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CAPÍTULO V PONTO DE VISTA E RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA EM

5.1 Componentes do gênero nas sentenças judiciais analisadas

5.1.2 Componente enunciativo

Como indicamos na parte metodológica, dividimos os enunciadores em enunciadores do processo, enunciadores do direito, enunciadores da doutrina e outros enunciadores. Com relação a essa classificação, levamos em consideração elementos da teoria do direito, sobre os quais fizemos uma opção teórica: “enunciadores do direito” são aqueles que servem de fonte obrigatória de fundamentação e aplicação do direito. Por esse motivo não colocamos a doutrina entre esses enunciadores por não considerarmos fonte do direito nesse sentido.

Podemos visualizar no quadro a seguir um exemplo da presença de enunciadores no texto das sentenças judiciais61:

Quadro 4: Presença dos enunciadores na sentença judicial

Identificação da sentença

Identificação da presença dos enunciadores nas sentenças analisadas

Enunciadores do processo Enunciadores do Direito Enunciadores da Doutrina Outros enunciadores 1. S_N_AC_01 1. L1/E1 (Marcos

Rafael Maciel de Souza, juiz): 10a (“É

1. e5 (Ministro Massami Uyeda, jurisprudência): 19ab 1. e9 (Rubens Requião, doutrina): 19ab (“Quanto ao 2. e10 (instrumento de protesto, prova): 24abc, 25abc (“O

o breve relatório. Passo a decidir.”) 2. e2 (Superpesa Industrial Ltda, autor): 3ab (“Requereu, com fulcro no artigo 94, inciso I, da Lei n. 11.101/2005, a decretação da falência da parte demandada.”) 3. e3 (Elen Construções e Comércio Ltda, réu): 5abcd (“Regularmente citada (fls. 50/51), a demandada apresentou contestação, alegando, em síntese, que a mercadoria, objeto do negócio que deu origem à duplicata de fl. 32, foi entregue

"danificada", bem como que o valor do

conserto (R$

32.500,00) deveria ser abatido do valor total da nota fiscal, arguindo, em razão disso, a falta de liquidez do título.”) 4. e4 (Ministério Público): 9ab (“O Ministério Público manifestou-se, às fls. 181/185, pela procedência da demanda.) (“Quanto ao ponto, socorro-me das lições doutrinárias de Rubens Requião, citado pelo Ministro Massami Uyeda, em voto proferido no REsp n. 959.838/SP:”) 2. e6 (Lei n. 11.101/2005,

legislação): 13ab (“a) Nesse sentido, exige o artigo citado, além da liquidez do título (ou títulos), que este

tenha sido regularmente protestado.”) 3. e7 (Superior Tribunal de Justiça, jurisprudência): 21ab (“Essa tem sido a posição adotada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:”) 3. e8 (Enunciado n. 361 da Súmula da jurisprudência do STJ, jurisprudência): 28abc (“Esse entendimento está de acordo com o Enunciado n. 361 da Súmula da jurisprudência do STJ (“a notificação do protesto, para requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu”). ponto, socorro-me das lições doutrinárias de Rubens Requião, citado pelo Ministro Massami Uyeda, em voto proferido no REsp n. 959.838/SP:”); 20 ab (“A propósito, leciona o saudoso Rubens Requião

que “O protesto da obrigação líquida, especial para o requerimento de falência, constitui um(...)”) instrumento de protesto (fls. 32 e 101), referente a duplicata com vencimento em 18/07/2006 (fls. 30 e 100), no valor de R$ 138.052,50, que embasa a presente demanda, no tocante ao ato de intimação do devedor, foi exarada nos seguintes termos:

CERTIFICO e dou fé, que intimei o(a) devedor(a)

mencionado(a) para efetuar o pagamento do título acima especificado, ou dar as razões porque não o fazia; ficou ciente tendo declarado: NÃO

RESPONDEU.”)

Observamos que na sentença acima há quatro enunciadores do processo: o juiz (L1/E1), o autor (e2), o réu (e3) e o Ministério Público (e4). Podemos notar vários mecanismos linguísticos que demarcaram a presença desses enunciadores, conforme os marcadores apontados por Adam (2011a). A presença do PDV do juiz é marcada pela utilização de índice de pessoas (“Passo a decidir.”), enquanto que autor e réu foram marcados por tempos verbais que indicam uma posição num quadro narrativo posto pela sentença (pretérito perfeito) ao mesmo tempo em que são usados expressões verbais do eixo do dizer (“Requereu, com fulcro no artigo 94, inciso I, da Lei n. 11.101/2005, a decretação da falência da parte demandada.”; “a demandada apresentou contestação, alegando, em síntese, (...)”). O Ministério Público é demarcado também por tempos verbais (pretérito perfeito), mas, ao contrário de autor e réu, há uso de expressões verbais que indicam o pensamento desse enunciador (“manifestou-se”).

