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Substrato e adstrato do português brasileiro

CAPÍTULO 2 AS MATRIZES SÓCIO-HISTÓRICO-CULTURAIS DO SÉCULO XVI:

2.5 Substrato e adstrato do português brasileiro

Os estudos acima apresentados apontam que, no novo mundo físico, na mesma proporção em que os povos se miscigena vam as suas línguas se fundiam. A renovação dialetal e a alteração fonética, são as duas operações distintas a que se subordina à renovação das línguas faladas na colônia, em estreito contato.

Pode-se considerar que o tupi-guarani é o substrato lingüístico do português do Brasil, visto haver interferido no aportuguesamento do idioma brasileiro, quanto à fonética e ao vocabulário. No âmbito do vocabulário acrescenta-se o africano que se tornaria mais significativo dentro do ciclo da mineração. Sua ação trans formadora mesclou-se na língua do conquistador em toda a sua demonstração, especialmente na fonética e no vocabulário. Câmara Jr. (2002) acredita que esta ação de caráter fonético é responsabilidade do brasileiro: um idioma musical, claro e, por isso, fácil de ser distinguido do falado da metrópole. Apesar de ser a mesma língua, apresentam-se duas acentuadas características: a diferenciação está na fala, onde no Brasil é compassada; pronunciam-se todas as vogais, dando às consoantes portuguesas p, t, b, d, n um valor mais fraco, mais doce. No português falado no Brasil não há os semitons que poderia obscurecê-la. Estas diferenças permitiram a Eça de Queirós afirmar que os brasileiros falam o português com açúcar. Por esta razão a pronúncia do brasileiro é mais fácil de ser assimilada.

Todas estas diferenças não são devidas exclusivamente ao substrato indígena, mas sim ao português transplantado do início século XVI para o Brasil, que se comparado àquele arcaico e provençal do século XVI, evoluiu muito. Porém, aqui se conservou aquele vocabulário repleto de arcaísmos. Portanto, a mescla do português trazido a esta terra, somado ao tupi e ao guarani tornou-a diferente da metrópole e essa diferença é possível de ser verificada na literatura que, devido às mesclas recebidas inclusive das línguas nativas de outros povos como quichua, o caribe, enriqueceu o nosso falar, por isso, a nossa literatura é tão rica se comparada à literatura de Portugal. Os brasileiros, quando falam, orquestram uma linda sinfonia; já em Portugal não há esse efeito. Por conseguinte, apesar de ser a mesma língua, as influências são outras: o nosso falar é bem distinto e, principalmente nos dias atuais, a linguagem é praticamente outra. (BASSETO, 2000).

O português do Brasil conta com substratos indígenas em áreas dialetais, sertão adentro, em que a colonização portuguesa se diluiu numa população indígena, que passou a falar português. Porém, o acervo de palavras de origem indígena na

língua comum são tupinismos provenientes do uso do tupi na catequese e no processo de aculturação dos indígenas na época colonial, sob o aspecto de adstrato ao português. (CÂMARA JR., 2002).

Alguns exemplos do convívio encontrado no léxico como nomes próprios ou apelidos de pessoas: Araci, Iracema, Itú, Paraíba, entre outros. Os animais: cutia, jibóia, paca, jaburu, arara, sabiá, etc. Frutos: abacaxi, jabuticaba, mandioca, etc. Vegetais: jequitibá, imbaúba, imbuia, ipê, etc. Fenômenos naturais: piracema, pororoca, saci, caipora, etc. Doenças: catapora, etc. Verbos: empipocar, capinar, empaçocar, encaiporar, moquear, etc. (GLADSTONE, 1974). A incorporação de muitos indigenismos à língua portuguesa foi tão perfeita que eles se tornaram produtivos, servindo para a formação de compostos e derivados: tiê-sangue, sabiá-da-praia, jabuticabeira, capinzal, cajuada, chorar pitanga etc.

Destaca Silveira Bueno (1998) a existência de expressões correntes na fala do brasileiro, absolutamente incomum para o português de Portugal, em razão da herança da língua indígena. Exemplo: um sujeito pacova > um indivíduo sem energia, bobo. Por está expressão marca a construção de um sujeito “banana”. Outra expressão Estar, viver na pindaíba > estar sem dinheiro, com os bolsos vazios. Pinda é uma palmeira e os nativos usam para fazer anzóis e por esta razão pinda é sinônimo de estar no gancho. Quando o gancho ou anzol não está bom para a pesca, o nativo se sente pobre, isso porque sem a pesca ele não tem como sobreviver. Estes foram alguns exemplos de expressões de um rico acervo. (RIBEIRO, s/d).

