRA BUENO, 1998, p.671).

Esta escala vocálica, exceto o ápice do ‘u’ e ‘y’ (francês u) se reflete no

português do Brasil, não têm o â fechado de Portugal. Nós pronunciamos Maria, para , dando o mesmo timbre ao ‘aa’ que é encontrado em palavras que os portugueses pronunciam Mâria, pâra, mâs quase Meria, pera, mês. É verdadeiro que no Rio de Janeiro, Florianópolis e em outras localidades onde os portugueses são ainda muitos, onde se pode ouvir a (a fechado).

Os Jesuítas transcreveram esse som com va lor, ao mesmo tempo, palatal e velar, por exemplo, ig, yg. A vogal ‘o’ teve dois timbres; aberto (ó) e fechado (ô) como na palavra francesa propos. Exemplo che pó, ma main; óca, maison; coema (ô) matin; cororõ com o final on. Não havia d’ó com valor de u (ou) quando átono: era sempre ‘o’. Por exemplo, bororo não Bororu; rirerno, não riremu; pororo, não pororu etc. No tupi soube de um ‘u’ com o valor de ‘u’ francês (vu, du, Jésus), escrito ‘y’ pelos Jesuítas. Por exemplo, yasy, a lua; piryty (pirutu) em pro núncia francesa, leproso. Como este som era de difícil pronuncia, desvia-se simplesmente para ‘i’. Havia um outro ‘u’ como ‘l’ ou du francês: caruru (carourou), jururu (jourourou); cassununga (cassounounga).

Os pesquisadores consideram que o português arcaico, precisamente o tipo de língua que o Brasil colonial havia recebido, não tinha este “â” fechado. O ‘u’ mudo, final, com o valor exato de “l” eu francês, se estranho para nossos ouvidos e assim comum na pronúncia portuguesa, não existe em nossa pronúncia. É este mesmo som

característico na distinção do falar brasileiro e do falar português. Para nossos ouvidos o som é perfeitamente comum ‘ eu’ da língua francesa. Assim, de que , em Portugal se assemelha a deu, queu, seu queue, deus, seus. Nós todos dizemos simplesmente de que, segundo a dicção espanhola. (SILVEIRA BUENO, 1998:672).

A nasalização é mais forte em nossa pronúncia e muito mais fraca no português: cama, santo, irmão, manhã são pronunciadas pelos brasileiros câma, sâ -nto, ir-mã, mã-nhã; ao contrário o português especialmente aqueles do norte: cáma, sá-nto, ir-má, má-nhã. Esta forte nasalização deve ser atribuída a uma influência do tupi e do

guarani. Os ditongos ai, ei, ou são monotongados no falar brasileiro, não somente na boca do homem rús tico, mas também daqueles que seguiram o curso do mundo, como caxa (caixa), fexe (feixe), robo (roubo), estora (estoura). Esta tendência de

monotongação foi consolidada mais tarde, especialmente no sul, pelo contato com o espanhol. (SILVEIRA BUENO, 1998:672).

B) O consonantismo

No tupi como no guarani não havia os sons representados por f, j, (palatal), l,lh, rr e s (sonoros), v e z , são sempre fraco. O r é sempre fraco. O ‘s’ é sibilante, mesmo entre duas vogais: easy (yassy); guasu (guassu), pirasunung (pirassanung). O ‘g’ é sempre gutural como em alemão, corresponde ao italiano ‘gh’. Por exemplo, Mo-ingé (Mo-in-ghé); mogy (moghy jamais mojy). O ‘y’ consoante o qual Montoya transcreve em guarani por ‘j’ teve o valor de ‘g’ italiano na frente de ‘e’, ‘i’. Assim, yaguar, (cachorro, onça), yasy (lua) eram pronunciados djaguar, djassi. Eis o ensinamento de Montoya: “A quarta é o ‘y’ velar ‘j’ consoante; se diz consoante porque é precedido de outra vogal, se há de pronunciar como consoante, golpeando a vogal que se segue, de maneira

como ‘eo’ é na língua latina o ‘j’ de jaceo, mas com mais força, da mesma maneira como os italianos pronunciavam as sílabas: gia, ge, gi, gio, giu, etc”. (SILVEIRA BUENO, 1998, p. 672-673).

Os indígenas, quando têm que aprender o português, em sendo leigo na base fonética do tupi ou do guarani, fazem acomodações, de modo que: b1) o valor de ‘l’, depois de algum tempo é substituído por ‘r’ simples: cavalo, cabaru porque não tinham o ‘v’ nem ‘l’. A palatização ‘lh’ por ‘y’: filho – fiyo; mulher – muyé (r), palha – paya. b2) a assimilação (yeismo) como se vê nesta acomodação fonética; b3) o ‘l’ laríngeo devido ao português ser muito difícil porquanto o tupi e o guarani não possuíam nenhuma destas consoantes. Eles substituíram pelo ‘r’ simples, mas com um valor que

aproximasse perfeitamente do ‘r’ inglês em murder, father, mother. Assim, alma- arma, palma – parma; animal- animar. Está pronúncia do ‘r’ inglês é estendido a todos os ‘rr’ após vogal: verde, forno, curto, etc. A palatal portuguesa ‘j’, bem fraca, tem sido pronunciada ‘dj’ como em italiano (fênetre): djanela; hoje - hodje bem próximo do italiano oggi. (SILVEIRA BUENO, 1998, p.673).

Esta acomodação deixou traços na pronúncia do português pelos brasileiros, traços que a escola procura eliminar, mas que estão muito vivos na boca do povo, do dito rústico de todo o país. A assimilação (yeismo) é talvez a característica mais evidente do falar português do Brasil, de São Paulo até o Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, isto é, os estados mais populosos da nossa pátria. Uma outra conseqüência que marca fortemente o português do Brasil é o valor do ‘r’ após vogal seguida de uma consoante: carne, firme, inferno, cor, curto. Não há alternância r/l ou l/r que se encontra na língua especialmente arcaica: pranta -planta, frauta - flauta; púbrico-público, praneta - planeta, mas esta ‘r’ do inglês-americano, como já foi observado, de murder, mother, father. Em nosso país, esta pronúncia se chama

‘caipira’, roceiro. Ele é muito comum no Estado de São Paulo. Mesmo aqueles que são diplomados, médicos, advogados, sacerdotes, professores, todos têm esta pronúncia incomum do português de Portugal. (SILVEIRA BUENO, 1998:674).

C) A nasalização

A nasalização do tupi e do guarani reforça a do português, de modo a assegurar a distinção entre o idioma português brasileiro e o de Portugal. O guarani golpeia o final das palavras: pirapó-pirapora, tinin-tininga, acan-acanga, etc. Na região de domínio do som, este golpe no final, apócope, é muito comum comê – comer; jantá – jantar; morrê – morrer; artá – altar; vegetá – vegetal. (SILVEIRA BUENO, 1998, p.674).

D) A morfologia

O tupi, como o guarani, é língua aglutinante, tem uma morfologia bem diferente da língua portuguesa. Não há gênero. O conceito de masculino e feminino se baseia na palavra apyaba e cunhã, isto é, homem e mulher. Exemplo mambyra apayaba - o filho,