• Nenhum resultado encontrado

A Linguística da Enunciação e a concepção de enunciação

CAPÍTULO I TEXTO, ENUNCIAÇÃO E ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS

1.3 A Linguística da Enunciação e a concepção de enunciação

Estudar o Ponto de Vista e a Responsabilidade Enunciativa implica ter em conta um conceito de enunciação que ampare a adoção de categorias de análise. O presente tópico apresenta a noção de enunciação por vários autores com o objetivo de delinear o cenário teórico que envolve nossa postura adotada nesta investigação, tanto para conceituar e aplicar as categorias da RE e do PDV quanto para relacionar a enunciação ao texto. Fizemos essa discussão a partir das teorias apresentadas por Flores e Teixeira (2013)17.

A Linguística da Enunciação - LE, cujo objeto de estudo é a enunciação, oferece um vasto conjunto de propostas teóricas, viabilizando que a compreensão do seu objeto seja múltipla e diversificada (FLORES; TEIXEIRA, 2013).

Reconhecer que as propostas teóricas acerca da enunciação apresentam como interseção o estudo das marcas dos sujeitos nos enunciados, dando lugar a um tripé teórico: sujeito, enunciação e enunciado. Supondo, assim, que o sujeito se manifesta na ação linguageira, ou seja, como seu ato (enunciação) manifesta-se em linguagem (enunciado) tendo em vista uma situação, um contexto específico.

Flores e Teixeira (2013) afirmam que as teorias da enunciação têm em conta ultrapassar os limites epistemológicos e teóricos da linguística da língua. A linguagem é concebida como assumida por um sujeito. A investigação dirige-se, portanto, à instância de produção dos enunciados. As teorias produzem categorias que demarcam não a repetibilidade das marcas linguísticas, mas a singularidade da ocorrência contextual.

Bally (1965) é considerado por muitos como precursor da linguística da enunciação. Ele possuía interesse em Saussure e na enunciação (a qual estaria circunscrita no início dessas investigações à “linguística da fala” dentro do quadro dicotômico sausseriano) (FLORES; TEIXEIRA, 2013).

Uma das novidades dos seus estudos e que abre os caminhos para o estudo da enunciação é ter desenvolvido uma estilística de caráter descritivo, divergindo do perfil normativo comumente vigente nesses estudos. A estilística está relacionada à fala e permeia toda a linguagem (FLORES; TEIXEIRA, 2013).

17 A teoria da enunciação de Bakhtin foi abordada juntamente com sua concepção de gêneros do discurso

A linguagem pode expressar sentimentos e emoções. A expressividade não é apenas a intervenção de um sujeito em certos gêneros (especialmente os gêneros literários), mas um aspecto coletivo da expressividade linguística (FLORES; TEIXEIRA, 2013).

Outra consideração teórica que remete à enunciação é a concepção de oração. Para Bally a oração tem duas partes: a) o dictum, que é a base da oração, seu conteúdo; b) o modus, que diz respeito a(s) operação (ões) que o sujeito faz sobre o conteúdo, expressando seu ponto de vista. O modus (trabalhado de diversas formas nos estudos atuais, especialmente pela categoria das modalizações) comporta a presença do sujeito no enunciado.

Nas palavras de Bally (1965, p. 36),

Passemos agora ao terreno da linguagem e perguntemo-nos sobre qual é a forma mais lógica pela qual poderá assumir a comunicação do pensamento. É evidente que é aquela que distingue claramente a representação recebida pelo sentido, pela memória ou pela imaginação, e a operação psíquica que o sujeito opera sobre ela [...] A frase explícita, assim, compreende duas partes: uma é correlata ao processo que constitui a representação (por exemplo, a chuva, uma cura); nós a chamaremos, ao modo dos lógicos de dictum. A outra contém a peça mestre da frase, sem a qual não há frase, a saber, a expressão da modalidade, correlata à operação do sujeito pensante. A modalidade tem por expressão lógica e analítica um verbo modal (por exemplo, crer, ter prazer, desejar), e seu sujeito, o sujeito modal; todos os dois constituem o modus, complementar do dictum18

Por sua vez, Benveniste desenvolveu uma investigação da linguística da fala dentro dos cânones saussurianos (FLORES; TEIXEIRA, 2013). Benveniste opõe dois níveis de significação, que são o semiótico e o semântico. O semiótico remete ao conceito de signo de Saussure, em que o significado está no nível intralinguístico (o significado de um signo é relativo aos demais signos no sistema linguístico) (FLORES; TEIXEIRA, 2013).

