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O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA BRASILEIRO

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Academic year: 2018

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EUNICE MARTINS MÓRRA

O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA

BRASILEIRO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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EUNICE MARTINS MÓRRA

O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA

BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profª Drª Jeni Silva Turazza.

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EUNICE MARTINS MÓRRA

O LÉXICO NO SÉCULO XVI: UM ESTUDO DO IDIOMA

BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa.

Profª Drª Jeni Silva Turazza – Orientadora

Prof. Dr. Jarbas Nascimento Vasconcelos — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

Ao Grande Arquiteto do Universo por me orientar através de seus Mestres.

À Vida por me conceder a oportunidade de existir como pessoa.

A meus Pais pela orientação, carinho, colo que, muitas vezes, necessitei e com muito amor e compreensão me acolheram nesta vida.

A meu irmão César pela força que fez para instrumentalizar-me na Era da Informática.

A meus Professores pela dedicação e carinho que sempre me foi dispensada na busca de me orientar e compreender o quanto eu desejava obter o conhecimento necessário para ser de fato uma Educadora.

A meus colegas que, na verdade, foram meus irmãos nesta experiência fantástica que a vida me proporcionou.

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RESUMO

Esta Dissertação, situada na linha de pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa, compreende uma investigação exploratória, cujo objeto de estudo está circunscrito ao vocabulário do idioma português brasileiro, no século XVI. Postula-se que a idiomaticidade se inscreve na transformação do léxico do português arcaico-provençal que, transportado para as Terras do Brasil, com o colono que com ele se deslocou, foi cultivado tal qual o solo da nova colônia. Nesse processo de cultivo, de que resultou a aculturação do branco, do índio e do negro, esse vocabulário se renova para se adaptar ao contexto de um outro território, de sorte a incorporar novas semias e, assim suprir a falta do próprio vocabulário do português arcaico provençal. Contudo, essas novas semias são ainda insuficientes, fazendo-se necessário incorporar, ao seu campo lexical, palavras de origem indígena e africana, devido a nova geografia, fauna e flora. Desse processo de mudanças semêmicas e de incorporações tem-se novas/outras lexicalizações que vão diferenciando o idioma brasileiro do português propriamente dito, pela edificação de novas arquiteturas, cujo suporte é o mesmo sistema lingüístico: aquele que qualifica os processos de codificação de conhecimentos de mundo, formalizados pela língua portuguesa. A distinção entre estrutura e arquitetura facultou diferenciar língua de idioma — ponto de partida adotado para examinar a idiomatização do português provençal arcaico, tendo como parâmetro os processos de lexicalização — e considerar tanto o português do Brasil, quanto o de Portugal, bem como o de outras nações como idiomas produto de línguas de culturas diferenciadas que conviveram e convivem em espaços geográficos diferentes e que, hoje, tipificam territórios distintos que se tornaram Estados Nacionais. Essas diferentes línguas que fizeram desses espaços territórios bilíngües deixaram-se inscrever no sistema vocabular desses idiomas, de sorte a assegurar a eles visões de mundo que, embora distintas, se apresentam similares quanto à forma que estrutura o campo de seus respectivos vocabulários. Norteado por um objetivo geral — buscar explicitar as permanências pelos modelos de deslocamento referente à estruturação e organização desse processo de idiomatização — o percurso investigativo está traçado por duas focalizações. Uma que configura o caráter historiográfico da constituição do idioma na terra dos papagaios; outra referente aos quadros dos estudos lingüísticos que privilegiam o léxico como instância capaz de apontar semelhanças nas diferenças entre modelos de organização e representação de conhecimentos de mundo formalizados por um mesmo sistema lingüístico. Dos resultados obtidos, por meio de procedimentos analíticos orientados pelo estudo de campos semântico-discursivos, tem-se que o português arcaico provençal, implantando em território brasileiro, idiomatiza-se e se torna a língua oficial de uma colônia transmudada em Estado Nacional, no século XIX. Tal idiomatização apresenta diferenças pouco significativas no âmbito gramatical o que não permite considerar a existência de línguas diferentes. Já no âmbito lexical, esse processo de idiomatização, implicando a construção de pontos de vista diferenciados pelos quais os conhecimentos de mundo são organizados, estruturados e formalizados por categorias de línguas, pode qualificar o idioma brasileiro na sua diferença com aquele de Portugal.

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ABSTRACT

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .... 9

CAPÍTULO 1AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI E A EXPANSÃO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS 1.1 Considerações iniciais ... 16

1.2 As ações colonizadoras pelos sentidos do colo, culto e Cultura: “O Colo de Cultus(rus) na Colônia” ... 17

1.3 Ações colonizadoras e estratégias de colonização ... 22

1.3.1 Propósitos e objetivos da travessia do Atlântico... 23

1.3.2 Estratégias para mudança de modelo de representação: buscas de novos conhecimentos... 24

1.3.3 Estratégias de rupturas de contrato ... 27

1.3.4 Estratégias para o domínio dos caminhos do mar: tratados de soberania ... 29

1.3.5 Estratégias de ocupação ... 32

1.3.5.1 O desterro... 33

1.3.5.2 Estratégias de miscigenação ...35

1.3.5.2.1 O valor da prole mameluca... 36

1.3.5.3 O patrulhamento e as feitorias ... . 38

1.3.5.4 A implantação de vilas ... 39

1.3.6 Estratégias administrativas na Colônia ... 41

1.3.6. 1 O sistema de capitanias hereditárias ... 41

(8)

1.3.7 Estratégias de exploração ... ... 46

1.3.7.1 O escambo e a exploração do pau-brasil ... 48

1.3.7.2 Estratégias de resgate...50

1.3.7.3 A escravidão e as lavouras da terra ... ... 52

1.4 Considerações finais ... 55

CAPÍTULO 2 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI: LÍNGUAS EM CONTATO, LÍNGUAS DE CONTATO E EMPRÉSTIMOS 2.1 Considerações iniciais ... 59

2.2 O Processo de idiomatização ou dialetação em terras de Portugal: retrospectiva ... ... 62

2.2.1Lexicalização e gramaticalização da língua portuguesa... 65

2.2.2.1 Substrato ... 71

2.2.2.2 Superstrato ... 72

2.2.2.3 Adstrato ... ... 75

2.3 O português implantado e transformado no Novo Mundo ... 78

2.4 A Lexicalização e a gramaticalização da língua geral ... 82

2.4.1 A extensividade do uso da língua geral ... ... 83

2.4.2 O dicionário e o seu papel... ... 85

2.4.2.1 Alguns princípios do dicionário anchietano ... 86

2.4.2.2 Alguns princípios da gramática anchietana ... 89

2.5 Substrato e adstrato do português brasileiro ... ... 97

2.6 Anchieta: o pesquisador ... ... 102

2.6.1Os jesuítas educadores ... ... 103

2.6.1.1 Os jesuítas e o ensino básico ... 103

2.6.1.2 O plano de estudo dos jesuítas ... 104

2.6.1.3 Os jesuítas e o ensino superior... ..107

2.7 Outras ações dos jesuítas ... 108

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CAPÍTULO 3A LEXIA E SUAS EXPANSÕES NO SÉCULO XVI: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE

3.1 Considerações iniciais ... 116

3.2 A origem da concepção do termo “campo” ... 119

3.2.1 A distinção entre lexia, vocábulo e palavra ... 120

3.3 A organização dos conhecimentos lexicais na memória ... 121

3.3.1 Os conhecimentos lexicais e os processos de categorização... 124

3.3.2 A organização dos conhecimentos lexicais por redes ... 128

3.4 O funcionamento sígnico e simbólico no século XVI ... ... 141

3.5 Considerações finais ... 144

CONCLUSÃO... 146

BIBLIOGRAFIA ... ... 157

ANEXO 1 ... 169

ANEXO 2 ... 189

ANEXO 3... 197

ANEXO 4... 203

ANEXO 5... 212

ANEXO 6... 214

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INTRODUÇÃO

Esta Dissertação situa-se na Linha de Pesquisa História e Descrição da Língua Portuguesa do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da PUC/SP e está circunscrita a um estudo sobre a formação do vocabulário do idioma Português-Brasileiro, no fluxo do tempo delimitado ao século XVI. Trata-se de uma investigação de caráter exploratório por meio da qual se busca examinar a constituição de um novo vocabulário, cuja matriz deve explicar a formação de uma outra comunidade lingüística, a brasileira e, conseqüentemente, a criação de um outro idioma que tem por suporte o sistema lingüístico do português. Esse processo de construção de outras/novas matrizes lexicais, embora incorpore aquelas que qualificam a língua portuguesa d’além mar, delas se diferencia por abarcar matrizes do vocabulário indígena e africano, de modo a melhor configurar o substrato do idioma português brasileiro e dar a ele identidade própria. Neste sentido, o trabalho de investigação proposto contribui com estudos que visam compreender a identidade de um novo povo, alocado em território americano, fundador de uma nova nacionalidade e Estado Nacional, no século XIX.

