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4. UM GESTO DE LEITURA DA PRODUÇÃO DITÁTICO-PEDAGÓGICA DO MEB

4.2 O Plano da Conscientização da Realidade

4.2.7. O Primeiro Roteiro de Aula Radiofônica

Assim como nas lições da cartilha, as aulas radiofônicas, transmitidas pela Emissora de Educação Rural, também buscavam conscientizar os alunos/ouvintes. Enquanto que a cartilha trazia noções gramaticais e exercícios, de um lado, e lições com discursos, de outro lado, as aulas pautavam-se em português, matemática, geografia e história, além de dirigirem-se aos alunos com os discursos que norteavam a prática educativa do MEB.

Ao analisarmos os discursos da aula do dia 22 de agosto de 1963, das 20h às 20h e 34min. Podemos entender como esse processo de conscientização do aluno era realizado.

A aula começa, assim como todas as outras que analisaremos, com a identificação da emissora na voz de um locutor, depois é colocado um trecho musical chamado de característica com a função estética de demarcar para o ouvinte o início do

programa, no caso da aula. Em seguida, o locutor apresenta a professora5 e o número

da turma, depois disso, o operador de áudio põe no ar mais uma vez a característica para logo em seguida a professora tomar a palavra, saudar os alunos e convidá-los a rezar um pai nosso. Depois da reza, a professora dirige-se aos alunos e começa a aula, geralmente iniciada a partir de um discurso e, posteriormente, a professora/locutora adentra no ensino das matérias e nas resoluções de questões de português, matemática, geografia ou história.

Antes de apresentarmos as nossas interpretações, deixamos claro que não analisaremos aqui a maneira pela qual a professora aborda o ensino dos conteúdos, mas sim, os discursos que permeiam essas aulas, estando eles localizados no início, no meio ou no final da transmissão, visto que são esses discursos que, assim como os discursos da cartilha “Viver é lutar”, buscavam convencer e/ou persuadir os alunos.

A aula em questão possui uma duração de 30 minutos, apresentando apenas um discurso inicial e o restante da aula é composta de exercícios de português e matemática.

O discurso começa remontando uma dramatização ouvida pelos alunos na aula anterior e que enfocava a relação de pais e filhos. A dramatização não estava descrita no roteiro tampouco tivemos acesso ao áudio dela. Mas, de acordo com a professora da aula, depois da audição da dramatização, foram feitas três perguntas aos alunos (1) Que vocês acham da vida dessa família?

(2) O dever de Antônio é apenas dar o sustento aos filhos?

(3) A educação dos filhos é dever somente da mãe? Que acham vocês?

Assim, ao retomar essas perguntas, na aula em questão, a professora emite o seu discurso:

Em 1º lugar a vida dessa família como de muitas outras é sacrificada. Famílias onde a mulher não tem seu devido valor. Não queremos dizer de maneira nenhuma que a mulher seja somente um objeto de enfeite, isso nunca, mas uma pessoa que administra sua casa pensando em conjunto. São duas cabeças duas pessoas a pensarem juntos.Os filhos são crianças que dependem tanto do pai quanto da mãe. O pai não deve somente dá o sustento. Ele e a mãe se complementam. E jamais deveriam agir separadamente.

5 Utilizamos o cargo de professor no feminino porque todas as aulas que analisamos são apresentadas

A educação dos filhos cabe a todos dois o pai com autoridade e a mãe com doçura, mas que essa autoridade não seja tão dura e essa doçura não seja (trecho indecifrável). Eles são um misto de amor carinho compaixão e cumplicidade. (AULA I, TRECHO 1).

Como vimos, a professora, inicialmente, questionou os alunos sobre a dramatização, para, na aula seguinte, proferir o seu discurso. O gesto de dirigir-se aos alunos com perguntas nos remete ao mesmo procedimento adotado em algumas lições da cartilha “Viver e Lutar”. Nas aulas a professora também faz uso da modalidade

interrogativa como estratégia argumentativa para dialogar com os alunos/ouvintes, dando-lhes a possibilidade de refletir a cerca do que foi transmitido pelo rádio e tirar suas conclusões.