Os enunciadores do direito encontrados fazem parte do grupo maior da jurisprudência (e5: Ministro Massami Uyeda; e7: Superior Tribunal de Justiça; e8: Enunciado n. 361 da Súmula da jurisprudência do STJ) e da legislação (e6: Lei n. 11.101/2005). A marcação da presença desses enunciadores é feita por vários recursos: representação da fala (discurso direto), introduzida por meio de citação (e5 e e8), suporte de pensamento relatado (e6, “Nesse sentido, exige o artigo citado, (...)”) e uso de quadros mediadores (e7, “Essa tem sido a posição adotada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:”).

Os demais enunciadores encontrados estão no campo dos enunciadores da doutrina (e9: Rubens Requião) e na classe dos outros enunciadores (e10: instrumento de protesto, que é prova processual). Em ambos os casos, são utilizadas formas de representação da fala (discurso direto pela citação, com aspas, negrito e texto recuado).

De modo geral, percebemos alguns padrões com relação à presença dos enunciadores nas partes da sentença judicial (relatório, fundamentação e dispositivo).

Com relação aos enunciadores do processo, notamos as seguintes constâncias:

a) presença do juiz (L1/E1): sua presença é maior nas partes relativas à fundamentação e quase exclusiva na do dispositivo. Na parte do relatório ocorreu praticamente seu apagamento enunciativo, sendo sua presença marcada quase uma exceção. Como exemplo da aparição desse enunciador no relatório, na sentença S_S_PR_01 encontramos a presença do juiz por meio de quase-responsabilidade no seguinte trecho (4eg: “(...)noventa e nove reais, e noventa e oito centavos). Para tanto, juntou aos autos certidão da 11ª Vara Cível de Curitiba – PR (fls 23), comprovando a execução frustrada do título judicial”). O uso da palavra

“comprovando” marca a quase-responsabilidade, uma vez que, apesar de imputar o PDV ao autor do pedido de falência, existe uma modalização de apreciação positiva acerca da existência da “execução frustrada”. Nossa análise pode ser corroborada pelo paralelismo encontrado no uso de trecho praticamente idêntico na parte da fundamentação (13a-d: “A pretensão da parte credora prende-se ao pedido de falência da requerida nos termos do artigo 94, II da Lei n. 11.101/2005, tendo o mesmo comprovado a execução frustrada do título judicial, conforme certidão exarada pela Serventia da 11ª Vara Cível desta Capital, fls 23”).

Quadro 5: Exemplos da presença do juiz (L1/E1) como enunciador nas partes do plano de texto da sentença judicial

Relatório Fundamentação Dispositivo 1. S_N_AC_01 10a (“É o breve

relatório. Passo a decidir.”)

16a-c (“Assim, é fundamental que a certidão do instrumento de protesto identifique a pessoa que recebeu a intimação, configurando vício insanável a simples menção ao recebimento da notificação pelo devedor, de maneira genérica.”)

30a-c (“ANTE O EXPOSTO, com fundamento no artigo 267, inciso IV, do Código de Processo Civil, por ausência de

pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo falimentar, julgo extinto o processo, sem análise do mérito”.)

2. S_S_PR_02 12a 13a (“É o que tinha a relatar. Decido.”)

20a-e (“Posto desta forma, há que se ter em mente que, apesar da empresa requerida desempenhar, há anos, atividade empresarial que emprega grande número de funcionários, fazendo com que haja significativo giro econômico dentro da sociedade o qual está integrada, o reconhecimento de sua inviabilidade empresarial é o que deve se impor. Explico.”)

120a-d (“Pelo exposto, nos termos do art. 99 e incisos da Lei 11.101/2005, julgo procedente o pedido inicial, para o fim de decretar a falência da pessoa jurídica Estação da

Malha Ltda., inscrita sob o

CNPJ nº 04.258.262/0001-01, com sede na Avenida Governador Roberto da Silveira, nº 840, Barra Funda, CEP: 86.800-520, Apucarana – Paraná.”)