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do qual esse território é dividido em dois grandes blocos, quais sejam, terras sob domínio português e terras sob o domínio espanhol.

O foco incide sob as terras controladas, política e economicamente, pelo Estado Português, no século XVI. É nos limites das terras, acima enunciados, que virá a ser edificada a chamada Nação Brasileira, inscrita no fluxo de um processo complexo cuja história é povoada por uma narratividade que se explicita nas próprias matrizes da formação de Língua Nacional. Resgatar essas matrizes é contribuir com os estudos historiográficos e identitários, registrados na memória de longo prazo e, lexicalmente, formalizados em língua.

A identidade nacional está compreendida como uma construção referente à criação de uma consciência fundadora da percepção que os membros de uma dada sociedade têm de formar uma comunidade. Essa comunidade qualifica-se por ser autora de uma história inerente ao fluxo de suas vivências, por meio da qual essa identidade se reveste de diferentes formas, no caso desta Dissertação, o vocabulário da língua portuguesa. Esse processo histórico, em alguns casos, pode estar tipificado por um grau bastante relevante de fatores de ordem cultural; noutros, por fatores de ordem sócio-político-econômica, de modo que o estudo da identidade nacional de um povo exige que se verifique como tais fatores se articulam no tempo da formação de sua própria história. (MATTOSO, 1998).

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processo colonizador instituído pelos portugueses das terras do além -mar, no Continente Americano, circunscrito às Terras do Brasil.

A transformação de territórios colonizados em nações independentes implica a construção da identidade de um povo fundada na consciência da sua diferença com aquele outro que, até então, o colonizara. Essa consciência é garantida por um conjunto de contingências históricas de que emergem a formação de um único idioma, falado pelos membros de uma mesma comunidade lingüística. Neste sentido, segundo Mariani (2004, p. 21)

(...) é preciso compreender que o processo de colonização lingüística é resultante de um acontecimento na trajetória de nações com línguas e memórias diferenciadas e sem contato. Trata-se de um processo histórico de confronto entre línguas com memórias históricas e políticas de sentidos dessemelhantes, em condições assimétricas de poder tais que, a língua colonizadora tem condições políticas e jurídicas para se impor e se legitimar relativamente à(s) outra(s), colonizadora(s).

Por conseguinte, a construção do idioma português brasileiro não se explica apenas por processos de contextualização do português de Portugal, isto é, por efeitos pragmáticos do uso daquela língua em terras brasileiras. Trata-se de um processo de historicização em um outro território ocupado por povos que falavam línguas indígenas diferentes, mescladas pelo contato não só com o branco europeu, mas também com o negro africano. Desse contato, o processo de constituição da língua portuguesa explica-se pelo uso real, em um tempo e em uma espacialidade configurados por práticas discursivas qualificadas por novos modelos de interação comunicativa. É nesse tempo, circunscrito ao século XVI, que esta investigação busca se situar tendo por parâmetro a construção da unidade lingüística do território brasileiro por meio do processo de idiomatização da língua portuguesa.

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capazes de garantir a construção de um sistema gramatical e lexical responsável pela unidade de um povo que partilha vivências comuns: princípio constitutivo de qualquer processo identitário. Entretanto, nesse processo identitário também se inscrevem diferenças de uso e, assim sendo, o segundo movimento, indissociável do primeiro, implica usos variados de um mesmo sistema lingüístico que, se por um lado, distancia colonizador e colonizado, por outro, os aproxima e garante ao colonizado o direito a uma nova identidade lingüístico-cultural.

Tais diferenças se inscrevem, ao mesmo tempo, no léxico desses dois idiomas e nas regras gramaticais do Português Brasileiro, semelhantes, mas não iguais àquelas de Portugal. Dessa feita, a identidade lingüístico-cultural é contratual. Sapir (1971), em se tratando do léxico, afirma ser ele o único espaço em que se dá o inter-relacionamento da língua com a cultura, mas adverte que nenhum estudioso da matéria lingüística poderá cometer o engano de identificar o seu léxico com o seu dicionário e tão pouco poderá focalizar o léxico pelo princípio das regularidades gramaticais. Nessa acepção, considera Coseriu (1979) que entre a designação e a significação própria de uma língua em suas relações distintivas há de se considerar a significação cultural: aquela instalada em uma língua enquanto rede conceptual, através da qual se côa e se escoa a experiência vivida por seus usuários.

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desde os primeiros tempos da colonização do Brasil, nos documentos literários, nas cartas dos jesuítas e nas crônicas dos antigos historiadores aparecem os primeiros vocábulos de origem americana. Esse vocabulário colonial é a primeira diferenciação da língua portuguesa na América; mas, em geral, consiste em expressões técnicas e peculiares no Novo Mundo, coisas e objetos, plantas e frutos, animais e seres novos, que não tinham designação específica na língua dos conquistadores.

Assim sendo, a idiomaticidade brasileira da estrutura da língua portuguesa se explica por processos de gramaticalização e incorporação da arquitetura lexical de outras línguas de cultura que, no século XVI, eram línguas em contato, mas nos séculos seguintes fizeram do português brasileiro uma língua de contato. Nesse processo de transmudação, o português do Brasil se faz língua oficial de uma outra nacionalidade: a brasileira, e garante a fundação da independência e da república do Brasil. Trata-se do uso oficial da língua portuguesa. Segundo Sousa da Silveira o nosso idioma nacional

é o português, não tal qual se fala em Portugal, mas com a pronúncia diferente, pequenas divergências sintáticas e o vocabulário grandemente opulentado por numerosas palavras indígenas e africanas, e outras criadas ou adotadas em nosso meio. (apud LIMA SOBRINHO, 2000, p. 69)

O objetivo geral a que se propõe atingir, no curso desta investigação, é o de explicitar esses dois movimentos fundadores da identidade do povo brasileiro inscritos nos registros da idiomatização da língua portuguesa. Para tanto, tem-se por objeto de estudo a constituição do sistema lexical do português do Brasil. Esse objetivo geral será mensurado pelos seguintes objetivos específicos que, por sua vez, estão materializados no corpo desta Dissertação por três capítulos, quais sejam:

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lingüística e as estratégias utilizadas pelo colonizador para garantir a interação com povos a eles estranhos;

b) um segundo capítulo de caráter teórico, por meio do qual se busca organizar conhecimentos referentes aos quadros dos estudos lingüísticos, privilegiando o léxico como instância capaz de apontar semelhanças nas diferenças entre modelos de organização e representação de conhecimentos de mundo — arquitetura — formalizados por um mesmo sistema lingüístico. O objetivo deste capítulo é diferenciar sistema lingüístico de idioma, com vistas a verificar o processo de idiomatização da língua portuguesa em terras do Brasil, bem como compreender o movimento circunscrito entre as línguas nativas e da metrópole, cujo marco é o século XVI;

c) um terceiro capítulo, de caráter teórico-analítico por meio do qual se busca analisar o vocabulário que constitui o léxico do século XVI, em Terras do Brasil, com vistas a verificar a organização dos conhecimentos de mundo por campos semânticos, para precisar as diferenças, inscritas nas designações, entre o uso da língua portuguesa na colônia e na metrópole, ou dizendo de outra forma, para designar o velho e o novo ou o novo pelo velho.

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A metodologia empregada para o desenvolvimento desta Dissertação abarca os seguintes passos:

a) desvendar por movimentos de leituras crítico-reflexivas autores que facultam revisitar e reinterpretar a História do Brasil colônia do século XVI para melhor compreender as matrizes constitutivas do idioma brasileiro;

b) organizar esse conjunto de leituras pelo eixo temático proposto para o desenvolvimento do tema no referido projeto, atribuindo relevo às ações colonizadoras;

c) ler obras teóricas sobre a formação da língua portuguesa, na Península Ibérica, a constituição do seu vocabulário, do seu sistema gramatical e seu ensino transplantado para a América;

d) buscar fundamentos teóricos no campo da lexicologia para facultar o estudo de conteúdos lexicais, de modo a poder compreender diferenças na organização de conhecimentos de mundo por povos de diferentes culturas e usuários de línguas diferentes;

e) realizar leitura compreensiva de teorias referentes à estruturação e organização de campos lexicais visando a um procedimento analítico do corpus: pequeno exemplário do uso vocabular no século XVI de algumas lexias da classe de designação.