As palavras da professora versam sobre a realidade da família apresentada na dramatização, utilizando-se dessa família como exemplo de muitas outras famílias com vida sacrificada. Aborda a imagem que se deve ter da mulher como uma pessoa que administra a casa e os filhos em conjunto com o homem. Além disso, o orador (na figura da professora) sugere como o pai e a mãe devem conduzir a educação dos filhos. Os motivos que nortearam a construção desse discurso relacionam-se com a proposta pedagógica do MEB que propunha possibilitar aos alunos uma educação de base. Entendendo esse tipo de educação como aquela que se preocupa com o próprio o homem, com sua formação e realização pessoal. Assim sendo, a voz da professora coloca em prática, ou melhor, difunde através das ondas do rádio os propósitos do MEB, caracterizando esse discurso como conscientizador, visto que pretende tornar o aluno consciente dos seus deveres enquanto membros de uma família, nos papéis de pai e mãe. Obviamente, a conduta que a professora propõe é uma leitura da realidade, portanto, uma maneira de interpretá-la que foi exposta para convencer os alunos (jovens e adultos) a aderir a essa forma de pensar.

Dizemos que esse discurso pertence ao plano da conscientização da realidade, mas também ele incita uma forma de agir como pai e mãe, por isso também sugere uma ação. Sendo assim, essa aula congrega em si o plano da conscientização da

realidade e o plano dos instrumentos de ação, já que mostra as condutas a serem seguidas pelo pai (autoridade) e a mãe (doçura) no exercício de seus papéis sociais,

querendo persuadir os aprendizes a essa ação. Nesse sentido, a tese aqui defendida refere-se à necessidade de haver cumplicidade entre o pai e a mãe que jamais deveriam agir separadamente na educação dos filhos.

Essa tese fundamentou-se na técnica argumentativa do exemplo, utilizando uma dramatização que abordava essa questão familiar para, a partir dos personagens representados na dramatização (Antônio, a mãe e o filho), generalizar as reflexões acerca de outras famílias. Além disso, não podemos deixar de falar que a tese dessa aula baseou-se também num recurso de presença que, segundo Abreu (2001), tem por objetivo ilustrar a tese que se quer defender. O recurso de presença utilizado foi a dramatização, visto que o discurso partiu dela para compor-se, enquanto posição sustentada pela professora.

As dramatizações são um dos formatos de programas que o rádio possibilita e podem ser definidas, seguindo a classificação de Barbosa (2003, p.117), como “uma representação do real e do cotidiano, traduzindo para a linguagem radiofônica textos originais ou adaptados, inéditos ou publicados de obras literárias, bem como textos escritos especialmente para o rádio”. Dessa forma, o drama pode ser unitário, seriado e radionovela. O primeiro, também chamado de peça inteira, constitui uma unidade em si porque possui início, meio e fim numa só transmissão, sem continuidade posterior. O segundo, possui personagens fixos que se apresentam a cada novo episódio. Enquanto que a radionovela apresenta personagens fixos e capítulos sequenciados. A partir dessa divisão, consideramos que as dramatizações transmitidas nas aulas radiofônicas consistiam no drama unitário, havendo sempre novas histórias com personagens diferentes a cada aula. As dramatizações, como formato dentro das aulas radiofônicas além de atuar como um recurso de presença deve ter proporcionado dinamicidade à transmissão da aula porque são capazes de, através da linguagem do rádio (a “voz humana”, a “música”, os “efeitos sonoros” e o “silêncio), criar cenários, despertar sentimentos e envolver o receptor a ponto de fazê-lo transformar o som em imagem mental, processo chamado de imaginação.

Portanto, o discurso do professor nessa aula imprime os mesmos preceitos de educação de base da cartilha, buscando uma educação que fosse além da instrumentalização do aluno, perpassando sobre os conhecimentos mínimos da

realidade em que está inserido e de convivência cooperativa que se quer não só no seio familiar, mas também na vida em comunidade.