Fonte: elaboração própria

b) presença do autor (e2) e réu (e3): sua presença é marcada e desenvolvida em primeiro plano por meio de sequencias narrativas na parte do relatório. Na parte da fundamentação, a marcação é mais irregular, dependendo da maneira pela qual se constrói o PDV (autor ou réu) ou mesmo bastante reduzida. No dispositivo autor e réu não aparecem como enunciadores, mas como destinatários dos macroatos de discurso realizados pelo juiz.

c) presença do Ministério Público (e4): sua aparição como enunciador é praticamente limitada ao relatório e, mesmo assim, não ocorre em todas as sentenças (presença apenas nas seguintes sentenças: 1. S_N_AC_01; 2. S_NE_PB_01; 3. S_S_PR_02). Podemos explicar essa presença esparsa em virtude de características específicas da sentença judicial de pedido de falência. A legislação própria (LRF) não exige a manifestação do Ministério Público sobre os pedidos de falência, posição essa que é endossada por estudiosos dessa área.

d) presença de outros enunciadores do processo: sua presença é mais rara. Encontramos nessa categoria as testemunhas, cuja ocorrência foi verificada na sentença S_S_RS_02 na parte do relatório (9jl: “(...) entende indevido, além de não ter sido informado o valor respectivo. Disse que as testemunhas corroboraram as alegações da contestação”) e da fundamentação (26 a-c: “No tocante a prova testemunhal, verifica-se que a testemunha arrolada pela autora e ouvida nas folhas 255/256 informou ter dado treinamentos aos funcionários da demandada, e que colocou para (...)”).

Com relação aos enunciadores do direito, notamos as seguintes constâncias:

a) legislação: a presença dos enunciadores do campo da legislação como enunciadores em sentido mais restrito (marcadores de pessoa, suporte de pensamentos e percepções, modos de representação da fala, modalizações, tempos verbais) é uma constante na parte da fundamentação. Na parte do relatório e do dispositivo, a legislação aparece como fonte para a formulação do PDV do juiz, e no relatório como fonte para o PDV do autor e réu.

b) jurisprudência: a presença dos enunciadores do campo da jurisprudência acontece exclusivamente na parte da fundamentação das sentenças analisadas. A forma de sua marcação de presença ocorre especialmente por meio de representação da fala (discurso direto introduzido por citação com aspas, sublinhado, itálico, recuo ou negrito, podendo esses recursos ocorrerem de maneira exclusiva ou combinada).

A presença de enunciadores da doutrina ocorreu de forma exclusiva na parte da fundamentação por meio de formas de representação da fala (discurso direto introduzido por citação com aspas, sublinhado, itálico, recuo ou negrito, podendo esses recursos ocorrerem de maneira exclusiva ou combinada) ou uso de quadros mediativos. A doutrina foi referida ora como entidade coletiva (Ex.: 1. S_CO_MS_01: 99a-d - “Tanto a falência como a ação declaratória de insolvência civil são ações coletivas e, portanto, os entendimentos expostos

pela doutrina e jurisprudência, para solucionar as questões apresentadas nessas ações, são os mesmos, sob pena de ocorrer uma incongruência.”), ora na figura particular de autores da área jurídica, cuja forma de mobilização enunciativa concorreu para a construção de um argumento de autoridade (Ex.: 2. S_N_AC_01: 19ab - “Quanto ao ponto, socorro-me das lições doutrinárias de Rubens Requião, citado pelo Ministro Massami Uyeda, em voto proferido no REsp n. 959.838/SP:”); 20 ab - “A propósito, leciona o saudoso Rubens Requião que “O protesto da obrigação líquida, especial para o requerimento de falência, constitui um(...)”).

Encontramos que as sentenças judiciais mobilizaram autores reconhecidos na área do direito empresarial e processual civil (Ex.: 1. S_NE_RN_01: Alexandre Freitas Câmara; 2. S_CO_MS_01: Waldo Fazzio Júnior; 3. S_SE_ES_01: Fábio Ulhoa Coelho; 4. S_S_SC_01: NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY). Entretanto, muitas sentenças não continham enunciadores dessa categoria.

A presença da categoria “outros enunciadores” foi mais limitada, sendo bastante esparsa e marginal (Ex.: S_N_AC_01: instrumento de protesto).