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CAPÍTULO 1 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO

SÉCULO XVI E A EXPANSÃO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS

1.1 Considerações iniciais

A Historiografia é um espaço de investigação que se oferece ao pesquisador como lugar que lhe faculta dirigir o olhar para o já visto, de modo a “olhar novamente” para apanhar o que se julga novo, quando se percebe e se apreendem rupturas naquilo que se repete. Nesse sentido, ela é compreendida como o locus de intervenção que se manifesta nas práticas discursivas dos historiadores, com a finalidade de recontextualizar a História para além dos limites das ações de caráter estatal que regem a vida pública e o espaço social. Resgatar a História do século XVI nas suas relações com a História do Brasil desse mesmo período é mergulhar num tempo em que o “Brasil não era ainda o Brasil”, mas tão somente a América Portuguesa, a qual foi chamada de terra dos Papagaios (=araras), terra de Vera Cruz e terra de Santa Cruz. (CORRÊA, 2004).

Trata-se de um tempo povoado por encontro s entre diversidades lingüístico-culturais e habitado por necessidades de aprendizagem de um outro/novo sistema de codificação lingüística capaz de facultar a comunicação entre homens de falas estranhas, incompreensíveis. Tais falas eram configuradas por contingências sobre as quais nenhum dos interlocutores – aqueles que aqui estavam e os que aqui chegavam – tinham qualquer domínio, pois os modelos para significar o mundo por eles vivenciado revelam-se insuficientes para representar o que se fazia estranho , não familiar, para cada um deles. Esse encontro faz do Brasil um país um pouco mais plurilíngüe.

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diferentes vindos “milagrosamente sobre as ondas do mar grosso. Não havia como interpretar ‘esse outro homem’, que tanto podia ser feroz como pacífico, espoliador ou doador.” (RIBEIRO, 2002, p. 42). Assim, o século XVI tipifica-se por um tempo de encontros entre homens diferentes e de descobertas do “outro”: o estranho ou estrangeiro.

Este capítulo busca compreender esses encontros e descobertas como matrizes fundadoras de um novo espaço que, povoado pelo esforço da compreensão, exigiu desses nossos antepassados habilidades para negociar suas diferenças a fim de construir um lugar para nele edificar suas semelhanças. Dessas semelhanças emerge um outro lugar ocupado no continente americano. Tais habilidades implicaram o uso de várias estratégias de que resultaram a idiomatização da língua portuguesa. Esse processo de idiomatização se qualifica no fluxo do tempo de colonização e, segundo Bosi (2002, p. 15), “se explica por ações que reinstauram e problematizam o cultivo, o culto e a cultura”.

1.2 As ações colonizadoras pelos sentidos de colo, culto e cultura — “O Colo de Cultus (rus) na Colônia”

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“cultivo”, faz-se colono: - trabalhador que cultiva terras em lugar de seu dono. Tem-se, ainda como produto desse deslocamento a mudança de sentidos e do valor de “posse”, na medida em que o “cultivador” transforma a terra que o íncola herdara, visto ser ela transmudada pelo colono e com ela seu antigo proprietário, na mesma proporção em que ele muda seu estado de antigo inquilino. Nessa acepção, a colônia é um lugar que se faz ocupado por meio do cultivar idéias, conhecimentos, pontos de vista diferentes, alimentos, objetos ou utensílios, de modo que esse trabalho de cultivo deve ser compreendido não só na dimensão do solo, mas também do seu antigo proprietário, ou seja, a terra e o homem.

Observa-se que esse ato de trabalhar o “outro” tem por fundamento a socialização que é indissociável da aculturação: trocas de bens culturais, de saberes entre homens que se estranham, mas buscam por meio do uso da linguagem se compreender, comunicar uns com os outros, ainda que façam uso de sinais rudimentares como os gestos. O código gestual é ponto de partida para a reconstrução de seus respectivos sistemas de referências, com vistas a torná-los comuns; todavia tais sinais, na medida em que se tornam significativos, auxiliam na construção de modelos de representação do mundo, pois esse processo exige a reelaboração dos códigos culturais de que cada um deles faz uso como o da alimentação, do vestuário, da música, da dança e, dentre eles, aquele que transcodifica todos os demais: a língua. Assim, o português, que era navegante, aprende a caçar animais que lhe eram desconhecidos, pois assar o peixe já era de domínio do seu conhecimento alimentar, por exemplo.

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Esse português que irá se construir como “brasileiro” 1 (eiro = trabalhador do Brasil) arrasta no seu inquilinato suas representações do mundo da vida, incorporando a ele aqueles do seu mundo do trabalho, ou seja, modelos de produção que lhe asseguram viver em companhia de outrem e com eles estabelecer relações de poder, fundadas no mundo político e econômico de uma formação sociocultural de caráter medieval, que está sendo transmudada e modernizada. Esse processo de transmudação,

(...) não se esgota na reiteração de esquemas originais: há um plus estrutural de domínio, há um acréscimo de forças que se investem no desígnio do conquistador emprestando-lhe às vezes um tonus épico de risco e de aventura. A colonização dá um ar de recomeço e de arranque a culturas seculares. (BOSI, 2002, p. 12).

A busca por essa tonalidade épica levou a Espanha, em 1556, a proibir por decreto o uso das palavras conquista e conquistadores que deveriam ser substituídas por descobridores, descobrimento, descoberta, povoadores e habitantes. Assim procedendo, a Espanha visava a impedir que se sedimentassem significados que habitam a matriz de colo do tipo “cuidar”, “mandar”, “tomar conta”, em razão dos usos freqüentes dessas formas vocabulares, naquela época, com tais sentidos que faziam remissão a modelos de processos de socialização dos quais são cancelados os de aculturação para privilegiar valores que emergem do “poder de controle” do mais forte sobre o mais fraco.

Os significados de cultus, focalizados como particípio passado são mais densos, pois neles se inscrevem os significados de colo – cultivar, lavrar a terra por séculos afora – mas se estendem para além deles, pois abarca outras dimensões de sentidos cristalizados: o conjunto de ações vivenciadas por meio do trabalho, bem como a

1

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qualidade já incorporada à terra lavrada. Assim, funde-se a esses significados a concepção de trabalho sistemático, bem como o de valorização dos agentes que por ele respondem de modo qualitativo e quantitativo, no espaço da vida social pública, ou seja, do mundo do trabalho, dele excluído o mundo da vida. Logo, não só os esquemas sociais dos processos de produção, mas também os seus valores sociais são arquivados na memória de longo prazo. Por conseguinte, o cultus traz consigo os sentidos de lavrar e com eles aqueles do suor coletivo, derramado na luta travada diariamente entre o homem e a terra que, agora cultivada, possibilita narrativas de histórias desse cultivo.

Tais narrativas têm a terra como espaço, o homem como personagem e o passado distante que, indexado ao presente do mundo narrado do Brasil Colônia, constrói o fio de uma história por meio da qual passa a evocar e invocar, pelo exercício da fala, os mortos que habitam as lembranças. Considera Bosi (2002, p. 14-15) a necessidade de

(...) amarrar os dois significados desse nome-verbo que mostra o ser humano preso à terra e nela abrindo covas que o alimentam vivo e abrigam os mortos: a) cultus (1): o que foi trabalhado sobre a terra; cultivado; b) cultus (2): o que se trabalha sob a terra; culto; enterro dos mortos; ritual feito em honra dos antepassados e, os mortos se fazem heróis evocados e invocados em cada presente nas lembranças.

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fundamentos de projetos a sere m planificados por meio de recursos que garantam executá-los. Tal execução implica elaborar planos de ações que, estratégica e taticamente organizados, assegurem a conquista de metas configuradas por propósitos e/ou objetivos gerais que se busca conquistar. (TURAZZA, 2005, p. 62-63).

Nessa acepção, a mola propulsora das projeções humanas é o presente; contudo, nele está fatalmente incrustado o passado, de modo que os significados de cultura sempre se inscrevem num dado tempo do presente que, se por um lado, enlaça o passado, por outro, projeta -o para além de si. Essa tessitura entre passado e futuro, incrustada no presente, é garantia de que o termo “cultura” seja genericamente definido como conjunto de práticas, símbolos, valores e técnicas que, socialmente compartilhadas, são transmitidas entre gerações para tornar certa a reprodução da coexistência social por meio da conjunção passado-futuro, sem o que não se define e tampouco se compreende o presente de uma dada contemporaneidade.

