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A limpeza urbana e coleta e destinação final de resíduos sólidos

2.2 ABRANGÊNCIA

2.2.2 A limpeza urbana e coleta e destinação final de resíduos sólidos

A limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos estão caracterizados no art. 3º, inciso I, alínea “c” da Lei Nacional de Saneamento como o “conjunto de atividades, infra-estruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas”.

Essa lei não utiliza uma conceituação clara a respeito dos diferentes tipos de resíduos existentes. Menciona o lixo doméstico e o lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas no art. 3º, conforme demonstrado, e nos arts. 6º e 7º traz a expressão “resíduo sólido urbano” como gênero que aparentemente abarca as duas espécies anteriores.

Note-se que o art. 5º da lei afasta expressamente da abrangência dos serviços públicos de saneamento as ações de caráter individual e medidas de responsabilidade privada:

Art. 5° Não constitui serviço público a ação de saneamento executada por meio de soluções individuais, desde que o usuário não dependa de terceiros para operar os serviços, bem como as ações e serviços de saneamento básico de responsabilidade privada, incluindo manejo de resíduos de responsabilidade do gerador. (Grifos nossos)

A doutrina e os textos especializados apresentam uma classificação que auxiliará a compreensão das opções realizadas pelo legislador ordinário.

A Norma Brasileira Registrada (NBR) n. 10.004, de 1987, conceitua os resíduos como aqueles

nos estados sólidos e semi-sólido, que resultam de atividades da comunidade de origem industrial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgoto ou corpos d’água, ou exijam, para isso, soluções técnica e economicamente inviáveis, em face à melhor tecnologia disponível.

Araújo (2008, p. 38) bem expõe a possibilidade de classificação dos resíduos segundo sua natureza física (seco ou molhado); composição química (matéria orgânica ou

inorgânica), os riscos provocados ao meio ambiente e à saúde pública47 e quanto à sua origem. Nesse último caso, os resíduos podem ser classificados como:

(i) domiciliar (também chamado residencial ou doméstico);

(ii) comercial (proveniente de escritórios, órgãos públicos, cinemas, teatros, etc.);

(iii) industrial;

(iv) serviços de saúde (gerados por hospitais, casas de saúde, maternidades, postos de saúde, dentre outros);

(v) portos, aeroportos e terminais rodoviários; (vi) agrícola;

(vii) construção civil;

(viii) limpeza urbana (logradouros, praias, feiras, eventos, decorrentes de capina, raspagem e varrição);

(ix) abatedouros, matadouros, estábulos e serviços congêneres.

Atualmente, não existe lei ordinária federal que discipline à exaustão e de maneira definitiva os diferentes tipos de resíduos e os responsáveis pelo seu manejo.48

47 Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a caracterização de um resíduo sólido depende da sua avaliação qualitativa e quantitativa. Para tanto, são investigados os parâmetros que permitam a identificação de seus componentes principais e a presença de características que indiquem se o resíduo deve ser qualificado como perigoso por apresentar inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade. Essas características devem nortear os cuidados no gerenciamento do resíduo sólido. A já citada NBR n. 10.004 informa, ainda, que a periculosidade de um resíduo é medida em função de suas características físicas, químicas ou infectocontagiosas que apresentem risco à saúde pública, provocando mortalidade, incidência de doenças ou acentuando seus índices e risco ao meio ambiente, quando o resíduo for gerenciado de forma incorreta. Assim, os resíduos são classificáveis em Classe I – Perigosos, Classe II – Não Perigosos, Classe II A – Não Inertes e Classe II B – Inertes.