O nível semântico do significado relaciona-se à atividade da língua em ação pelo locutor. No nível semântico, a atividade de referência é um fator que determina o sentido, já que se trata da situação da língua em discurso. A atividade de referência é uma atividade intersubjetiva, em que os interlocutores atribuem sentido às palavras pela referência.

Benveniste trabalha o sistema de pessoas ligadas à enunciação. Aborda as categorias de pessoa (eu/tu), em que o “eu” tem o papel de subjetividade, uma vez que o locutor

18 Transportons-nous maintenant sur le terrain du langage, et demandons-nous quelle est la forme la plus logique

que puisse revêtir la communication de la pensée. C’est évidemment celle qui distingue nettement la représentation reçue par les sens, la mémoire ou l’imagination, et l’opération psychique que le sujet opère sur elle (...) La phrase explicite comprend donc deux parties : l’une est le corrélatif du procès qui constitue la représentation (p. ex. la pluie, une guérison); nous l’appellerons, à l’exemple des logiciens, le dictum. L’autre contient la pièce maîtresse de la phrase, celle sans laquelle il n’y a pas de phrase, à savoir l’expression de la modalité, corrélative à l’opération du sujet pensant. La modalité a pour expression logique et analytique un verbe modal (p. ex. croire, se réjouir, souhaiter), et son sujet, le sujet modal; tous deux constituent le modus, complémentaire du dictum.

encontra-se implicado no seu próprio enunciado. Ao lado da pessoa, há a categoria da não pessoa (“ele”) que se manifesta por diversas formas verbais e possui existência independente da instância enunciativa.

O sujeito é resultado da interação dos sujeitos pela linguagem, sendo a linguagem constitutiva do ser humano, não apenas um instrumento que projeta uma humanidade anterior à existência das formas linguísticas. A implicação do “eu” na linguagem acarreta a constituição de um “tu”. O sujeito na sua teoria aparece como representação linguística realizada na enunciação a partir da potencialidade do sistema linguístico.

Benveniste ainda faz uma divisão entre linguística das formas e a de enunciação. A linguística das formas é responsável por descrever as regras sintáticas da língua, enquanto objeto imanente e estruturado. A linguística de enunciação pressupõe a primeira linguística e inclui a enunciação. A enunciação coloca a língua em funcionamento pelo ato individual de sua utilização. Pela enunciação transforma-se a virtualidade da língua em discurso (FLORES; TEIXEIRA, 2013).

Encontramos no Aparelho Formal da Enunciação um resumo da visão de Benveniste (1970) sobre os elementos da enunciação, que são a língua em uso (discurso), o dialogismo e a referência:

A enunciação é posta em funcionamento na língua por um ato individual de utilização. O discurso, digamos, que é produzido a cada momento em que falamos, essa manifestação da enunciação, não seria simplesmente a “palavra”? — Devemos tomar em consideração a condição específica da enunciação : é o ato mesmo de produzir um enunciado e não o texto do enunciado que é nosso objeto. Esse ato é o fato do locutor que mobiliza a língua por sua conta. A relação do locutor com a língua determina as características linguísticas da enunciação. Devemos considerar as circunstâncias que envolvem o locutor, que toma a língua como seu instrumento e as marcas linguísticas que marcam essa relação. (BENVENISTE, 1970, p. 12-13).