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Nesse processo de transmudação, cujo marco é o encontro com o desconhecido e o esforço para compreendê-lo e dominá-lo, emergiu uma outra/nova consciência entrelaçada na trama de uma história, cuja resolução dos conflitos de seus episódios explica-se por variadas estratégias. Dessas estratégias tem -se a formação de um novo povo e da língua portuguesa como variação do sistema lingüístico do português. Entretanto, em se tratando do século XVI, ao qual esta investigação faz referência, não se pode falar sobre a existência de uma comunidade lingüística, pois para Martinet (1964) o termo “comunidade lingüística” deve ser empregado para designar a existência de uma ou mais línguas capazes de assegurar a comunicação efetiva entre homens que habitam um dado espaço territorial. Por conseguinte, “comunidade” e “língua” são concepções asseguradas pela prática da comunicação: um empreendimento, um trabalho a várias mãos que tem como marco inicial o século XVI, mas que nele não se esgota.

1.3 Ações colonizadoras e estratégias de colonização

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Por tais considerações pode-se compreender que, entre 1500 — tempo de descoberta — e 1532 — tempo da primeira expedição comandada por Martim Afonso de Souza, o modelo colonizador brasileiro se qualifica muito mais como ocupação do que exploração propriamente dita. Tal modelo aliado ao o fato de a coroa Portuguesa não ter recursos para explorar as terras descobertas no continente africano e americano e, ao mesmo tempo, comercializar com as Índias fez com que ela optasse por usar estratégias de ocupação e só posteriormente a essa data revertesse suas ações colonizadoras para o modelo de exploração. Todavia, essa interpretação dos modelos de projetos de colonização por que se busca traçar limites entre a colonização da América do Norte e o da América do Sul não se sustenta quando se focaliza a colonização brasileira para melhor compreendê-la por uma dessas modalidades de projeto. (BUENO, 1998).

1.3.1 Propósitos e objetivos da travessia do Atlântico

Afirmam os historiadores que a planificação do projeto português de que resultou o evento extraordinário das grandes navegações se deveu à busca de soluções para dois grandes problemas vivenciados pelo novo reino ibérico, formado a partir do condado de Porto Cale, em 1097, no século XI, que teve o conde D. Henrique como seu idealizador: o abastecimento e a sustentação do reino. Assim, no século XV, ano de 1419, o Infante D. Henrique, “O Navegador”, projetava explorar o mar Tenebroso, ciente de que por ele estenderia o poder do seu reinado para além dos limites que esse mesmo mar impunha ao seu reino.

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econômico e de organização estatal instituída com a queda da Idade Média, de modo a garantir a inserção dos povos medievais na Idade Moderna. Tornava-se inviável a conquista dessa meta em razão do fechamento dos caminhos para o comércio no mar Mediterrâneo, decorrente de taxas exorbitantes cobradas pelos turcos para que as embarcações pudessem circular pelos caminhos do Mediterrâneo, o que exigia a produção cada vez mais crescente de valores em espécie pelos reinos da Ibéria. (LEAL, 2001 e MAZZEO, 1997).

1.3.2 Estratégias para mudança de modelo de representação: buscas de novos conhecimentos

Nesse contexto de dificuldades, o olhar de D. Henrique recaía sobre o mar Tenebroso: obstáculo milenar para as navegações, devido às lendas que impediam os navegantes ibéricos de nele lançarem suas embarcações em busca de novas paragens e aventuras. Mas o rei acreditava que a solução para tais problemas estava diante dos olhos portugueses; contudo, aquela seria uma tarefa para visionários, visto ser necessário transpor o mar imaginário dos navegantes do seu tempo. Para tanto, eles precisariam deixar de crer na possibilidade de que ao navegá-lo cairiam no abismo que, supostamente, haveria nele quando se cruzasse a linha do seu horizonte traçada pelo olhar em terra firme. Os seres marinhos gigantescos que habitavam esse mar Tenebroso e que devorariam aqueles que ousassem ultrapassar essa linha lendária eram um produto da imaginação, de uma crença que só o conhecimento poderia diluir. Tal era o problema com que se deparava o rei português. (BUENO, 1998).

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viagens pelas terras do mundo de sua época. D. Henrique também se incumbiu de trazer para sua corte sábios, cartógrafos, astrônomos e astrólogos – especialmente judeus que, desde meados do século XIV, fugiam das perseguições que se desencadeavam na Espanha. Dentre esses perseguidos estava Jehuda Cresques, filho de Abraão Cresques, brilhante cartógrafo e autor o célebre Atlas Catalão. Com esses refugiados, D. Henrique fundou a Escola de Sagres, em 1433, assim chamada por se situar na vila de Sagres. Ali, construíram um observatório astronômico, oficinas para construção de embarcações, bem como salas de estudo. (BUENO, 1998 e ENCICLOPÉDIA DIGITAL “O ESTADÃO”, 2005).

Os conhecimentos produzidos pelos estudiosos de Sagres foram assegurando um conjunto de informações que garantiam a exploração dos caminhos do mar Tenebroso, de modo a que esse fosse gradativamente explorado pela arte da navegação: um feito resultante da sabedoria de um rei que, para planificar um conjunto de ações de seu projeto de governo, compreendeu ser necessário valer-se de novos conhecimentos para reconstruir velhos modelos de representação do mundo do seu próprio povo. Esses novos conhecimentos facultaram a tra nsformação das galés, birremes e trirremes portuguesas em naus e caravelas que se valendo da força dos ventos foram possibilitando aos navegantes explorar, a princípio, as costas portuguesas e se defrontarem com várias ilhas deles desconhecidas até então. E, por fim, descobrir a costa do continente africano: o grande achado daquela época. (BUENO, 1998 e ENCICLOPÉDIA DIGITAL “O ESTADÃO”, 2005).

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negociados com os portugueses, de modo a lhes servir de mão-de-obra para o trabalho braçal: razão pela qual a escravatura é matriz da formação do Estado Português Moderno e, conseqüentemente, do sistema de produção nas suas colônias. Há de se considerar, ainda, que a aquisição de escravos também era obtida pela força bélica dos portugueses, superior àquela dos povos nativos que não haviam alcançado domínio sobre tecnologias de que se valiam os portugueses, pois os nativos ainda faziam uso da lança, arco e flecha, tacape para suas conquistas por meio da guerra. (SOUTO MAIOR, 1972).

Nesse contexto de reinterpretação da história oficial, o feito de D. Henrique – um monge guerreiro, cavaleiro da ordem de Cristo, herdeiro das tradições e conhecimentos dos Templários - garantiu a seus sucessores outras descobertas de novas terras, habitadas por íncolas desconhecidos dos ibéricos, bem como a expansão dos reinos de Portugal e de Castela. Tal expansão teve como fundação e fundamento os negócios da coroa e da fé cristã, pela qual foi moldada a formação educacional daquele rei visionário e de um reinado que alcançou o continente americano: espaço em que se situam as fronteiras do Brasil.

1.3.3 Estratégias de rupturas de contrato

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Tal informação também se faz presente no seguinte registro:

(...) quando Cabral partiu para a Índia, não só por cálculo e estudo, como por uma viagem anterior de que guardara sigilo, os portugueses sabiam da existência de terras a oeste. Por estudos vindos a lume recentemente, está averiguado que Pedro Álvares Cabral, desviando-se do roteiro de sua viagem, sabia muito bem o que queria, porque o grande navegador que foi um dos maiores nomes da epopéia marítima de Portugal, não ignorava a existência das vastas regiões por ele descobertas e de que imediatamente tomou posse, em nome do seu rei. Seu avô Fernão Álvares Cabral foi guarda -mor do Infante D. Henrique, fundador da Escola de Sagres. (LELLO UNIVERSAL, s/d)

Segundo informações da história oficial, Cabral e sua frota zarpam em direção às Índias orientais; contudo, para Bueno (1998), em um dado momento e lugar, previamente estabelecido nos documentos de Vasco da Gama, a esquadra muda o curso da viagem, que duraria quarenta e quatro dias. A tripulação, dias antes de 22 de abril, enche -se de esperanças ao identificar naquele mar certos tipos de algas como as “botelhos” e as “rabo de asno”, interpretadas como “proximidade da esquadra com a terra firme”. A esses sinais, no alvorecer da manhã seguinte, acrescentam-se aqueles referentes à leitura do grasnar de aves marinhas, no vôo entre os mastros e as velas da esquadra, confirmando a interpretação dada à presença no oceano das algas. Esses indícios garantiriam a explosão de alegria registrada no enunciado “Terra à vista”, quando os olhos dos marinheiros pousaram sobre o Monte Pascoal na Bahia, em 22 de abril de 1500, assim designado por ser domingo de Páscoa: um tempo em que se comemora a vida pela ressurreição do Cristo crucificado. Desta feita, depois de meses no mar, submetidos a privações e à doenças, distantes de suas famílias e da terra de origem, encontram a Terra dos Papagaios, o Paraíso já registrado em mapas da Idade Média. Assim, tal qual o Cristo ressuscitado que ascendeu ao céu, os portugueses alcançam a nova terra: fonte de uma nova vida. Plantam no solo da nova Terra, que acreditavam ser uma ilha, a Cruz verdadeira de Cristo, assim concebida em razão do dia da sua descoberta, e designam à nova terra Ilha de Vera Cruz. (CORREA, 2004).