48 Encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) n. 203, de 1991, do Senado Federal, que “dispõe sobre o acondicionamento, a coleta, o tratamento, o transporte e a destinação final dos resíduos de serviços de saúde”. O processo foi objeto de análise em 2006, tendo sido aprovado juntamente com seus apensos na forma de um substituto. Após a aprovação, outras proposições foram apensadas ao PL 203/1991, incluindo o PL 1.991/2007, do Poder Executivo, que “institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos e dá outras providências”. Recentemente um Grupo de Trabalho produziu novo substituto a ser votado no plenário da Câmara e que, caso aprovado, estabelecerá uma padronização nos conceitos atinentes aos diferentes tipos de resíduos. Convém descrever os pontos do projeto de lei que influenciarão o saneamento. Em primeiro lugar, a proposta traz uma classificação dos resíduos quanto àq sua origem e periculosidade: “Art. 13. Para os efeitos desta Lei, os resíduos sólidos têm a seguinte classificação: I – quanto à origem: a) resíduos domiciliares: os originários de atividades domésticas em residências urbanas; b) resíduos de limpeza urbana: os originários da varrição, limpeza de logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana; c) resíduos sólidos urbanos: os resíduos englobados nas alíneas ‘a’ e ‘b’; c) resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: os geradores nessas atividades, executados os referidos nas alíneas ‘b’, ‘e’, ‘g’, ‘h’ e ‘j’; d) resíduos dos serviços de saneamento básico: os gerados nessas atividades, excetuados os referidos na alínea ‘c’; e) resíduos industriais: os gerados nos

Verifica-se, por outro lado, no ordenamento brasileiro, a existência de normas infralegais federais e leis e normas estaduais e municipais que indicam ou determinam as condições mínimas para o manejo dos diferentes tipos de resíduos e os responsáveis pela sua gestão.

Tal profusão de normas, a qual impede uma descrição exaustiva do regime de cada um dos resíduos descritos, deriva do sistema de repartição de competências adotado na Constituição no que toca à matéria ambiental. O meio ambiente e o controle de poluição, áreas temáticas em que se insere a delimitação da responsabilidade pelos resíduos, são objeto de competência legislativa concorrente e de competência material comum dos entes federados.49

Cada categoria de resíduos está subordinada a exigências de gestão compatíveis com suas características físico-químicas, vale dizer, está submetida a processos produtivos e instalações industriais; f) resíduos de serviços de saúde: os gerados nos serviços de saúde, conforme definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e do SNVS; g) resíduos de construção civil: os gerados nas construções, reformas, reparos e demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes da preparação e escavação de terrenos para obras civis; h) resíduos agrosilvopastoris: os gerados nas atividades agropecuárias e silviculturais, incluídos a insumos utilizados nessas atividades; i) resíduos de serviços de transportes: os originários de portos, aeroportos, terminais alfandegáros, rodoviários e ferroviários, e passagens de fronteira; j) resíduos de mineração: os gerados na atividade de pesquisa, extração ou beneficiamento de minério. II – quanto à periculosidade: a) resíduos perigosos: resíduos que, em razão de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com lei, regulamento ou norma técnica; d) resíduos não perigosos: resíduos não enquadrados na alínea ‘a’.” Diz o parágrafo único do art. 13 que o poder público municipal pode equipar resíduos de saneamento básico a resíduos domiciliares desde que não perigosos: “respeitado o disposto no art. 20, os resíduos referidos na línea ‘d’ do inciso I do

caput, se caracterizados como não perigosos, podem, em razão de sua natureza, composição ou volume, ser equiparados aos resíduos domiciliares pelo Poder Público municipal.” Estabelecida a classificação, a proposta define os responsáveis pela gestão de cada tipo de resíduo, comprovando a ideia de que nem todo sistema de tratamento de resíduos consiste em serviços públicos, sendo antes atividades privadas submetidas a regulação pública: “Art. 20. Estão sujeitos à elaboração de plano de gerenciamento de resíduos sólidos: I – os geradores de resíduos sólidos previstos nas alíneas ‘e’, ‘f’ ‘g’ e ‘k’ do inciso I do art.13; II – os operadores de resíduos; III – os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que: a) gerem resíduos perigosos; b) gerem resíduos que, mesmo caracterizados como não perigosos, por sua natureza, composição ou volume, não sejam equiparados aos resíduos domiciliares pelo Poder Público municipal; IV – as empresas de construção civil, nos termos do regulamento ou de normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama; V – os responsáveis pelos terminais e outras instalações referidas na alínea ‘I’ do inciso I do art. 13 e, nos termos do regulamento ou de normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama e, se couber, do SNVS, as empresas de transporte; VI – os responsáveis por atividades agrosilvopastoris, se exigido pelo órgão competente do Sisnama, do SNVS ou do Suasa. [...]”.

