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CAPÍTULO 3 – E ELES, QUEM SÃO?

3.1 As imagens da LI

3.1.2 A LI como produto comercial

3.1.2.1 A LI teórica ou a LI enquanto conhecimento escolar

Observemos os seguintes excertos:

MARIANA: Hoje em dia... eu não tenho oportunidade de::: é::: utilizar o

inglês... devido às minhas amiza:::des que não falam inglês... e::: apesar

d’eu achar essa língua MUITO importante...[...] E eu já fiz cursos, é::: em

escolas de idioma, é::: no Espírito Santo... Me dei SUPER BEM! Me       

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identifiquei TOTALMENTE com a língua! Eu falei “é isso que eu quero” É::: TIVE oportunidade... de::: FALAR com pessoas que... que lidavam também com a língua e me desenvolvi... assim... de uma maneira... BEM... BEM grande!...[...] É e como eu disse uma época é::: é quando eu estava com meus dezenove vinte anos que eu estava fazendo um curso... é numa escola de idiomas... eu tive MUITAS oportunidades... conversei inclusive com, com AMERICANOS e eu vi que eu estava me desenvolvendo MUITO! [...] TER com quem conversar! Isso é MUITO importante! Porque não adianta eu fa/ ter a pra/ a TEORIA dentro da sala de aula, ADQUIRIR

vocabulário... PRONÚNCIA correta e não ter com quem falar, né! Eu acho

que isso é muito importante!... (Coleta 2 – depoimentos – 7º período)

ANA: É, são aulas diferentes, são aulas práticas... é, eu nunca tive isso! Talvez por isso eu não tenha me interessado antes pelo inglês! [...]Os outros professores que eu tive na disciplina é::: acredito que eu já tenha até respondido esta pergunta, eram professores que::: embora soubessem o

conteúdo, embora soubessem também, é, bem a língua, tinham uma certa

dificuldade no quesito REPASSAR esse conteúdo pra sala de aula. Eu não sei devido/ os motivos, devido a::: devido a cronogramas a serem cumpridos... é::: exigências das escolas! Não sei os motivos! Mas as aulas eram muito teóricas! É... a maioria! A maior parte das aulas... Teóricas e provas! Seguiam sempre esse mesmo perfil, essa mesma seqüência! Teoria e prova escrita! Então, isso dificultava muito a... o crescimento e a paixão dos alunos para com a matéria. (Coleta 2 – depoimento – 1º período) ÁGATA: Mas eu que acho que a gente tá aprendendo bastante uma coisa que eu não, não praticava pelo menos no colégio... que era::: é... falar... né? falar a li/ falar! Eu sabia assim eu lia um texto... eu eu... interpretava o texto [...] tô aprendendo também a escutar atra/através da::: das fitas... né? [...] Porque antes, eu tinha uma aula no colégio tinha uma aula mais teórica. [...] É... a minha professora... [...] Ela dava a aula em português e eu acho que assim, ela se preocupava mais com a teoria... Por isso que eu estudei inglês da quinta série até o terceiro ano... e sei pronunciar pouquíssimas palavras em inglês [...] E não sei também perceber o que, o que a outra pessoa está falando em Eu acho que a professora... a minha professora de colegial poderia ter usado mais isso... saído um pouco da teoria e feito a gente falar, feito a gente escutar... [...] a minha professora, se preocupava em passar muito a teoria, muita... o texto, sabe? Era... o inglês não era uma língua pra gente, o inglês era uma matéria! E uma matéria chata... por sinal! A gente tinha que... que decorar o verbo... s/ como que era que cê colocava o verbo to be... os pronomes... as palavras... nossa! [...] Ela queria que a gente soubesse a teoria de inglês, pra gente tirar nota na prova dela e... passar no vestibular... que::: com certeza ia cair um texto em inglês. (Coleta 1 – depoimento – 1º período)

Nos dizeres de Mariana, a LI possui uma teoria, espécie de conhecimento que se adquire na escola, que se estuda em sala de aula e que é necessário para a prática do idioma, isto é, para falar o idioma, como podemos observar na seguinte cadeia parafrástica: teoria em sala de aula, adquirir vocabulário, pronúncia correta. Nos dizeres de Ana, vemos que a teoria corresponde àquilo que é escrito, pois ela

estudava a teoria (escrita) e era avaliada (fazia provas). Ágata atribui ao texto escrito em LI e às atividades de leitura, interpretação e tradução do texto o caráter de teoria

da LI. A prática, nos dizeres de Mariana, corresponde à fala: ter com quem falar,

falar, utilizar o inglês.