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descrita na redação, em língua portuguesa do século XVI, na carta de Pero Vaz de Caminha. Nela o capelão-escrivão Pero Vaz de Caminha descreve o nativo da terra, determina -lhe a raça, o idioma e a religião que seria aquela que o povo Ibérico legaria ao continente sul-americano. A terra recém-avistada, a ilha como supunham, foi batizada de Vera Cruz e, logo em seguida, de Santa Cruz, conforme a determinação do rei D. Manuel. Esse monarca herdeiro da sagacidade de D. Henrique envia novas expedições para registrar rios, cabos, ancoradouros naturais, ilhas, as quais seriam batizadas com nomes do calendário litúrgico, como as realizadas por Gonçalo Coelho e Américo Vespúcio em 1501 e, depois, em 1503. (BUENO, 1998).

Várias expedições chegaram a esta nova terra para mapeá-la e determinar sua posição nas linhas dos meridianos terrestres. Para tanto, fez-se uso dos instrumentos da época: o astrolábio, para indicar a latitude; as Tábuas da Índia – espécie de “balestrilha” usada pelos pilotos árabes para avaliar a latitude à noite e para medir a altura das estrelas. Constituída por duas réguas, uma horizontal (o virote), com escala em graus, outra vertical (a soalha), alinhava-se à extremidade inferior da soalha com a linha do horizonte, enquanto a superior era alinhada após esse alinhamento, de modo a marcar a altura da estrela em graus, precisando a latitude mais adequada, durante a navegação. Esses navegantes também faziam uso de outros instrumentos como: a) agulha de marear (espécie de bússola); b) os portulanos - antigos mapas náuticos feitos pelos árabes em peles de carneiro ou em pergaminhos; c) o nortulábio - espécie de astrolábio usado à noite. Tais instrumentos facultavam a leitura da nova posição em relação à terra e astros que habitam o firmamento. Assim, desse hemisfério austral descobriu-se a primeira constelação que viria a funcionar como ponto de referência, para os habitantes desse novo espaço: o Cruzeiro do Sul. (BUENO, 1998).

1.3.4 Estratégias para o domínio dos caminhos do mar: tratados de soberania

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terras, mas também o domínio dos caminhos do mar. A fonte dessas disputas, segundo Vainfas (2000), deve ser considerada em relação aos conhecimentos náuticos, cartográficos e topográficos da época, bastante avançados, se comparados àqueles da Idade Média. Desse modo e à medida que se descobria uma nova rota oceânica ou se chegava por elas a um outro pedaço de Terra, confirmavam -se as projeções medievais de que o mundo não se circunscrevia à Europa e à Ásia. Entretanto, novos mapas precisavam ser construídos; mas, para tanto, fazia-se necessário precisar com exatidão a extensão dessas out ras terras. Esses conflitos entre os dois Estados Ibéricos eram mediados pela Igreja que buscava, por meio de bulas, dissolvê-los para assegurar a convivência o mais pacífica possível entre ambos os reinos.

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Por outro lado, o reino espanhol convivia com a presença constante dos portugueses no Ocidente e se esforçava por dividir o comércio das especiarias com o Estado vizinho, não poupando tempo ou ocasião para assegurar o controle de rotas no Pacífico e reivindicar direitos sobre aquelas do Atlântico. Valia-se, para tanto, de argumentos fundamentados na viagem de circunavegação do globo: um feito de Fernão de Magalhães (1519-21), realizado sob a bandeira de Espanha. Assim, a Espanha exigia dos portugueses o dever de respeitarem esse feito histórico, bem como os limites traçados pelas bulas papais. É nesse contexto de disputas que se firma o tratado de Toledo entre D. João II, rei de Portugal, e D. Fernando de Aragão e Isabel de Castela, reis de Espanha, assinado em 1480, por meio do qual se atribuía a Portugal direito sobre as terras situadas ao sul das ilhas Canárias.

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Firmado na pequena cidade de Tordesilhas, ao norte da Espanha, em sete de junho de 1494, a Capitulación de la partición Del Mar Oceano dividiu as zonas de influência dos países ibéricos – Espanha e Portugal – em dois hemisférios, demarcados de pólo a pólo, cabendo a Portugal as terras “descobertas e por descobrir”, desde que situadas aquém da linha demarcada a 370 léguas a oeste de Açores e Cabo Verde. À Espanha cabiam as terras que ficassem além desta linha. Esse Tratado, na verdade, alterava o estabelecido pela bula Inter Coetera, de 1493, pelo arbítrio do papa Alexandre VI (espanhol, da família Bórgia) que concedia à Espanha a posse das terras “descobertas ou por descobrir” desde que estivessem localizadas a partir de uma linha demarcada a 100 léguas a oeste de Cabo Verde. Observa-se que o Tratado de Tordesilhas limitava consideravelmente a área de influência de Portugal; pois, até então, era ele o beneficiário exclusivo do poder de dominação e cristianização dos territórios e povos conquistados em terras de infiéis que, agora, deveria ser partilhado com o poder do Estado Espanhol. Nesse contexto de interpretação dos documentos históricos, cabe ressaltar que

(...) antes mesmo do achamento do Brasil, o Vaticano estabelece as normas básicas de ação colonizadora, ao regulamentar, com os olhos ainda na África, as novas cruzadas que não se lançavam contra hereges adoradores de outro Deus, mas contra pagãos e inocentes. É o que está registrada na bula Romanus Pontifex de oito de janeiro de 1454, do papa Nicolau V, e mais tarde, o Vaticano através da bula Inter Coetera, de quatro de maio de 1493, quase nas mesmas palavras que a bula anterior, assegura, que também o Novo Mundo era legitimamente possuível por Espanha e Portugal, e seus povos também escravizáveis por quem os subjugasse. (RIBEIRO, 2002, p. 39-40).

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do Estado Nacional. Essa identidade implica a transferência e o deslocamento de categorias não só de posse da terra, mas também do homem livre para o homem escravo. Esse modelo de transferência se inscreve, portanto, no projeto da Igreja, planificado pelo Estado Português. Nessa acepção, torna-se bastante complexo considerar que as matrizes dos projetos de colonização desses Estados Católicos visaram apenas à ocupação; razão por que, se a princípio as terras do Brasil foram tão somente ocupadas, tal fato se devia a questões de ordem econômica. E, assim, por deliberação dos comandantes da Igreja Católica e por decisão dos Estados Ibéricos, se fez a América luso-espanhola (cf. item 1.3 deste capítulo).

1.3.5 Estratégias de ocupação

Observam os historiadores do século XVI que a coroa portuguesa se depara com a necessidade de ocupar as terras da América; entretanto, devido à extensão territorial sob o seu domínio na Península Ibérica, ser reduzida e a população demográfica ser pequena, não era possível despovoar o próprio território o qual era sede central do reino. Acrescenta-se a esta questão, as constantes investidas do reino espanhol para estender seus limites territoriais e ocupar terras sob o domínio do reino português. A solução para o problema de ocupação foi encontrada no “degredo”.

1.3.5.1 O desterro

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sentença, neste caso seria temporário e não poderia ser menor de três anos, nem exceder a quinze anos. (CALDAS AULETE, 1948).

Assevera Bueno (1998) que esses personagens degredados, nem sempre eram assassinos ou ladrões comuns, mas homens que, a serviço da nobreza, praticavam o peculato – desvio de bens públicos em benefício próprio; razão pela qual eram mantidos como funcionários da corte, na nova Terra. Em 1500, o comandante da frota Pedro Álvares Cabral deixou nas terras do novo mundo dois desses personagens, embora devessem eles cumprir a pena de degredo na Índia. Mas, por decisão de Cabral e seus comandantes, aqui eles foram deixados. O não respeito à decisão judicial da coroa foi justificado pela necessidade de que eles aprendessem a língua e os costumes dos nativos, de modo a poderem colaborar com os comandantes de novas expedições que aqui chegassem, transmitindo informações, por meio das quais os portugueses viessem a se sentir mais seguros e a ter maior acesso e domínio sobre os bens que a nova terra lhes poderia oferecer. Em 1502, esses degredados, Afonso Ribeiro e, possivelmente, João de Thomar – foram recolhidos por Gonçalo Coelho e, em razão dos seus relatos, perdoados pelo rei D. Manuel.

