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CAPÍTULO 1 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO

1.4 Considerações finais

A plantação da cultura brasileira pelo plantio do colono português em terras da nova América teve por ancoragem contratos entre a Igreja e o Estado ou entre o Estado e a nobreza e também entre o Estado português e outros Estados europeus: todos eles de caráter mercantil salvacionista para assegurar interesses dessas instituições sociais e, conforme demonstrado, o alicerce desses contratos foi o sistema escravocrata.

Distante do reino e do rei, o neoportuguês ao cultivar a nova terra cultiva seu habitante natural e é por ele cultivado e, na medida em que a habita, coloniza-a e é por ela colonizado. Desta feita, o português aprende a cultivar idéias do reino distante e as recontextualiza pelas idéias dos íncolas naturais para garantir os processos de socialização, regidos tanto por parâmetros de afetividade quanto por parâmetros de sobrevivência. Aprende a amar, a rejeitar, a aceitar o seu outro, na medida em que com ele tem de conviver, fazendo uso de inúmeras estratégias. Assim, aprende não ser possível violar a cultura indígena, sem que esse o índio se rebelasse, razão por que esse processo de violação do espaço já ocupado pelo indígena tem uma mescla que vai implicando diferentes estratégias das quais vão resultando mudanças “do modo de ser” do índio no Brasil. No fluxo do século XVI, o uso dessas estratégias vai facultar ao

indígena tornar-se artesão, tipógrafo, artista, marceneiro, carpinteiro, oleiro... Mas, nesse espaço de permissão, o português também se torna caçador, pescador, aprende a cobrir a sua morada com sapé e, ao mesmo tempo, muda a arquitetura da oca indígena, pois o mestiço, agora oleiro e pedreiro, aprende a fazer para si casas de pau- a-pique, substitui a arquitetura ovalada da morada indígena pela retangular do português.

O português aprende a dormir em redes, a fazer uso do fogo para afastar animais ferozes que habitavam a floresta que rodeava sua casa e incorpora à sua alimentação o milho, a farinha de mandioca e a carne de animais exóticos. Também aprende a se banhar todos os dias e a fazer-se amigo das tribos indígenas e, assim, conquistar mulheres indígenas para suprir a ausência das que não trouxe consigo de Portugal.

Trata-se de um amplo processo adaptativo que rompe os limites dos contratos sociais. Esse processo adaptativo, segundo Ribeiro (2002), também deve ser considerado quanto ao uso de tecnologias e quanto aos modos de organização da vida sócio-econômica da colônia no século XVI. Nessa acepção, é preciso considerar que a implantação dos primeiros engenhos açucareiros está vinculada aos antigos núcleos extrativistas que, conforme registrado, garantiram o abastecimento do mercado mundial e viabilizaram as condições sócio-econômicas sobre as quais o Estado Português se edificava. Essa edificação qualificada pelo escambo e pelo trabalho escravo teve por garantia a intensificação desse tipo de mão-de-obra nos canaviais cuja prosperidade tem como marco o ano de 1560, quando os negros e portugueses imigrantes, já adaptados à nova terra, passaram a recorrer a tecnologias avançadas para cultivá -las.

Segundo Ribeiro (2002), essa adaptação tecnológica é proporcional à construção do novo português e dos novos nativos, já mestiços e melhor conhecedores da geografia regional. Observa esse autor que, para compreender o processo de adaptação e uso de tecnologias da época, é preciso diferenciar duas modalidades de

engenho: aquele movido a energia hidráulica e o movido por tração animal, fosse ela circunscrita à força de bois e cavalos propriamente dita ou pela força do escravo negro.

Havia, assim, uma hierarquia entre estes dois tipos de engenho:

a) aqueles movidos à energia hidráulica tinham alta produtividade, de modo a responderem por quatro mil pães de açúcar a cada colheita, além de moerem a cana plantada em suas próprias terras e aquela plantada por seus vizinhos. Esses proprietários tinham em torno de si uma grande variedade de mão-de-obra especializada: o mestre de açúcar, o purgador, os calafates, os carpinteiros, os pedreiros, os carreiros, os oleiros, os vaqueiros, os pastores, os pescadores, os caixeiros, os feitores - bem como um grande número de escravos para os trabalhos da lavoura e domésticos e instrumentos de trabalho como: enxada, foice, moenda, arado, pá, picareta...

b) aqueles movidos a tração animal-humana eram desprovidos da maioria desses recursos, de modo que a sua produtividade era bastante baixa, pois alguns deles dependiam da tecnologia dos engenhos reais até mesmo para moer a cana. Os proprietários desses engenhos deixavam de se entusiasmar com a cultura da cana diante das dificuldades que encontravam não só para derrubar a mata, preparar o solo para o cultivo da cana e transformá-la em produto manufaturado, de modo que havia grande rotatividade dos proprietários desse tipo de engenho.

Observa Vainfas (2000) que o engenho de Mem de Sá, fundado após a sua chegada ao Brasil, estivera por um período em mãos de sua irmã, Condessa de Linhares, e posteriormente fora transferido aos jesuítas: uma prática bastante comum, no século XVI, que transformou muitos jesuítas em Senhores de Engenho.

Já na dimensão associativa, segundo Ribeiro (2002), observam-se os modos de organização da vida social e econômica, devido à substituição da solidariedade

elementar, fundada no parentesco do mundo tribal, por meio de formas de estruturação social do mundo capitalista que teve o engenho como marco de sua fundação.

O encontro de um novo mundo com a velha Europa, portanto, não significou para os europeus apenas a ampliação de suas rotas, mas também o novo processo de aprendizagem e de ensino, pois eles se viram obrigados a interagir com povos nunca antes vistos e a se voltarem para a aprendizagem de línguas desses povos nativos, descobrirem novas espécies animais e vegetais. De esse descobrir e interagir com o novo mundo, não só ambas as línguas foram enriquecidas, como também os costumes de cada mundo representados na língua por designações que se remetem a novos recortes culturais.

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