Se analisarmos as escolhas lexicais dos graduandos, ao se referirem à teoria da LI, perceberemos que há um lugar para esse conhecimento, que são as escolas regulares (ERs), como podemos observar na cadeia parafrástica (marca- texto e itálico): sala de aula, disciplina, conteúdo, cronograma, escola, matéria,

colégio, vestibular. Aqui atua um já-dito: nas ERs de educação escolar72 não se aprende a falar a LI; isto é, nas ERs se aprende conteúdos da disciplina LI. Assim, não seria possível uma inscrição desses aprendizes em discursividades do outro idioma para que pudesse falar nessa língua. Seria possível, talvez, reproduzir algumas frases, pois são ensinados (e aprendidos) apenas alguns conhecimentos da LI: vocabulário, leitura, pronúncia. Acreditamos que isso possa apontar para um efeito de sentidos do discurso do mestre, em que o professor (S1), que transmite

conteúdos ou conhecimentos (S2) a aprendizes dos quais espera interesse pelos

conteúdos e atendimento a uma relação de completude (em que o aluno completa o professor e vice-versa) (a), que, no entanto não se concretiza ($); retomando-se o ciclo: conteúdo, expectativas e frustrações, conteúdo, expectativas, frustrações, etc. Assim, o professor cria, no aluno um “mais-de-gozar” (LACAN, 1992, p. 29), que, acreditamos sustentar, impor e motivar, no professor, o gozo da busca pela aprendizagem do aluno, ou da realização de um suposto desejo.

Miller (1997, p.112) aponta para o papel do discurso universitário na escolha dos conteúdos ensinados nas ERs, especialmente nas IES:

A universidade é feita para acolher os saberes e é necessário prestar atenção ao fato de que não acolhe a todos. Somente os faz aos modos de transmissão, aos modos de saber que a interessam, que lhe convém. Somente os saberes que lhe permite o mestre, pois este é quem sustenta as relações universitárias. Há somente algumas disciplinas que persistem como universitárias, que nasceram da carência da universidade, de recolher, ordenar e de transmitir o saber, como também do exame e da hierarquia dos que sabem ou acreditam que sabem.

Assim, a LI teórica e o que se ensina dela, é, também, efeito do discurso universitário, na medida em que há um conhecimento (S2) cuja sustentação está na ciência, na universidade, nos pesquisadores (S1) e que, por isso, deve ser

      

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Tomamos o termo educação escolar segundo a LDB que por meio do artigo 21 estabelece ser a educação escolar brasileira composta pela educação básica: ensino infantil, ensino fundamental e ensino médio; e educação superior (Lei nº 9394/96)

transmitido, no intuito de educar e formar os estudantes (a), que devem aprender (ou se assujeitar) a esse conhecimento ($). Coracini (2003a, p. 105), discutindo sobre a questão da identidade na (pós)modernidade, descreve efeitos de sentido do discurso da ciência nos dizeres de pesquisadores culturais como uma tentativa de legitimação de seu lugar na dinâmica moderna. A voz da ciência ou da universidade é, portanto, a representação de um desejo de legitimar os acontecimentos de nosso tempo. Assim, quando se referem à LI aprendida nas ERs, os graduandos parecem tentar se situar nesse discurso universitário. Isto significa dizer que a ER ensina um inglês teórico porque lá é o lugar legitimado desse saber.

No imaginário dos graduandos, a LI teórica é para provas, não para o uso. É para ser aprovado em exames, não para falar. Essa dicotomia – teoria e prática – revela um desejo idealizado pelos graduandos – aprender a LI e não a leitura ou estruturas gramaticais do idioma. A LI teórica nos parece, também, efeito de um cerceamento de possibilidades, ou seja, aprende-se, assim, apenas tais conteúdos por exigências da escola e cumprimento de cronogramas. Isso indica a presença de um silenciamento de dizeres (VILLARTA-NEDER, 2002): ao dizer que cronogramas e exigências da escola são responsáveis pelo modo como a LI é ensinada nas ERs, Ana silencia a voz do material didático, das experiências de ensino do professor, da história local de aprendizagem. Nesse movimento discursivo aparentemente contraditório, Ana revela outros discursos que estão imbricados na imagem da LI teórica: o discurso do atendimento do mercado (estudamos para vestibulares, leitura é o que mais vamos usar), o discurso da ciência (que legitima o que pode e deve ser ensinado) e a própria história de aprendizagem de professores e alunos, que, a partir do discurso transverso (PÊCHEUX, 1997), pode ser compreendido como:

adquirir vocabulário, ler textos, fazer provas e pronunciar correto.