A enunciação supõe a conversão individual da língua em discurso. Eis a questão – muito difícil e ainda pouco estudada – é de ver como o “sentido” se forma nas “palavras”, em que medida podemos distinguir entre as duas noções e em que termos podemos descrever sua interação. É a semantização da língua que está no centro desse aspecto da enunciação e ela conduz à teoria do signo e à análise do significado. (BENVENISTE, 1970, p. 13).

Na enunciação, nós consideraremos de forma sucessiva o ato em si, as situações em que ele se realiza, os instrumentos de realização. O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz de início o locutor como parâmetro nas condições necessárias à enunciação. Antes da enunciação, a língua não é nada mais do que a possibilidade da língua. Após a enunciação, a língua é atualizada como instância do discurso, que emana de um locutor, forma. Enquanto realização individual, a enunciação pode ser definida, por remissão à língua, como um processo de apropriação. O locutor apropria-se do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por índices específicos, de um lado, e por meio de processos acessórios, de outro lado. Mas imediatamente, dado que ele se declara locutor e assume a língua, ele implanta um outro em face dele, qualquer que seja o grau de presença que ele atribui a esse

outro. Toda enunciação é, explícita ou implicitamente, uma alocução, ela postula um alocutário. Enfim, na enunciação a língua encontra-se empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa apropriação da língua é, no locutor, a necessidade de referir pelo discurso, e, no outro, a possibilidade de co-referir de forma idêntica, no consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação.19

(BENVENISTE, 1970, p. 14).

A enunciação, na perspectiva de Benveniste (1970), reflete-se em nossa pesquisa no tocante às marcas de responsabilidade enunciativa, conforme propõe Adam (2011a), inspirado em Benveniste (1970).

Ducrot (1987) é outro autor que também constitui um dos pontos de partida para a reflexão sobre a enunciação. Ducrot (1987) estabelece sua abordagem na esteira de Saussure e Benveniste. Ele trabalha com uma pragmática linguística, em que a pragmática está integrada nos enunciados, no seu valor informativo.

Ducrot (1987) considera que a língua permite uma análise lógica combinando essa perspectiva com a teoria dos atos de fala. A pragmática linguística tem por objeto as imagens dos sujeitos na enunciação mediadas pelo enunciado. A base da sua teoria é de que a argumentação está na língua, tendo essa concepção sido trabalhada e retrabalhada por toda sua obra.

Ducrot (1987) contesta a ideia que por trás de cada enunciado exista um único sujeito e que esse sujeito seja marcado pelas formas de primeira pessoa. Há diferentes representações

19 L'énonciation est cette mise en fonctionnement de la langue par un acte individuel d'utilisation. Le discours,

dira-t-on, qui est produit chaque fois qu'on parle, cette manifestation de énonciation, n'est-ce pas simplement la « parole »? — II faut prendre garde à la condition spécifique de l’énonciation : c'est l'acte même de produire un énoncé et non le texte de l'énoncé qui est notre objet. Cet acte est le fait du locuteur qui mobilise la langue pour son compte. La relation du locuteur à la langue détermine les caractères linguistiques de l’énonciation. On doit l'envisager comme le fait du locuteur, qui prend la langue pour instrument, et dans les caractères linguistiques qui marquent cette relation.

L'énonciation suppose la conversion individuelle de la langue en discours. Ici la question — très difficile et peu étudiée encore — est de voir comment le « sens » se forme en « mots », dans quelle mesure on peut distinguer entre les deux notions et dans quels termes décrire leur interaction. C'est la sémantisation de la langue qui est au centre de cet aspect de l’énonciation, et elle conduit à la théorie du signe et à l'analyse de la signifiance.

Dans l’énonciation, nous considérons successivement l'acte même, les situations où il se réalise, les instruments de l'accomplissement. L'acte individuel par lequel on utilise la langue introduit d'abord le locuteur comme paramètre dans les conditions nécessaires à énonciation. Avant énonciation, la langue n'est que la possibilité de la langue. Après énonciation, la langue est effectuée en une instance de discours, qui émane d'un locuteur, forme sonore qui atteint un auditeur et qui suscite une autre énonciation en retour. En tant que réalisation individuelle, énonciation peut se définir, par rapport à la langue, comme un procès d'appropriation. Le locuteur s'approprie l'appareil formel de la langue et il énonce sa position de locuteur par des indices spécifiques, d'une part, et au moyen de procédés accessoires, de l'autre.

