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4. UM GESTO DE LEITURA DA PRODUÇÃO DITÁTICO-PEDAGÓGICA DO MEB

4.4 O Plano dos Instrumentos de Ação

4.4.1 A Lição 18

Essa é a lição que inicia o plano dos instrumentos de ação e já traz um dos principais instrumentos capaz de interferir na realidade do camponês e mudar-lhe a vida, a saber:

97 A lei diz que todos devem ir à escola. 98 A lei diz: mas não existe escola para todos. 99 Xavier e sua mulher discutiram este problema. 100 Decidiram abrir uma escola em sua casa.

101 Com a ajuda de outros abriram uma escola radiofônica.

102 Escola para esclarecer o povo e mudar esta situação.

103 O povo quis ficar esclarecido.

104 Esclarecido para poder mudar de vida

105 O POVO ESCLARECIDO PODE MUDAR DE VIDA.

O discurso é iniciado com um argumento de autoridade [97] que se contradiz com a realidade brasileira [98]. Em seguida, o orador mostra a conscientização de

Xavier e sua mulher diante do problema [99], bem como a atitude [100] e a ação [101] deles. Explicita o porquê da instalação da escola [102 e 103] e quais as consequências que ela pode gerar [104 e 105].

Antes de defender a abertura de uma escola radiofônica como um instrumento capaz de esclarecer os sujeitos e mudar a vida do povo, o orador mostra a importância da escola para todos, ancorando-se na lei. A determinação da lei no que se refere à escola para todos é um argumento de autoridade, visto que foi concebida pelo Poder Legislativo, uma autoridade estatal, e obtém um estatuto de obrigatoriedade no meio social. Entretanto, o que prevê a lei se contradiz com o fato de não existir escola para todos. É, portanto, com a estratégia de expor a contradição entre o argumento de

autoridade e o fato, que o enunciador fundamenta a necessidade de ação do auditório nesse contexto.

Xavier e sua esposa representam a atuação dos sujeitos nessa realidade. Os dois personagens são inseridos no discurso como sujeitos que já estão conscientes dessa contradição, pois discutiram sobre o tema e tal consciência levou-os a tomada da atitude de abrir uma escola radiofônica. Assim, o casal após decidir abrir uma escola, colocou em prática essa ideia com ajuda de outros sujeitos. A intenção argumentativa é apresentar o problema e a solução através do exemplo desse casal que passou pelas etapas de conscientização e tomada de atitude, e agora está agindo.

A escola é um instrumento que ao mesmo tempo possibilita o esclarecimento do povo e a mudança de suas vidas. Assim, a educação que a escola radiofônica pode proporcionar tanto liberta os sujeitos da ignorância quanto é um meio de intervenção social. Esse discurso faz parte da mesma formação discursiva abordada em outras lições e na aula radiofônica do dia 01 de junho de 1964 que encaram a educação como libertadora.

Além disso, ao citar a criação de uma escola radiofônica como meio de se chegar a um fim - a mudança na vida do povo -, o orador faz uso do argumento

baseado na estrutura do real sob a técnica argumentativa, denominada de os fins e os

meios, que visa apresentar os meios para se chegar a um fim. No caso em questão, o orador destaca a criação de uma escola radiofônica como um meio para se chegar a mudança na vida do povo. Mas, ao longo do plano dos instrumentos de ação o orador

vai elencando outros meios que levam ao mesmo fim e que podem ser conciliados para se obter uma mudança mais significativa.

É interessante dizer que no discurso da lição 18, a cartilha “Viver é lutar” também faz uma metalinguagem porque fala da escola radiofônica estando dentro dela. Em outras palavras, a cartilha era o livro que acompanhava as aulas radiofônicas, então esse discurso fala da importância da escola radiofônica ao mesmo tempo em que está sendo usado para formar indivíduos em várias escolas radiofônicas.

Assim, as estratégias que destacamos nessa lição servem de fundamento para a defesa da tese de que “o povo esclarecido pode mudar de vida” [105]. Essa tese é na verdade uma resposta à pergunta feita na lição 14: “Quem pode mudar a vida do povo?” [77]. Na décima quarta lição, o orador fez o questionamento, mas numa perspectiva dialógica, deixando que os leitores respondessem conforme seus conhecimentos para, somente na lição 18, explicitar uma resposta. O objetivo é fazer os camponeses acreditarem que é possível a mudança através do esclarecimento que, por sua vez, é conseguido por meio da escola radiofônica. Portanto, o orador quer que o auditório convença-se da possibilidade da mudança para que com seus próprios esforços possam interferir na realidade. Dessa forma, se a lei não é cumprida, então, os sujeitos podem unir forças e encontrar um meio, no caso, abrir uma escola radiofônica.

No exemplo de Xavier e sua mulher, os enunciados dizem que a escola foi aberta com a ajuda do povo [101] e que o povo quis ficar esclarecido [103]. Ao mostrar essa atitude do povo, explorando o componente afetivo, ou seja, de que a ação partiu de uma vontade popular, os efeitos de sentido extrapolam o próprio exemplo citado, pois além de mostrar que a escola radiofônica, instalada pelo casal e o povo, não foi um instrumento imposto por ninguém, partiu de um anseio do povo, também nos leva a compreender da mesma maneira as várias escolas radiofônicas instaladas pelo MEB em todo Brasil. Essa forma de defender as escolas radiofônicas como surgindo e servindo ao povo constrói a autoimagem que o movimento de educação quer passar, é o próprio ethos do MEB sendo construído nessa lição. Assim, a imagem construída nos leva a entender que se as escolas radiofônicas surgiram é porque elas vieram suprir a carência de escolas na zona rural e o MEB não quer impô-las ao povo, visto que a instalação das escolas é um reflexo do que deseja o povo.

A argumentação dessa lição concentra-se, sobretudo, em persuadir o auditório a agir sobre a realidade, agindo sobre si mesmo, pois essa é a primeira condição para mudar de vida: ficando esclarecido. Veremos quais os instrumentos citados nas lições seguintes.