Historicamente, as ERs, em especial as IES, ocupam o lugar privilegiado de difusão, ensino e aprendizagem de conhecimentos para a formação social, humana e profissional do aprendiz (PCNEM, 200073; BOURDIEU, 2001, p. 122). Nessa perspectiva, certo saber – “conhecimento essencialmente pragmático, cujo caráter de validade na esfera cotidiana da vida é a sua funcionalidade” (LOPES, 1999, p. 143) – é institucionalizado pelos currículos escolares – processo que

      

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confere ao saber cotidiano o caráter de conhecimento escolar74. Assim, a teoria da LI, corresponderia aos elementos privilegiados pelos currículos escolares, logo focalizados e priorizados pelos professores em sala de aula. Assim, instrumentos simbólicos sustentam essa representação fragmentada dos conhecimentos da LI, tais como currículos escolares, cronogramas, programas de ensino, dentre outros; como vimos nos dizeres de Ana (na cadeia parafrástica sublinhada).

O inglês teórico também tem uma finalidade certa, como podemos observar na cadeia parafrástica construída por Ágata (grifados): ler e interpretar

textos, tirar notas nas provas, passar no vestibular. Desta forma, a LI teórica também

é institucionalizada nas ERs, isto é, instuticionalizada porque inscrita em um funcionamento discursivo como o do discurso universitário, que desliza para o discurso do capital quando coloca o conhecimento no lugar do saber que, supostamente, se tem e se comercializa.

Nesse sentido, a “LI teórica” é diferente da LI (prática). Esse efeito de sentido é sustentado pelo discurso da sala de aula, na relação professor-aprendiz; uma vez que o ensino do idioma nas ERs é direcionado para situações nas quais é requerido apenas alguns conhecimentos do idioma e não o uso da língua em si: ler

textos para tirar boa nota; interpretar textos para passar no vestibular, cumprir o cronograma, estudar conteúdos e ser avaliado. Podemos observar reverberações da

LI teórica em cadeias parafrásticas que se estabelecem nos dizeres de outros graduandos:

      

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Almeida (2004, p. 56) alerta para o caráter ideológico e arbitrário, que reside na escolha dos saberes que constituirão o currículo escolar, pois estes correspondem à escolhas de saberes pertinentes à cultura socialmente privilegiada, permanecendo, assim, certas culturas e saberes marginalizados na educação escolar.

QUADRO 8

Movimentos parafrásticos em torno da representação da LI enquanto conhecimento escolar

COLET A 1 – 1º/2006 * DE POIMENTOS Graduandos do 1º período

LARISSA: Eu optei em fazer o curso de Letras porque eu me identifiquei muito com as matérias e o conteúdo do curso. [...]Eles procuram pelo menos a minha professora se preocupava em passar muito a teoria... muita... o texto sabe? Era... o inglês não era uma língua pra gente o inglês era uma matéria! [...]eu não tenho muito conhecimento, meu vocabulário é muito pobre. Aí eu não entendo muito aí isso às vezes me cansa... sabe? aí perco alguma parte...

MARIA JÚLIA: a professora principal, a responsável pela nossa disciplina....

TÂMARA: Eu vô (vou) tê (ter) que... passar esses conhecimentos que eu tenho sobre a língua pra outras pessoas.

RENATA CRISTINA DOS SANTOS: Infelizmente nas escolas públicas em que estudei todos eram um pouco fracos... com relação aos conhecimentos da língua

MÔNICA ALVES: Hoje as minhas aulas de língua inglesa na faculdade são mais direcionadas ao livro didático né? o livro que a gente trabalha o Word Link e... a gente trabalha mais com gramática mesmo, correção de exercícios...

BIANCA: A minha relação com a língua inglesa em sala de aula? Eu diria que é boa, tanto no aspecto aluno professor quanto aluno disciplina e colegas [...] o aprendizado adquirido na faculdade ele pode não ser a única fonte de aprendizado que eu preciso pra pode é alcançar o nível de inglês que eu quero, que eu almejo

LUÍZA: Porém o problema é::: eu acredito que por sinal não só da disciplina de língua inglesa mas de todas as outras...

Graduandos do 1º período

ANA: Mas assim aquele inglês muito BÁSICO muito REPETITIVO e::: por incrível que pareça apesar de ser repetitivo não me causava curiosidade nem::: ... nem INTERESSE pela disciplina!

Graduandos do 7º período

ROSA: E::: minha aprendizagem de língua inglesa... [...] a gente não fixando a matéria [...] E o professor representa MUITO na aprendizagem dessa língua também... porque a matéria... como ele trabalha o conteúdo, o próprio CONTEÚDO que ele vai trabalhar ALARÁ: Escolhi fazer o curso de Letras porque dos outros cursos oferecidos pelo Z foi ah::: o curso com o qual eu mais me identifiquei... É pelas matérias [...]e o inglês é um/ é uma matéria que nós trabalhamos no curso de Letras [...] Eu estudo inglês POR ISSO! Porque::: primeiro hoje por eu/ por ser uma matéria é::: a qual (sou) avaliada da faculdade, por ser é/ essa matéria eu tenho estudado pra ter um bom desempenho em sala de aula, pra ter um bom desempenho, resultado::: bom dessa matéria, tirar uma nota boa!... [...] língua inglesa... de quinta a oitava série. INFELIZMENTE né? num::: não é um/ uma uma::: uma disciplina que se TEM... muito... como eu diria deixa eu ver um termo melhor que não é isso que eu acabei de pensar não ((em voz baixa)) Mas não é uma disciplina que... que ACESSA né? mui/ a muitos alunos e que se torna... uma DISCIPLINA DE PESO, né, porque do jeito com que é trabalhado, poucas aulas por semana, é:::