Mais immédiatement, dès qu'il se déclare locuteur et assume la langue, il implante Vautre en face de lui, quel que soit le degré de présence qu'il attribue à cet autre. Toute énonciation est, explicite ou implicite, une allocution, elle postule un allocutaire. Enfin, dans énonciation, la langue se trouve employée à l'expression d'un certain rapport au monde. La condition même de cette mobilisation et de cette appropriation de la langue est, chez le locuteur, le besoin de référer par le discours, et, chez l'autre, la possibilité de co-référer identiquement, dans le consensus pragmatique qui fait de chaque locuteur un co-locuteur. La référence est partie intégrante de l’énonciation.

do falante no enunciado, tomando-se o enunciado como ocorrência concreta e empírica da frase. O enunciado possui sentido a partir do campo dos fatos. O sujeito comunica pelo enunciado a própria qualificação do enunciado e o sentido do enunciado traz a representação do sujeito.

Conforme Ducrot (1987, p. 169), sobre a enunciação:

O que designarei por este termo é o acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado. A realização de um enunciado é um acontecimento histórico: é dado existência a alguma coisa que não existia antes de se falar e que não existirá mais depois. É esta aparição momentânea que chamo “enunciação”. Ressaltar-se-á que não faço intervir na minha caracterização da enunciação a noção de ato – a fortiori, não introduzo, pois, a noção de um sujeito autor da fala e dos atos de fala.

A enunciação comporta duas figuras, que são locutor e o enunciador. O locutor é responsável pela enunciação, não se confundindo com o falante real. O locutor revela-se no enunciado pelas marcas de primeira pessoa. O enunciado contém marcas que remetem tanto ao locutor como ser real quanto aquele é constituído no dito (DUCROT, 1987).

Com base na sua concepção de enunciação, o enunciador é uma perspectiva posta pela enunciação, em que seu ponto de vista é expresso por palavras ainda que não precisas (as palavras não são necessariamente formas que numa língua marcam pessoas do eixo do eu/tu/ele). O enunciador surge como imagem posta pelo locutor. A identificação do enunciador passa pelo locutor a partir de uma perspectiva polifônica.

Um ponto da teoria de Ducrot que interessou a nossa pesquisa é a visão da argumentação como construção de enunciados que justificam outros enunciados. A argumentação constitui elemento que determina o sentido do enunciado (DUCROT, 1987).

Para Flores e Teixeira (2013), a principal dificuldade de Ducrot nesse ponto é justificar sua tese de argumentação na língua, especialmente quando recorre à figura do topos.

A última teoria que nossa tese revisou foi a de Authier-Revuz. Essa autora (1990) aborda a modalização autonímica, ancorando-se, além da linguística, em aportes teóricos de outras áreas, como, por exemplo, na psicanálise, com Lacan, Freud, considerando a concepção de sujeito dividido, além de se apoiar, na filosofia da linguagem, mais precisamente, no dialogismo de Bakhtin (2015). Segundo Authier-Revuz (1990, p. 28-29),

Para propor o que chamo de heterogeneidade constitutiva do sujeito e de seu discurso, apoiar-me-ei, de um lado, nos trabalhos que tomam o discurso como produto de interdiscursos ou, outras papalavras, a problemática do dialogismo bakhtiniano; de outro lado, apoiar-me-ei na abordagem do sujeito e de sua relação com a linguagem permitida por Freud e sua releitura por Lacan.

A evidência destes processos reais que determinam o sentido e o discurso é, com efeito, indissociável de uma teoria da ilusão subjetiva da fala e de um questionamento das teorias linguísticas da enunciação à medida que estas correm o risco de refletir “a ilusão necessária constitutiva do sujeito”, contentando-se em reproduzir, no nível teórico, esta ilusão do sujeito enunciador capaz de escolhas, intenções e decisões.

