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As posições que defendem a relativização da titularidade municipal em

4.1 ORGANIZAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS A RESPEITO DO

4.1.3 As posições que defendem a relativização da titularidade municipal em

Muitas são os posicionamentos que optam pela relativização da titularidade municipal em favor dos Estados, seja no caso das regiões metropolitanas, seja nas hipóteses em que um interesse regional nos serviços se verifique independentemente do fenômeno metropolitano (e figuras afins como a aglomeração urbana e a microrregião).

Para Barroso (2002, p. 14), o reconhecimento da competência do Estado para desempenhar os serviços de interesse comum, particularmente no âmbito das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, “decorre de uma imposição do interesse público, no que diz respeito à eficiência e qualidade do serviço prestado e, muitas vezes, até mesmo à sua própria possibilidade”.

Segundo o autor, assunção pelo Estado das competências para os serviços comuns não representa restrição indevida da autonomia municipal, já que esta é definida pelo Texto Constitucional: o mesmo texto que confere aos Municípios competência para os

serviços de interesse local é o que possibilita a existência de regiões metropolitanas e define papel dos Estados nesse particular (p. 15).

O Ministro Maurício Corrêa, relator da ADI n. 1.842-5, em seu voto, reconhece aos Estados a prerrogativa para prestar e regular os serviços no ambiente regulatório. Com efeito, declarou como constitucionais diversos dispositivos da Lei Complementar n. 87/89 e de leis ordinárias que atribuíam ao Estado do Rio de Janeiro a competência para executar os serviços e legislar sobre a política tarifária:

Por outro lado, a regionalização de municípios limítrofes, devidamente justificada, longe está de caracterizar intervenção do Estado ou mesmo usurpação de autonomia e competência municipal, antes materializa compartilhamento de atribuições e serviços públicos sob a direção executiva do Estado, em face do seu caráter regional, o que encontra expressa autorização no ordenamento constitucional vigente.

[...].

Verificado o interesse geral regional predominante na utilização racional das águas, pertencentes formalmente ao Estado, o que o torna gestor natural de seu uso coletivo, assim como da política de saneamento básico cujo elemento primário é também a água, resta claro competir ao Estado-membro, com prioridade sobre o Município, legislar acerca da política tarifária aplicável ao serviço público de interesse comum. (STF ADI n. 1.842-5)

A despeito de afirmar claramente a possibilidade de transferência para Estados de competências municipais em decorrência da constituição de região metropolitana, o Ministro Maurício Corrêa, em seu voto, aponta em muitos trechos a importância da participação dos Municípios no processo de tomada de decisões. Mostra-se ambíguo nesse ponto, uma vez que encara a integração decisória dos Municípios como um importante requisito para o funcionamento do fenômeno metropolitano:

Sem dúvida, a instituição desse mecanismo torna relativa a autonomia municipal nas matérias que a lei complementar julgou por bem transpor para o Estado, porém a participação dos Municípios na solução dessas questões não é apenas desejável, segundo o espírito democrático que deve nortear tal atuação, mas essencial, em face da qualificação do próprio sentido do verbo integrar utilizado pela Constituição, do qual desponta cristalino que as decisões de interesse dessas áreas deverão ser compartilhadas entre os Municípios que o compõe e o Estado. [...].

Não é razoável pretender-se que, instituídos esses organismos, os Municípios que os compõem continuem a exercer isoladamente as competências que lhes foram cometidas em princípio, uma vez que nessas circunstâncias estabelece-se uma comunhão superior de interesses, daí porque a autonomia a eles reservada

sofre naturais limitações oriundas do próprio destino dos conglomerados de que façam parte.

[...].

Nessas situações, o interesse público muitas vezes prepondera, exigindo uma atuação conjunta, organizada, dirigida e planejada por terceira entidade, no caso o Estado, ao qual estão vinculados os Municípios.

[...].

Dizem a razão e bom sendo que toda a definição acerca do assunto seja disciplinada pelo Estado em conjunto com os Municípios e não mais por estes isoladamente. (STF ADI n. 1.842-5)

Vê-se que o referido voto encontra-se a meio caminho do entendimento que propugna pela partilha da titularidade entre Estados e Municípios, embora defenda ser possível que apenas o Estado desempenhe a execução de funções de interesse comum.

Um dos mais notórios defensores da titularidade estadual dos serviços de interesse comum é Tácito (2000). Comunga o autor a respeito da preponderância do interesse regional sobre o local e de que a avocação de competências pelo Estado não simboliza restrição à autonomia municipal:

A lei complementar estadual, instituidora da região metropolitana, afirma a íntima correlação de interesses que, em benefício do princípio da continuidade, da produtividade e da eficiência, torna unitária e coordenada, em entidade própria do Estado, segundo a lei complementar, a gestão de serviços e atividades originariamente adstritos à administração local.

A avocação estadual de matéria ordinariamente municipal não viola a autonomia do Município na medida em que se fundamenta em norma constitucional, ou seja, em norma de igual hierarquia. É a própria Constituição que, ao mesmo tempo, afirma e limita a autonomia municipal. (TÁCITO, 2000, p. 307)

Tácito (2000) insere como causa motivadora da competência estadual não somente a existência de região metropolitana, mas, também, os mecanismos consensuais de gestão associada de serviços públicos, bem como as situações fáticas em que materialmente se verifica um serviço que ultrapasse o interesse de um único Município.

Com isso confere uma abrangência consideravelmente maior à competência estadual, visto que essa se faz presente independentemente da região metropolitana, bastando para sua consolidação a existência de um serviço de interesse comum.

A reserva de competência municipal para serviços de saneamento básico pressupõe, para o autor, que as todas as suas fases se realizem inteiramente na área

municipal. Ultrapassados tais limites, cabe ao Estado sua regulação e administração, pois prepondera o interesse comum sobre o peculiar interesse local:

De todo o exposto decorrem, quanto à substância da consulta premissas essenciais:

a) nos Municípios incluídos na Região Metropolitana, os serviços de saneamento básico são, em sua totalidade, de competência estadual plena, conforme regulado em legislação específica;

b) a reunião dos Municípios em aglomerados urbanos ou microrregiões atenderá às normas específicas na respectiva Lei Complementar (art. 25, § 3º da Constituição);

c) mediante convênio de cooperação, nos termos do art. 241, como regido pela Emenda Constitucional n. 19/98, caberá a gestão associada dos serviços;

d) acresce mais que, mesmo nos Municípios não abrangidos nas hipóteses das alíneas acima, o princípio da indispensável continuidade dos serviços de saneamento básico, a partir de suas origens até sua disponibilidade pelos usuários, poderá colocar em plano dominante a competência estadual, cabendo, ademais, a estipulação de convênio de cooperação que venha a ser pactuado entre Estado e município (Emenda Constitucional n. 19/98).

Em síntese, a excepcional reserva de competência municipal para serviços de saneamento básico pressupõe que, em todas as suas fases (da captação até o consumo de água, de que é complementar a coleta e tratamento de esgoto) ele se realizam, por inteiro, na área municipal.

Na medida em que ultrapassa tais limites, cabe ao Estado sua regulação e administração, em conformidade com a supremacia do interesse comum sobre o do peculiar interesse local. (TÁCITO, 2000, p. 309)73

Apresentados os principais argumentos que defendem a titularidade do Estado, são discutidas, em seguida, as opiniões que orbitam em torno da titularidade do saneamento compartilhada por Estados e Municípios.