COLET A 2 – 2º/2006 ** DE POIMENTOS Graduandos do 7º período

MARIANA: apesar deu ter principalmente no sexto período apesar d’eu ter o conhecimento daquela matéria ela ela... dá uma aula TÃO interessante que eu me/ eu fiquei interessada! Apesar de já já saber aquela matéria ali... né?

EMILY: Quanto aos meus professores de língua inglesa eu posso destacar aqueles (assim)... que::: lecionam que lecionaram pra mim [...]GOSTAM de::: saber se os alunos aprenderam ou não a::: o conteúdo

Professores de LI

JÚLIA TYLER: respondendo também o porque você fez o curso de letras né?... pela faciliDADE pela alegria da disciplina... E meus objetivos eram realmente aprofundar para me tornar professora como passar o conteúdo para os alunos ... apaixonada por/pela língua inglesa [...] Eu procuro transmitir o conteúdo o mais naturalmente possível

JÚLIA: o ensino da língua inglesa na ESCOLA não me proporcionava o conhecimento suficiente pra eu ter um bom desempenho em uma prova de vestibular [...]Bem, eu acho que a minha apre/aprendizagem ela foi gradativa né? ham eu aprendi através de blocos de aprendizagem quer dizer eu comecei a aprender no verbo to be depois o present continuous depois o simple present!... E::: ham::: ... e/e tentava memorizar essas estruturas e o vocabulário

ENTREVISTAS

1º/2007

***

Entrevistas com graduandos do 1º período

ENTREVISTADOR: me conta um pouco sobre::: a sua aprendizagem de língua inglesa.... como é que começou::: quando você teve o primeiro contato... como é que tá sendo agora...

CARLA: Bem ... no primeiro período eu achei::: FÁCIL... neste agora não... neste eu achei assim mais puxa::: do... eu conversei com Júlia/ Júlia falou comigo... que::: é devido a cobrança de mais coisa ... mais... vai aumentando a quantidade de conteúdos né?... * Graduandos eram alunos da pesquisadora.

** Graduandos não eram alunos da pesquisadora.

*** Foram entrevistados apenas participantes da coleta dois.

Percebemos que a LI como conhecimento escolar também é representada nos termos: conteúdo, disciplina, matéria, conhecimento; estrutura. O ensino é representado pelas ações de (re)passar, transmitir, trabalhar, de maneira fragmentada e fragmentária: em blocos de aprendizagem. A aprendizagem, por sua vez, é representada pela memorização, fixação, tirar boa nota, ter resultado (qualitativo) positivo, passar no vestibular.

Podemos prever, nesta análise, que as representações se manterão na atuação desses sujeitos quando tomarem seus lugares de professores de LI, pois é uma forma internalizada; já que o discurso do mestre, da dominação, é um saber que fala por conta própria (LACAN, 1992, p. 66) e que, muitas vezes, nem o

percurso por cursos de educação continuada virá modificar. Neves (2007, p. 9)75 empreendeu uma análise de representações sobre a avaliação de aprendizagem e a passagem pelo curso de formação continuada, construídas por egressos do EDUCONLE76, após dois anos do término do curso e constatou que pouco mudou:

Na relação ao sentido atribuído ao referente avaliação, há um deslize entre o sentido de avaliação contínua do desempenho, de processo de

aprendizagem, de observação dos avanços e retrocessos, mais eficiente e com metas traçadas “aprendidos” no EDUCONLE, e aqueles já

tradicionalmente conhecidos, tais como meio de punição, acarretador de

medos e dificuldades, mantenedor da finalidade de passar e ter nota, disciplinador.

Assim, há a manifestação de um “desejo” de mudança no dizer dos graduandos via enunciados marcados pela insatisfação: “eram professores que:::

embora soubessem o conteúdo, embora soubessem também, é, bem a língua,

tinham uma certa dificuldade no quesito REPASSAR esse conteúdo pra sala de aula”; “Por isso que eu estudei inglês da quinta série até o terceiro ano... e sei

pronunciar pouquíssimas palavras em inglês [...] E não sei também perceber o que, o que a outra pessoa está falando”; “eu não considero aula”. No entanto,

há um silenciamento de dizeres sobre a mudança dessa realidade: como professor o que farei para mudar essa realidade?