Numa outra perspectiva – a da teoria de seu objeto próprio, o inconsciente – a psicanálise, tal como se explicita, apoiada na teoria de Saussure, na leitura lacaniana de Freud, produz a dupla concepção de uma fala fundamentalmente heterogênea e de um sujeito dividido.

Em ruptura com o EU, fundamento da subjetividade clássica concebida como o interior diante da exterioridade do mundo, o fundamento do sujeito é aqui é deslocado, desalojado, “em um lugar múltiplo, fundamentalmente heterônimo, em que a exterioridade está no interior do sujeito. Nesta afirmação de que,

constitutivamente, no sujeito e no seu discurso está o Outro, reencontram-se as

concepções do discurso, da ideologia, e do inconsciente, que as teorias da enunciação não podem, sem riscos para a linguística, esquecer.

O sujeito dividido relaciona-se com a heterogeneidade constitutiva do sujeito e do discurso, a qual se mostra de duas formas: heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva. O sujeito é sempre um sujeito polifônico posto pela linguagem e seu discurso um dialogismo em referência a outros discursos que o antecederam e que vão lhe suceder. Na enunciação, o sujeito é uma ilusão criada pela linguagem, que dá a sensação de centro, unidade e plenitude sobre seu dizer.

Nas palavras de Authier-Revuz (1990, p. 26-27):

O “dialogismo” do círculo de Bakhtin, como se sabe, não tem como preocupação central o diálogo face a face, mas constitui, através de uma reflexão multiforme, semiótica e literária, uma teoria da dialogização interna do discurso.

E à problemática do discurso como produto do interdiscurso, tal como foi desenvolvida num conjunto de trabalhos consagrados ao discurso e á análise do discurso que estou me referindo. Baseadas ao mesmo tempo na reflexão de Foucault e Althusser, tais análises postulam um funcionamento regulado do exterior, do interdiscurso, para dar conta da produção do discurso, maquinaria estrutural ignorada pelo sujeito que, na ilusão, se crê fonte de seu discurso, quando ele nada é mais do que suporte e o efeito

O dialogismo e a heterogeneidade levam a autora a refletir sobre as formas da não coincidência do discurso com ele mesmo. Essa não coincidência ocorre no plano da relação interlocutiva e na relação do dizer com o já-dito (AUTHIER-REVUZ, 1990).

A autora estuda formas de reflexibilidade na linguagem, especialmente a modalização autonímica. O locutor usa as palavras e ao mesmo tempo as mostra (a palavra é ao mesmo tempo uso e menção). Ela discorre sobre o signo autonímico, que possui uma semiótica

complexa, ainda que não seja o caso de signo a parte do signo normal. A autonomia promove a não-transparência do significante.

A partir dessas considerações de Authier-Revuz, a enunciação seria realizada em dois campos: o da coincidência das palavras e da não coincidência das palavras. A concepção dessa autora foi importante para nosso trabalho, uma vez que sua concepção de sujeito clivado é adotada por Rabatel (2008, 2016a), concepção essa que é direcionada como crítica ao sujeito senhor absoluto da cena enunciativa, que mobiliza de forma superior as vozes dos outros na enunciação.

Considerando as concepções focalizadas, a enunciação é relacionada à língua em discurso, pelo qual o sujeito realiza enunciados que são irrepetíveis. Nessa direção, observamos que noções como discurso, dialogismo e polifonia também podem ser relacionadas ao texto, conforme evidenciaram teorias adotadas sobre o texto, neste capítulo. É pela consideração desses elementos que Adam (2011a) pensa a relação do texto com a enunciação, oferecendo ferramentas e categorias específicas por meio da proposta da ATD. Como o texto concretiza o discurso, a enunciação não é somente uma manifestação do sujeito no texto, mas um componente de construção do seu sentido.