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A rápida digressão a respeito da evolução da cooperação federal no Estado brasileiro demonstrou como a natureza e as dimensões do federalismo encontram-se fortemente influenciados pela construção das instituições políticas e ainda pela maneira como o Estado promove o desenvolvimento socioeconômico. (SADDI, 1999, p. 20)

O fato é que as relações entre o amadurecimento político e o desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente federal apresentam condicionantes próprios em países com a história semelhante à do Brasil.

Conforme nos informa Fabiana Saddi (1999, p. 22), em países como os “Estados Unidos, por exemplo, a questão volta-se não para a criação de autoridade e o acumulo de poder, mas de preferência para a limitação da autoridade e divisão de poder”.

Já no contexto brasileiro, a questão encontra-se focada na constante necessidade de construir novas bases de autoridade legítima para o Estado (constantemente alteradas pelas vicissitudes políticas), o que faz qualquer desejo de fortalecimento da cooperação em um federalismo tradicionalmente incompleto perder estabilidade e força. O resultado é um sistema federal que não resulta na autonomia e no relacionamento

cooperativo das unidades subnacionais, mas na dependência dessas em relação ao Poder Central. (SADDI, 1999, p. 22)

Um agravante reside na circunstância de que, com exceção do contexto político de 1946 e com a redemocratização da década de 1980, o Brasil pouco ofereceu em termos de um regime democrático sólido que possibilitasse um federalismo cooperativo paupável e duradouro. Tratava-se, assim, de uma predisposição política para a centralização calcada nos regimes autoritários que marcaram a evolução da administração brasileira.72

A estratégia de desenvolvimento econômico dominante no ideário dos governantes brasileiros durante parte considerável do século XX também favoreceu a conformação centrípeta do nosso federalismo (tem-se em mente a doutrina do desenvolvimentismo e suas diversas vertentes).

O relevante papel do Estado na industrialização e prestação de serviços essenciais atraiu naturalmente para a unidade federativa detentora de maiores recursos econômicos (a União) o desempenho de tarefas relacionadas ao desenvolvimento de infraestrutura e outros setores cruciais para o país.

Aproximando tal discussão do saneamento, a descrição empreendida confirmou a estreita evolução histórica dos serviços com o desenvolvimento do Estado Federal. Nesse sentido, como já afirmado neste trabalho, a experiência histórica do saneamento é um retrato fidedigno da dinâmica do Estado Federal brasileiro, em que a União em primeiro lugar e, posteriormente, os Estados, por deterem o controle da maior parte das receitas públicas, acabam retendo uma elevada ingerência nas políticas públicas de interesse local.

A história do saneamento, descrita no capítulo 1, prova que sua prestação ocorreu, fundamentalmente, com base nas diretrizes da União e, já na fase do Planasa, em infraestrutura controlada por entidades estaduais conforme determinações federais. Ou

72 Curioso notar como a evolução do federalismo brasileiro contraria as predições de Hamilton (1959, p. 190- 191) sobre a natureza dos regimes federativos. Para a citada figura histórica, a tendência dos esquemas federativos seria presenciar o gradual enfraquecimento do governo federal: “Vimos em todos os exemplos das confederações antigas e modernas, que a tendência mais potente que continuamente se manifesta nos membros, é a de privar o governo federal de suas faculdades, tanto que este revela mui pouca capacidade para defender-se contra estas exorbitâncias. [...] Os governos dos Estados terão sempre a vantagem sobre o governo federal, seja que os comparemos do ponto de vista da dependência imediata de um para com outro, do peso da influência pessoal que cada lado possuirá, dos poderes respectivamente outorgados a eles, da predileção e o provável apoio do povo, da inclinação e faculdade para resistir ou frustrar as medidas do outro.”

seja, da perspectiva dos Municípios, houve, com poucas exceções, centralização do controle dos serviços ora na União, ora nesta em conjunto com os Estados.

Apesar de questões de ordem prática intransponíveis, como o tamanho reduzido de muitos Municípios, dotados de baixa capacidade de arrecadação e investimento, é forçoso admitir que o atual estágio da gestão do saneamento no Brasil é fruto, ao menos em parte, de uma postura centralizadora que impediu que a maioria dos entes municipais desenvolvessem as capacidades necessárias para a assunção dos serviços.

Destaque-se que o Planasa teve não somente o mérito de expandir consideravelmente os serviços, bem como de envolver os Estados na sua gestão, atingindo um nível de descentralização maior que o de muitas políticas públicas da época. Mesmo com a inclusão dos Estados (por meio das empresas estaduais de saneamento), a dependência dos financiamentos da União e a subordinação às diretrizes gerais por ela definidas é um fato incontestável.

Daí se afirmar que o percurso histórico do saneamento é produto de influências particulares e próprias do setor, como viso acima, mas é também reflexo da evolução do federalismo brasileiro. O mesmo federalismo que, com a Constituição de 1988, inaugurou novas possibilidades de relação institucional no Estado brasileiro, tornando mais concreta a alternativa da gestão compartilhada.

Por certo que a evolução do federalismo de cooperação no Brasil não deve ser encarada como uma história de puro fracasso. Muito se desenvolveu no país no que toca à aproximação dos entes federativos, fato potencializado com o processo de democratização política e pela predisposição de muitos governos em empreender uma gestão mais descentralizada das questões públicas.

O processo de amadurecimento das relações intergovernamentais aponta para um aprimoramento dos mecanismos de cooperação federal, de forma a superar a dicotomia estéril entre centralização e descentralização, uma dualidade que pouco acrescenta ao debate e à definição de novas formas de organização de serviços públicos, o que leva esta discussão diretamente ao exame da gestão compartilhada dos serviços de saneamento e seus aspectos institucionais.

4 A GESTÃO COMPARTILHADA DO SANEAMENTO SOB O

ASPECTO INSTITUCIONAL

As finalidades previstas nas normas jurídicas não se realizam espontaneamente. Demandam, para sua realização, a ação de instituições e a distribuição de responsabilidades e competências entre atores sociais. Neste capítulo, o objetivo é justamente avaliar o desenho institucional no âmbito da gestão compartilhada.

Alguns esclarecimentos metodológicos auxiliaram a traçar os limites materiais utilizados para a descrição do arcabouço institucional visado.

Tem-se por premissa, consoante descrito nos capítulos precedentes, que a gestão compartilhada do saneamento é formada pela aplicação de institutos capazes de relacionar em torno da prestação dos serviços dois ou mais entes federados. Nesse sentido, a gestão associada de serviços públicos e as regiões metropolitanas figuram como relevantes subsídios para análise.

Todavia, o objeto de estudo deste capítulo não reside puramente no deslinde da natureza e das características dos consórcios, convênios de cooperação e regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, mas nas relações e possibilidades que proporcionam quando aplicados na concretização dos serviços de saneamento básico.

A consequência principal desse “corte metodológico” consistirá no direcionamento dos esforços investigativos para a interface entre o saneamento e os institutos acima descritos, e não no seu exame isolado ou autônomo, afastando-se o risco de desvios na linha adotada neste trabalho.

Nesse contexto, a natureza e as características jurídicas dos consórcios, convênios de cooperação e região metropolitanas serão utilizados como dados acessórios para o estudo do saneamento, e não como foco principal de análise.

4.1 ORGANIZAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS A RESPEITO DO SANEAMENTO E