Afirma Porchat (1993) que, possivelmente, o misterioso Bacharel da Cananéia seria Cosme Fernandes, também condenado ao degredo em 1501 e que aqui chegando, juntou-se a outros degredados sob sua liderança. Desta feita, o Bacharel ou um de seus homens é responsável pelas informações transmitidas a Martim Afonso de Souza sobre as riquezas e a rota para se chegar à “Sierra de la Plata”, possivelmente uma alusão ao Império Inca. Esse Bacharel prestou inúmeros serviços à Coroa Portuguesa, auxiliando a todos aqueles que o procuravam. Vivia cercado de náufragos e desertores e, assim, detinha conhecimentos preciosos para aqueles novatos que aqui chegavam, pois era um ponto de referência para se aprender a sobreviver na nova Terra ou se deslocar por ela.

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coroa ou vítima de um naufrágio, mas vivia com os indígenas em “Guaiahó”, na ilha de São Vicente, por quem era respeitado e temido. Colaborou com Martim Afonso de Souza na edificação do povoado de São Vicente. Genro do cacique Tibiriçá, o fundador do Povoado de Santo André da Borda do Campo, Alcaide-mor dessa mesma vila. Em 1562, é eleito pelo povo e pela câmara “capitão de guerra da vila de São Paulo”; e em 1562 se torna vereador dessa mesma câmara, tendo falecido em 1580. (PORCHAT, 1993).

Ressalta-se que, em terras do Brasil, uma outra personagem significativa teria sido Antônio Rodrigues: um dos náufragos que chegara à Ilha dos Porcos e fora salvo em 1503 ou 1508. Associou-se a João Ramalho e ao Bacharel da Cananéia na venda de índios e nas pequenas indústrias da terra: cera, mel, óleo, resinas, peles de animais, aves e madeiras ... produtos que eram trocados por artigos europeus. Fabricavam, ainda, bergantins: embarcação a vela ou a remo e reabasteciam os navios que transitavam pelas praias paulistas. É a partir do ano de 1525 que o número de degredados enviados ao novo mundo passa a se tornar cada vez mais intenso, o que justifica o povoamento da costa brasileira. (BUENO, 1998 e RIBEIRO, 2002).

1.3.5.2 Estratégias de miscigenação

A sociedade nativa acolheu degredados, náufragos, desterrados, corsários, tanto portugueses, espanhóis como franceses, porque no mundo daqueles ind ígenas, o mais belo era dar que receber. O costume do povo da terra era oferecer uma moça índia

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A função do cunhadismo com a chegada de europeus se modificou passando às guerras de captura de escravos, isso por ocasião da grande necessidade de mão-de-obra indígena. Outra conseqüência desse sistema social é a geração de milhares de mamelucos, ou seja, fruto da união de europeus e índios. Esses degredados aprenderam a língua daqueles agrupamentos que os acolheu como membros de sua própria família ou como hóspedes e se uniram aos nativos para defendê-los de outros nativos hostis e criaram raízes nessas aldeias. Esses homens tornaram -se os línguas da terra, os mediadores e negociadores. (RIBEIRO, 2002).

1.3.5.2.1 O valor da prole mameluca

Tais homens, ao se unirem aos nativos por laços de família, acabavam tendo uma prole muito grande - o fruto mestiço da terra -, dando origem ao lusotupi ou como foram chamados, mamelucos, pois segundo o costume eles poderiam ter várias esposas. Assim, aqueles que aqui chegavam posteriormente sem família, como no caso dos portugueses que se estabeleceram em São Vicente, em 1532, privados quase todos, em seus primeiros tempos, de mulheres européias foram obrigados a seguir o exemplo de João Ramalho: procurar contactos com a brasilíndia, conceber uma prole lusotupi, construir uma geração semiguerreira, em cujo sangue luso-americano se plasmam as qualidades virtuais dos bandeirantes. Propaga-se a família luso-brasilíndia.

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No lusotupi estão as características de sua descendência, neles se fixam as capacidades férreas de resistência ao ambiente e se implanta e desenvolve uma alma brasileira. Ele é o elemento social preponderante no povoamento português para servir de passagem entre a barbárie e a civilização, para unir as duas raças sob o sol dos trópicos.

O plano de D. João III, ao fixar à terra os povoadores portugueses e permitir a formação de proles mamelucas, era a formação de um novo fruto gerado entre o velho mundo e novo mundo. Por isso mesmo, o lusotupi é um forte campeão da nacionalidade futura, o conquistador do território e formador de uma sub-raça necessária à tarefa sobre-humana de embalar o Brasil-Menino e de prepará-lo para as lutas da vida. Coloca-se desde logo, na defesa de seu pai, contra seus parentes nativos. Fundador da raça, o luso-tupi de Piratininga afasta os selvagens, “(...) gente tão carniceira que parece impossível viver sem matar”, diz o Irmão Anchieta, na carta ao Padre-Mestre Diogo Laynes, em 16 de abril de 1563.

Orgulha -se o lusotupi de sua ascendência lusitana. Desse entusiasmo natural vai resultar uma pátria. Meio-selvagem, quer ser civilizado. Homem, prepara-se para ser povo. E povo, será nação, pela sua independência indomável, pela sua insensibilidade heróica, pela sua sinergia psicossomática. (FERREIRA, 1970, p. 25).

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cerimônias antropofágicas. Também eram reconhecidos pelo conhecimento da medicina tradicional indígena. (RIBEIRO, 2002).

1.3.5.3 O patrulhamento e o uso das feitorias

Em 1516, 1521 e 1526 Cristovão Jaques comanda várias expedições costeiras, cuja função era patrulhar a costa atlântica brasileira e, assim, desmotivar corsários franceses e espanhóis, que se ocupavam do tráfico do pau-brasil. Essas expedições não só percorriam a costa do país, mas também buscavam edificar construções em lugares estratégicos para armazenar víveres e riquezas colhidas na nova terra como o pau-brasil. Constroem-se, entre 1502-1504, as feitoras de Pernambuco, Bahia e Cabo Frio, sendo que a feitoria do Rio de Janeiro foi transferida para Pernambuco, devido ao saque feito pelos espanhóis, 1517. (BUENO, 1998).

Observa Bueno (1998) que, apesar dos tratados firmados entre D. João III e Francisco I, nos entrepostos, o comércio dos bens da terra eram mantidos em grande escala com os franceses, mediante autorização do rei de França. Náufragos, degredados e indígenas, na ausência de autoridades portuguesas ou em comum acordo com elas, mantinham no mar carregamentos do pau-brasil e outros bens, mas nem sempre esse era meio de que se valiam os corsários franceses para se apoderarem dos bens da Terra. Assim, em 1531, a nau La Pèlerine é capturada próximo ao estreito de Gibraltar, no Mediterrâneo e, com ela, três mil peles de onça, seiscentos papagaios e 1.8 toneladas de algodão, produzidas pelos nativos; além de óleos medicinais, amostras de minerais e pau-brasil. Nesse caso, Pèlerine atacara a feitoria localizada na ilha de Itamaracá em Pernambuco e obrigaria os prisioneiros a reconstruir a que haviam destruído e nela colocar a bandeira francesa. Por esse ato de invasão, a coroa francesa pagou à portuguesa sessenta e dois mil ducados.

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espanhóis, como foi o caso da feitoria de Pernambuco, destruída em 1531 e reconstruída por Pero Lopes; após a sua reconstrução, os portugueses que ali se encontravam foram repatriados.

As feitorias eram construções rústicas que, administradas por um feitor, armazenavam o pau-brasil e outros bens da terra até que fossem embarcados para o reino. O feitor que por elas respondia tanto estava no comando da exploração da madeira, como também, em outras ocasiões, falava em nome do rei; o feitor era, na verdade, um embaixador da coroa. Todavia, no Brasil, eles não se viam obrigados a negociar com as chefaturas ou realezas africanas, tampouco com samorins ou chefes mulçumanos, como na Índia. Nas terras brasileiras, além do exercício do papel de comerciantes eles também exerciam muito mais o papel dos militares ou dos diplomatas. Assim, em situações de conflito entre os indígenas e os corsários, ora se aliavam aos indígenas para aumentar o número de guerreiros, ora se predispunham a sentar com o chefe da tribo e com o comandante corsário para mediar acordos ilegais estabelecidos entre ambos, de forma a prevalecer os direitos da Coroa portuguesa. (BUENO, 1998)

1.3.5.4 A implantação de vilas

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Essa estratégia de não divulgação do meio de comunicação com os indígenas, bem como a do conhecimento das trilhas da floresta e dos caminhos dos rios, garantirá aos comandantes das expedições zelarem e preservarem a vida desses homens. Nesse contexto, Pero Corrêa – um português traficante de escravos – já explorava as terras situadas entre os rios Itanhaém e Peruíbe, quando da chegada de Martim Afonso de Souza ao Brasil. Desse modo, ele, Martin, e Namorado, comandante de sua esquadra, fundam a vila de Itanhaém nas terras exploradas por Pero Coelho que ali já edificara uma capela de boas proporções, explorada pelos jesuítas para catequizar os nativos. Esses transformam a capela em colégio, erguido a 1 km da praia, do qual se podem encontrar vestígios até o século XIX. Uma outra Vila, situada na praia do Flamengo, com uma casa forte, uma ferraria e um estuário, cercados de paliçada – tapume com estacas enterradas no chão – também foi obra desse homem da nobreza portuguesa e desse seu comandante Namorado. (BUENO, 1998).