49 Nos termos do art. 24 da Constituição da República: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”. Lembre-se também da existência de competência legislativa suplementar do Município descrita no inciso II do art. 30 da Constituição. O art. 23 da Carta de 1988 determina: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

requisitos de tratamento e disposição final adequados e adaptados ao seu impacto no meio ambiente, bem como se encontra sob a esfera de responsabilidade de seus respectivos geradores.

No caso dos resíduos urbanos – lixo doméstico e lixo da limpeza urbana –, os geradores têm cessada sua responsabilidade com a disponibilização adequada dos resíduos para a coleta. Após a coleta, cabe ao Poder Público zelar pelo seu tratamento e disposição final.

Diante dos múltiplos tipos de resíduos existentes e da terminologia adotada pela Lei Nacional de Saneamento (ainda que sujeita a imprecisões em virtude da ausência de uma categorização legal inequívoca a respeito dos resíduos), bem como do disposto expressamente em seu art. 5º, constata-se que a norma não abarcou a integridade das ações destinadas ao manejo de resíduos, centrando seus ditames no lixo doméstico e no oriundo da varrição e limpeza pública, espécies integrantes dos resíduos sólidos urbanos.

A opção realizada pela lei apresenta consequências relevantes: retira do espectro do serviço público as atividades de gestão de resíduos de responsabilidade exclusiva do gerador, tais como resíduos oriundos de atividade industrial, resíduos oriundos de atividades de saúde, resíduos da construção civil, etc.

Fora da designação do serviço público, essas atividades dispensam a concessão prévia da Administração para seu desempenho. São, em essência, atividades privadas submetidas a uma intensa regulação e que, se desempenhadas em desacordo com os parâmetros normativos, podem acarretar punições aos responsáveis.

O art. 6º da Lei n. 11.445/2007 designa uma série de tipos de resíduo que não integram, a priori, os resíduos urbanos, a não ser que decisão do Poder Público assim determine. São eles: “o lixo originário de atividades comerciais, industriais e de serviços cuja responsabilidade pelo manejo não seja atribuída ao gerador pode, por decisão do poder público, ser considerado resíduo sólido urbano.”.

Vê-se que o dispositivo confere certa margem de liberdade a que o Poder Público inclua nos âmbito dos serviços públicos de saneamento outros tipos de resíduos.

A utilização no art. 6º da expressão “poder público” e não “titular” dos serviços, provavelmente, indica o cuidado do legislador em não restringir a apenas um ente federado a prerrogativa para a inclusão de novos tipos de resíduos nos serviços de

saneamento, tendo em vista o regime de competência concorrente sobre meio ambiente acima citado.

Seria possível, assim, cogitar de norma federal conferindo maior abrangência à noção de resíduos sólidos urbanos, ou mesmo, nas lacunas que a normatização federal proporcionar, um detalhamento promovido por normas estaduais e municipais que provocassem o aumento do escopo dos serviços de saneamento nos termos autorizados pelo próprio art. 6º da Lei Federal n. 11.445/2007.

O art. 7º da Lei Nacional de Saneamento detalha os serviços de manejo de resíduos. A divisão estabelecida pelo dispositivo configura um confiável roteiro para um aprofundamento nas características de cada atividade.

• Coleta, transbordo e transporte dos resíduos – A coleta é o recolhimento

dos resíduos para sua disposição final. Nos termos da NBR n. 12.980, de 1993, a coleta deve se adaptar aos diferentes origens dos resíduos, classificando-se em domiciliar; especial (destinada à remoção e transporte de resíduos de características próprias com origem, peso e volumes especiais), hospitalar externa, de resíduos com riscos para saúde (portos, aeroportos e terminais), de resíduos de serviços de saúde e coleta de resíduos de feiras, praias e calçadões.

Entre a coleta e a destinação final é possível a instalação de áreas de transbordo, locais onde o veículo coletor transfere os resíduos para outros veículos de maior porte – caminhões maiores, barcas, trem, etc. (ARAÚJO, 2008, p. 93). As áreas de transbordo oferecem escala aos serviços, prestando-se como posto intermediário para o transporte de resíduos em longas distâncias e permitindo, conforme o caso, a compactação do material para seu melhor acondicionamento.