O substrato africano é decorrente das levas de escravos negros trazidos para o Brasil na sua fase de colônia e primórdios de um país independente, evidente nos africanismos que são essencialmente empréstimos lexicais, também com adaptação à fonologia e à morfologia portuguesa, já configurada pela indígena – exemplo: cochilar, camundongo, marimbondo, molambo, quitute, entre outros; existem tanto na língua popular como na língua culta, constituindo os brasileirismos. São especialmente curiosos os africanismos em sentido lato, decorrentes dos termos para senhor e

senhora no português, crioulo dos negros escravos e vigentes como hipocorísticos, no português do Brasil: sinhô (>senhor), com o feminino sinhá (>senhora), as reduções nhô, nhã, e as reduplicações nhonhô, nhanhã, ou por iotização ioiô, iaiá. (CÂMARA JR., 2002).

Segundo Renato Mendonça (1948 apud ELIA, 2003), a influência Africana é possível ser encontrada já no século XVI, porém não de forma sistematizada e já integrada totalmente ao vocabulário português. Entretanto, tal influência faz-se sentir nas seguintes áreas:

- Culinária: abará, acarajé, angu, fubá, quindim etc.

- Religião, deuses e deusas: babalaô, Iansã, Iemanjá, Orixá, Xangô etc.

- Objetos, Instrumentos Musicais: berimbau, cachimbo, calunga, miçanga, tanga etc.

- Animais, Vegetais: chuchu, jiló, quiabo, marimbondo etc. - Danças: samba, maracatu etc.

- Bebidas: aluá, cachaça.

- Doenças, Defeitos físicos, partes do corpo: banguela, corcunda, caxumba etc. - Lugares: cacimba, quilombo, quitanda, senzala etc.

- Vida Social, Acontecimentos: caçula, calundu, dengue, moleque, muamba etc. - Verbos: engambelar, xingar, aquilombar, banzar, batucar etc.

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E pela derivação, no falar brasileiro, dezenas de palavras se formaram, por exemplo: anguseiro, angu-de-caroço, angu-duro, angu-de-vesperas, angu-de-cheiro etc; o verbo balangar (de balango): bananada, bananaço, bananal, bananeira, bananinha, abananado; bangüês e andar-de-banguê: banguela, bangueludo, esbanguelado, banzar e banzeiro, a expressão banze-de-cúia; batucar, batucador, batuqueiro; mal-de-bengo: bingueira e bingueiro; a expressão bodum-azedo; cachaçada, cachaceiro, encachaçar; feitiço, feitiçaria, feiticeiro, enfeitiçar; molecada, molecagem, molecar, molequice etc.

Também são encontrados vícios prosódicos, no falar do povo africano, desde o abrandamento amolecido de certos sons, uma forma apocopada dos verbos portugueses – invariavelmente pronunciados sem o “r” final do infinitivo, como: dá, fazê, tocá, acendê, tomá, caminhá, pó, dizê etc; em vez de: dar, fazer, tocar, acender, tomar, caminhar, pôr, dizer etc. (SENNA, 1921, p. 159-163).

Dessa maneira está traçada a formação da língua portuguesa do Brasil, um triângulo, cuja base é o português e cujas lateralidades são, de um lado o tupi e o guarani; e, do outro, as línguas nagô-quimbundo. (ELIA, 2003, p. 63 -64).

Ressaltam os autores pesquisados que as mulheres africanas tiveram um papel de grande relevância na formação e transmissão de conhecimentos de suas culturas nativas, por meio do trabalho na Casa Grande, ainda que nessas casas o falar português tivesse influenciado, de modo particular, as vozes que elas traziam consigo das terras da África. À proporção que passava da senzala à cozinha da casa Grande e daí para a intimidade do lar e Ama ou Bá dos filhos do senhor rural, avançava a sua contribuição lingüística ao idioma português.

Assim, o grande elemento caldeador era a Casa Grande, a infiltração da língua mestiça já existente se faria sentir na sua contribuição vocabular do negro. Nas cozinhas imensas, o angu, o anguzô, o guisado de quincombô e galinha, ou quenga, passara a fazer parte do vocabulário brasileiro e da mesa do português. As iguarias em que entravam gergelim, a farinha e o sal era chamado quimama; o quiabo associado ao camarão criaria o zorô; a abóbora designada porongo ou abóbora passou a ser usada para fazer doces ou salgados, de modo a se criar o quibebe. Dessa forma, novos pratos não só saciavam os prazeres da boa mesa do colonizador e de seus descendentes, como também acresciam ao idioma, pois estes falavam e contribuíam para que estas vozes passassem da cozinha para a sala de jantar da Casa Grande. A mesma influência se fez sentir na sua língua, mesclando lendas de seu povo com as indígenas e européias, quando as conhecia, de modo a exercerem o papel de amas- de-leite: aquelas que ofereciam às crianças brancas o leite de seus peitos e povoavam

suas memórias com histórias. (GLADSTONE, 1946 e 1974). Em síntese, é bem maior do que se imagina a colaboração dos africanos na formação do adstrato do vocabulário do idioma português brasileiro.