João Ramalho, conforme já enunciado, foi outro assessor de Martim Afonso de Souza na criação da vila de São Vicente, no planalto paulista. Afirma Castro (1941) que para chegar a esse planalto, Martim Afonso navegou pelo braço de um rio que ia dar ao Peaçá: porto de João Ramalho, onde começava o primeiro caminho serrano. Subiram por caminhos de lama ou tijuco, com o propósito de atingirem o cume da serra do mar, tendo por referência o Itutinga: salto branco da cachoeira. Batizaram o cume de onde se avistava o mar de Paranapiacaba – Paraná: braço de rio caudaloso, deste separado por uma ilha + piá: entranhas de cavidades das pedras onde se acumulam águas da chuva + caba: insetos; logo: lugar aonde se chega pelo paraná e pelos caminhos do tijuco: estradas de pedras e lama (devido ao piá) pelas trilhas da floresta povoada de insetos. (AURÉLIO, 1975).

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Castro, 1941), em cujas margens e em certas passagens encontravam essas palmeiras e delas saboreavam os jeribás: cocos adocicados. Entravam, assim, pelos campos de Piratininga: região onde o rio e seus afluentes transbordavam e, após o refluxo das águas, ali deixava depositado grandes cardumes de peixes. E, assim, João Ramalho – conhecedor dessas trilhas, líder de comunidades indígenas e negociante de escravos índios - faz-se condutor dos caminhos da fundação de São Vicente, já São Paulo dos tempos da colonização, situado nos campos de Piratininga.

Pero Lopes registra nestas palavras a obra de Martim Afonso:

A todos nós pareceu tam bem esta terra, que o capitam Martim Afonso determinou de a povoar, e deu a todolos homês terras para fazerem fazendas: e fez hûa villa na ilha de Sam Vicente e outra 9 leguas dentro pelo sartam, á borda d’hum rio que se chama Piratininga: e repartiu a gente nestas 2 villas nellas officiaes: e poz tudo em boa obra de justiça, de que a gente toda tomou muita consolaçam, com verem povoar villas e ter leis e sacreficios e celebrar matrimônios e viverem em comunicaçam das artes; e ser cada um senhor do seu: e vestir as enjurias particulares; e ter todolos outros bens da vida sigura e conversável. (RIBEIRO, 2002, p. 87).

1.3.6 Estratégias administrativas na Colônia

A planificação de ações para a área administrativa da Coroa Portuguesa, por um lado, visava a povoar as terras da América e, por outro, garantir o controle dos bens de produção nelas explorados; como a cana-de-açúcar, por exemplo. Assim, o Estado português opta, em primeiro momento, pela implantação do sistema de Capitanias hereditárias e, posteriormente, pelo dos chamados Governos Gerais para exercer tal controle na colônia.

1.3.6.1 O sistema de capitanias hereditárias

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sistema administrativo fundado na relação entre o rei e a nobreza, no período medieval, consistia na concessão feita pelo rei aos nobres de sua corte de largos domínios de terras a serem por eles ocupados, de modo a lhes renderem proventos e privilégios particulares, incluindo o direito de soberania sobre seus habitantes. Assim, nessas terras cabia-lhes fundar povoados, nomear funcionários para a administrarem os mesmos, cobrar impostos e, neles praticar a justiça. Em 1532, no palácio de Évora, a corte portuguesa decidiu por ajustar esse “modelo de senhorio” ao contexto ultramarino, ou seja, para ocupar toda a extensão do território brasileiro e, posteriormente, para a ocupação de Angola. (VAINFAS, 2000).

As cartas de doação registravam tanto os deveres e direitos dos donatários, quanto os dos colonos em relação ao Capitão e à Coroa. Assim, as capitanias eram hereditárias, o que impedia a divisão das terras doadas, bem como sua alienação, em caso de pagamento de dívidas à justiça. Todavia, cabia ao capitão-donatário o direito de dividi-las em Sesmarias, entre seus herdeiros, mas ainda em vida. A ele era reservado o direito de escravizar e vender os indígenas sem pagar à corte qualquer tributo, de nelas fundar ouvidorias e tabelionatos e nomear os ouvidores e tabeliães para melhor administrá -las. Podiam, ainda, tributar a navegação nos rios, nas salinas, nas moendas d’água e quaisquer outros engenhos existentes em suas respectivas capitanias, pois “por direito, tudo lhes pertencia, não sendo lícito a ninguém construí-los sem sua licença”. (VAINFAS, 2000, p. 93).

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primeiro lote a João de Barros e a Aires da Cunha e, o segundo, a Fernão Álvares de Andrade, além da capitania de Ilhéus, a Jorge de Figueiredo Correia. Em 1536, a capitania do Ceará foi cedida a Antônio Cardoso de Barros. (VAINFAS, 2000).

Faz-se necessário observar que, por ocasião da criação das Capitanias Hereditárias, o rei D. João III, por meio dos forais, também atribuía ao capitão-donatário e a seus sucessores a responsabilidade de dividirem as terras doadas com colonos portugueses valendo-se do regime de Sesmarias. Embora as Sesmarias fossem isentas de pagamento de impostos reais, o que nela fosse produzido deveria ser entregue à Ordem de Cristo obedecendo à proporção do dízimo, ou seja, dez por cento da produção. (VAINFAS, 2000).

Observa-se que o termo “sesmaria” designa “colégio feudal”, composto por seis membros encarregados de repartir o solo entre os moradores e o seu objetivo era tornar todas as terras férteis agricultáveis de modo a diminuir as importações de grãos, como o trigo. A implantação desta lei em solo português implicou a criação de vilas, cidades e comarcas para que os sesmeiros pudessem registrar quais terras estavam sendo ou não cultivadas. Esse procedimento facultava fiscalizar o cumprimento da lei. No Brasil, todavia, as terras distribuídas como sesmarias eram áreas nunca lavradas, povoadas por animais, répteis e insetos desconhecidos, matas virgens. (VAINFAS, 2000).

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Esse fracasso no empreendimento colonizador leva o Estado português a optar pelo sistema de governos gerais para melhor administrar a colônia. Contudo, para Capistrano de Abreu, o sucesso das capitanias hereditárias de Pernambuco, São Vicente, Itamaracá, Espírito Santo, Porto Seguro, Santo Amaro e Ilhéus, contrastava com as capitanias reais do Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Paraíba, Rio Grande, Ceará, Maranhão e Pará. Observa-se que, muito embora não se deva menosprezar o fato de o sistema de capitanias haver revelado a precariedade do espírito de aventura e desprendimento de alguns donatários, ele também evidenciou que apenas a coroa estava apta para assumir os riscos inerentes ao avanço do processo de colonização. Assim, entre os anos 1718 a 1759, a administração pombalina extinguiu definitivamente o sistema de capitanias hereditárias, encerrando um processo que há muito se arrastava na burocracia portuguesa. (VAINFAS, 2000).

1.3.6.2 O sistema de governos gerais

No ano de 1548, D. João III decidiu incorporar aos bens da sua coroa a capitania da Bahia, tornada devoluta devido à morte do seu capitão-donatário Francisco Pereira Coutinho, transformando-a em “capitania da coroa”. Sem abolir o sistema das capitanias, criou o sistema de governo geral, nomeando Tomé de Souza o primeiro governador da sede administrativa portuguesa em terras do Brasil. (VAINFAS, 2000).

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responderiam pela salvação das almas perdidas dos indígenas que habitavam aquela região e também, sem demora tem início a ação punitiva contra os tupinambás: suas aldeias são destruídas e parte de seu povo é morta ou se torna cativa, para servir de exemplo a qualquer outra tribo que ousasse investir contra o poder real da coroa, assim dizia o regimento real. (MONTEIRO, 1992, p. 29).