• Triagem para fins de reúso ou reciclagem, de tratamento, inclusive por compostagem, e de disposição final dos resíduos – A coleta e o transporte de resíduos

podem ser associados ao processo de triagem, nos quais os resíduos são segregados em usina apropriada. A separação tornará possível o reúso de materiais (garrafas higienizadas, resíduos da construção civil, etc.), sua reciclagem e tratamento.

O tratamento é caracterizado como o conjunto de “procedimentos destinados a reduzir a quantidade ou o potencial poluidor dos resíduos sólidos, seja impedindo o

descarte do lixo em ambiente ou local inadequado, seja transformando em material inerte ou biologicamente estável”. (ARAÚJO, 2008, p. 98)

Integra o conceito de tratamento o processamento dos resíduos em incineradores e usinas de compostagem, as quais promovem a “transformação orgânica dos resíduos sólidos, que, depois de processada biologicamente, se transforma em novo produto” passível de aplicação em outros usos como no caso de fertilizantes (ARAÚJO, 2008, p. 99). Os resíduos não passíveis de reúso ou reciclagem são destinados à disposição final.

No que toca a resíduos sólidos urbanos, a técnica de disposição final mais comum é construção de um aterro sanitário, encarado como uma obra de engenharia projetada sob critérios técnicos para disposição do lixo sem danos à saúde pública e ao meio ambiente.

A correta construção de aterros deve observar cuidados especiais que envolvem a proteção de águas superficiais e subterrâneas contra contaminações; compactação de resíduos em células especiais que permitam simultaneamente o tráfego de veículos transportadores; a cobertura periódica das camadas de resíduos, o controle dos líquidos e gases produzidos pelo aterro e o isolamento da área evitando incômodos à população. (ARAÚJO, 2008, p. 99)

• Varrição, capina e poda de árvores em vias e logradouros públicos e outros eventuais serviços pertinentes à limpeza pública urbana – A atividade de

limpeza urbana, executada por ações de varrição, capina e pode de árvores, aparentemente simples, envolve uma dispendiosa alocação de recursos humanos e preparação logística. (ARAÚJO, 2008, p. 120)

A execução da limpeza implica a criação de um plano de varrição que contemple os setores da cidade e as respectivas frequências de varrição. Do mesmo modo, a capina e a poda de árvores exigem a aquisição de equipamentos apropriados e a formulação de um plano de trabalho eficiente. Integram ainda os serviços de limpeza urbana as atividades de: raspagem, roçagem, limpeza de ralos, limpeza de feiras, praias, desobstrução de ramais, galerias, desinfestação e desinfecções, pintura de meio-fios e lavagem de logradouros públicos. (ARAÚJO, 2008, p. 121)

Verifica-se que a operação de resíduos difere significativamente do abastecimento de água e coleta de esgoto. A rede de resíduos não tem utilização tão específica e por exigir recursos de menor monta para instalação convive com um número menor de barreiras à entrada e à saída, todas essas características mais próximas de um serviço comercial convencional (TUROLLA, 2006, p. 20). Em outras palavras, a configuração do monopólio natural é mais improvável na limpeza urbana e no manejo de resíduos sólidos.

Acrescente-se que, à semelhança do que ocorre com algumas das atividades dos serviços de água e esgoto, a limpeza urbana pode ser fracionada em atividades essencialmente locais, como a coleta de resíduos nos domicílios e varrição e limpeza de logradouros públicos, e outras em que uma abrangência regional pode ter influência significativa.

Nesse último caso, sistemas de transbordo e usinas de reciclagem, por demandarem um volume significativo de resíduos para seu funcionamento, poderiam ser organizados conjuntamente por Municípios interessados. Imperativos ambientais e mesmo geográficos (inexistência de áreas de aterro em determinados Municípios) podem redundar, também, na necessidade de atuação concatenada dos entes políticos.

Mais uma vez a possibilidade de desagregação de atividades se faz presente como instrumento para a organização dos serviços, possibilitando a convivência de diversos operadores, bem como a inserção de alguns dos aspectos ou atividades integrantes dos serviços em um sistema de gestão compartilhada.