Essas ações foram ditadas pelos sinais de crise que afetava o sistema de capitanias que se tornavam cada vez mais despovoadas – salvo a de São Vicente e a da Nova Lusitânia – quer pelo ataque dos indígenas, quer pelos corsários franceses. A elas se deve acrescentar a farta distribuição de terras feita por Tomé de Souza, a mando do rei, através da instituição da prática das “Sesmarias”. E, assim, tiveram início no nordeste brasileiro, os grandes latifúndios cujos donos comandarão por muito tempo os destinos políticos do Brasil. Desse modo, Tomé de Souza fundamentando-se no regimento do rei – que atribuiu ao governador geral a responsabilidade de distribuir terras – passa a editar cartas de Sesmarias para colonos de sua confiança. Esses teriam plenos poderes sobre tais terras desde que as explorassem e as cultivassem, podendo também arrendá-las.

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natal, a África, Brasil, China e Japão para manter as fortificações que edificara nessas suas terras distantes. (RIBEIRO, 2002).

Três foram os governadores gerais no século XVI: Tomé de Souza (1549-1553), Duarte da Costa (1553-1557) e Mem de Sá (1557-1572). Em 1572, o Brasil teve dois Governos Gerais: um ao norte, em Salvador, presidido por Luís de Brito; outro ao sul, sob o mando de Antônio Salema. Em 1578 houve a reunificação do Governo Geral; assumiu o cargo Lourenço da Veiga. Durante o seu governo morre D. João III e, por não ter herdeiro, Felipe II, de Espanha, ascendeu ao trono português como Felipe I, em 1580. Por conseguinte, Portugal perderia a sua independência política. (VAINFAS, 2000 e RIBEIRO, 2002).

Pode-se considerar que, se Pedro Álvares Cabral toma posse oficial da Terra de Santa Cruz, se Cristovão Jaques faz a limpeza dos mares, Martim Afonso de Sousa inicia o seu povoamento. Essas ações implicam três tempos de um compasso rigorosamente medido pela Coroa Portuguesa que não improvisa, mas estuda, prepara e concretiza a posse das terras do novo continente. Este papel é atribuído pelos historiadores consultados à inteligência dos estadistas do reino português a 300 pessoas do reino portug uês que se estabelecem em São Vicente. Esses imigrantes estão na esquadra de Martim Afonso de Sousa, o primeiro governador das terras de Santa Cruz, a qual ainda não era Brasil.

1.3.7 Estratégias de exploração

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de projeto, propriamente dito, de colonização do Brasil. Por conseguinte, as metas em relação a essa colonização vão sendo instituídas em relação ao aqui e agora, com vistas a solucionar problemas imediatos vivenciados pela Coroa Portuguesa que, segundo dados dos historiadores, são de caráter político-econômico. (RIBEIRO, 2002 e VAINFAS, 2000).

Compreende-se, assim, que o projeto colonizador brasileiro parece associar-se a uma concepção mais técnica do que aquela normalmente atribuída aos projetos. Nesse sentido, tais projetos não podem ser concebidos como um desenho que mantém uma relação mais direta com as concepções de plano, de criação, de esboço ou design. Esses abarcam sentidos referentes a estilo e, quanto à concepção de caráter mais técnico, abarcam a concepção de cópia. Assim, reproduz-se, no Brasil, o que dera certo, ou melhor, lucros, em outras regiões colonizadas. Nesse sentido, se o projeto se qualifica como design e este deve ser compreendido por uma relação associativa capaz de garantir a criação individual por meio do qual se reproduz a cópia, mas de forma inovadora, caberá ao povo brasileiro a tarefa individualizada de criação dessa cópia, no fluxo do tempo desse processo colonizador e para além dele.

Nessa acepção, a colonização brasileira, no século XVI, tem por ancoragem um modo de proceder da Coroa Portuguesa qualificado pelo abandono ou por ações emergenciais, pois a iniciativa do projeto era não perder as terras descobertas e, na medida do possível, torná -las lucrativas sem grandes custos. Por conseguinte, as estratégias de exploração no século XVI circunscrevem-se à exploração do pau-brasil e ao cultivo da cana-de-açúcar, com vistas a abastecer o mercado europeu.

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nesse sentido que se buscará diferenciar estratégias referentes ao escambo daquelas referentes à escravidão africana, propriamente dita, ainda que ambas possam ser qualificadas como exploração; entretanto, por meio do escambo, o nativo participa das leis de troca de bens materiais, já o africano nada troca em termos de bens materiais. Por conseguinte, as trocas com os africanos estão mais circunscritas àquelas relativas às matizes da cultura negra. Esses matizes sobrevivem, por um lado como substrato “do vocabulário do idioma brasileiro” e, por outro lado, são assegurados no caldeamento do processo de miscigenação e no sincretismo religioso do povo brasileiro. (RIBEIRO, 2002 e BUENO, 1998).

1.3.7.1 O escambo e a exploração do pau-brasil

No período que se estende de 1500 a 1530, a economia na nova colônia centrou-se na exploração do pau-brasil: madeira avermelhada, conhecida desde a Idade Média, da qual se extraía o corante para tecidos e móveis. Segundo Bueno (1998), o pau-brasil era uma árvore da mata atlântica que se estendia do Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro e, já nos primeiros anos do século XVI, após a chegada de Cabral, franceses e portugueses utilizavam a mão-de-obra indígena para a exploração comercial dessa madeira. Os nativos trocavam com eles o pau-brasil e algumas especiarias por mercadorias que o colonizador trazia consigo.

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Na época do descobrimento, segundo Bueno (1998), havia exemplares extraordinários de ibirapitanga – ïmbira: aquela que tem fibra + pï’tanga, isto é, o vermelho da cor do cobre. Esses exemplares, de até 30 metros de altura, já eram usados pelos índios para construir arcos e para uso medicinal. Ressalta-se que do tronco revestido por casca tanífera os indígenas dele já sabiam extrair tinta avermelhada de que faziam uso para colorir as penas brancas das aves para enfeitar seus corpos com cocares, braçadeiras e tangas. Observa-se que ibirapitanga não era a única designação empregada para nomear o pau-brasil no continente; logo arabutã, arubatã, ibirapiranga, ibirapitá, ibirapitanga, ibirapuitá, imbirapatanga, muirapiranga, murapiranga eram parassinômos na língua dos nativos, todavia, para os portugueses, elas são chamadas de “pau-de-tinta”, no século XVI. (RIBEIRO, 2002; VAINFAS, 2000 e HOUAISS, 2001).

As toras de pau-brasil, embarcadas para Lisboa, eram reembarcadas para Amsterdã, onde eram reduzidas a pó, o qual era usado para tingir os tecidos. Esse pó era vendido na França e na Itália. A tarefa de cortar e raspar a madeira até se transformar em pó era dos prisioneiros holandeses, de modo que essa indústria era monopólio dos holandeses. Um quintal de pau-brasil (60 kg) era vendido em Lisboa, por cerca de 2,5 ducados. Para Fernando de Noronha — o primeiro nobre a fazer um contrato com o Rei D. Manuel, para a exploração do pau-brasil — esse era um negócio rentável, especialmente porque o rei comprometeu-se a proibir a importação do pau-brasil do Oriente, garantindo ao consórcio o monopólio do trato do pau-de-tinta.

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Afirmam os historiadores que o uso da estratégia do escambo é decorrente do primeiro contato entre portugueses e indígenas; pois, quando os primeiros chegaram à praia para encher os tonéis com água fresca, os tupiniquins, prontamente auxiliaram Coelho Dias nessa tarefa. Em retribuição à ajuda foram ofertados guizos e miçangas aos nativos que demonstraram grande alegria e felicidade com os presentes. Naquele momento os portugueses descobriam como converter o interesse dos nativos aos seus. (BUENO, 1998).

No início desse processo exploratório, os nativos aceitavam como troca espelhos, quizos, contas; contudo, ao observarem a derrubada das árvores com machados de ferro pelos portugueses e compararem àqueles de pedra que usavam, entenderam que a tarefa exigiria deles menos esforço se tivessem o mesmo tipo de machado. Passam, assim, a exigir aquele machado como moeda de troca. À medida que observavam a função de outros instrumentos usados pelos portugueses, como as facas, as foices, as navalhas, os anzóis, os panelões, as tesouras, e comparavam àqueles por eles usados, incluíam-nos como moeda de troca. Esse procedimento facultou às comunidades nativas saírem da Idade da Pedra e entrarem na Idade do Ferro, num piscar de olhos.

1.3.7.2 Estratégias de resgate

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das leis, era possível aos colonos romper com esta proibição da coroa, além do que o indígena fazia-se um “trabalhador ideal”, na medida em que ele transportava cargas e pessoas por terra e por água, visto ser conhecedor dos caminhos da floresta. O indígena também colaborava nas atividades da pesca e da caça contribuindo para enriquecer e variar a alimentação do colono. (VAINFAS, 2000).

Referências

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