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Capítulo 2: A controvérsia acerca da Experimentação Animal

2.4. O debate atual

2.4.3. A luta pelos Direitos dos Animais

O Movimento pelos Direitos dos Animais está relacionado com os grupos (também chamados de abolicionistas) que rejeitam por completo a utilização de cobaias em pesquisas científicas, e procuram fazê-lo utilizando argumentos também científicos. Greif & Tréz (2000) destacam os princípios básicos, inspirados nos escritos do suíço Hans Ruesch (1982), que caracterizam tais grupos:

 Todos os experimentos em animais devem ser rejeitados por motivos morais, éticos e científicos;

 Os experimentos com animais destroem o respeito pela vida e dessensibilizam o profissional ante o sofrimento de seus pacientes;

 Experimentos em animais não são uma forma correta de diagnosticar, pesquisar ou curar doenças humanas. As diferenças orgânicas, anatômicas, biológicas, metabólicas, genéticas e psíquicas entre homens e animais são tão gritantes que o conhecimento obtido de animais para humanos é não apenas sem valor, como também errôneo e até prejudicial;

 Experimentos com animais são conduzidos apenas para vantagem dos próprios experimentadores, de seus financiadores comerciais, e da indústria de criação de animais de laboratório. Eles preenchem uma função de álibi. Jamais houve uma prova estatística científica de que seus resultados são aplicáveis para seres humanos;

 Muitas das doenças contemporâneas não são orgânicas, mas possuem causas psicológicas, sociais, dietéticas, ambientais ou em estilo de vida inadequado. A ciência médica oficial, no entanto, não possui tratamentos causais a oferecer. Tenta apenas livrar o doente dos sintomas, impedindo que este reconheça e elimine as causas;  Com seu maior consumo de animais de laboratório do mundo, os EUA deveriam ser

também o país mais saudável do mundo, mas é um dos países mais doentes e é o 17º em expectativa de vida, estando atrás de diversos países subdesenvolvidos onde tais pesquisas são praticamente desconhecidas;

 Cuidados com a saúde requerem, antes de tudo, a prevenção, além da aplicação de uma ou várias disciplinas que tem sido ignoradas pela medicina oficial, como a dietética, psicossomática, a psicoterapia, a observação clínica, ambientalismo,

epidemiologia, vegetarianismo, reabilitação, homeopatia, osteopatia, quiroprática, naturopatia, macrobiótica, diatermia, oligoterapia, eletroterapia, hidroterapia, helioterapia, aromaterapia, curas pela fé, herbalismo, acupuntura, jejuns e outras, que têm se provado efetivas e mais econômicas;

 A medicina deve se referir à pessoa como um todo, adotar métodos que relacionem as causas aos pacientes, ao invés de aplicar a medicina veterinária adaptada ao ser humano, que no melhor substitui os sintomas agudos com doenças crônicas, mas frequentemente criam novas doenças;

 As escolas veterinárias devem seguir os mesmos princípios humanos: nenhuma intervenção artificial e violenta em animais saudáveis para infringir-lhes doenças e mutilações, ou para dessensibilizar os estudantes; mas sim estudos cuidadosos e tratamentos simpatéticos de doenças espontâneas e acidentes naturais.

Os argumentos científicos contrários à experimentação animal partem, de maneira geral, do princípio básico de que seria um erro supor que espécies diferentes reajam de maneira semelhante a determinadas drogas ou substâncias. Existem diferenças entre os indivíduos, quanto aos hábitos, formas de locomoção, respostas aos estímulos, raciocínio, estrutura corporal e celular, reações às doenças, entre outros fatores, que são ignoradas pela experimentação animal; diferenças estas que geram diferentes respostas aos medicamentos entre as espécies. Citam exemplos, como o efeito cancerígeno da sacarina em ratos, os diferentes efeitos da morfina em seres humanos, gatos, cabras e cavalos; ou mesmo as tentativas frustradas de infectar chimpanzés com o vírus HIV. Ou também dos trágicos casos das drogas Talidomida, Zomax e Diethylstilbestrol (DES), consideradas seguras após testes em animais, mas de efeitos devastadores para a saúde humana. Outras, como Fenilbutazona (Butazolidina®) e Oxifenilbutazona (Tanderil®), apresentam ações muito diferentes no homem e nos demais animais; o homem metaboliza 15% da dose de fenilbutazona administrada, em um período de 24 horas, enquanto a maioria dos animais testados leva apenas 2 horas para metabolizar a dose total administrada (dados de cães, coelhos e equinos); quanto à oxifenilbutazona, o homem precisa de 72 horas para metabolizar metade da dose administrada, ao passo que o cão só requer meia hora; ambas as drogas foram implicadas na morte de dez mil pessoas, por isso seu uso é proibido ou restrito. (Greif & Tréz, 2000).

De modo análogo, destacam a preocupação de que agentes potencialmente úteis à saúde humana sejam recusados por apresentarem resultados adversos quando testados em

animais. Somente testes clínicos, em humanos, poderiam comprovar a suposta falha do modelo animal. O Lítio, usado no tratamento de distúrbios afetivos do ser humano, é um bom exemplo. A mesma substância, quando usada em animais, não apresenta qualquer indício de tal valor terapêutico; a própria Aspirina, amplamente utilizada como antitérmico e anti- inflamatório em humanos, pode causar, mesmo em doses muito baixas, efeitos fatais ou defeitos fetais em determinados animais (Greif & Tréz, 2000).

A crítica também consiste no fato de que muitos efeitos colaterais não podem ser identificados em animais, tais como dor de cabeça, confusão mental, formigamento, mal estar, entre outros, pela dificuldade que as cobaias de laboratório têm de expressá-los. Isso pode representar um sério perigo, pois drogas consideradas seguras após testes em animais podem se mostrar fatais a seres humanos quando lançadas no mercado. Destacam como exemplo as maiores tragédias humanas provocadas pelo uso de produtos previamente testados em animais, e que tiveram permissão para entrar no mercado. Casos como o da Talidomida, aprovada para o consumo humano após uma série de testes em animais e indicada para aliviar náuseas e insônia em gestantes, que causou mais de dez mil defeitos congênitos e três mil casos de natimortalidade; ou da Fenilbutazona, indicada como anti-inflamatório e também considerada segura após testes em animais, que causou mais de dez mil mortes (Greif & Tréz, 2000).

O próprio cigarro, responsável pela morte de quatro milhões de pessoas por ano, é também utilizado como exemplo, uma vez que os testes com objetivo de induzir câncer de pulmão em cobaias não obtiveram sucesso algum. Fosse por inalação, injeção, alimentação ou absorção cutânea de tabaco e derivados, camundongos e coelhos, dentre outros animais, não desenvolveram sinais da doença. Tais testes foram utilizados durante anos pela indústria tabagista para negar a relação entre o tabaco e o câncer. Greif & Tréz (2000, p.35) destacam a declaração feita em 1996 pelo então presidente da Phillip Morris, William Campbell: “Pelo que sei, não foi provado que o cigarro causa câncer. Me baseio no fato de que tradicionalmente existe, em termos científicos, obstáculos relacionados à causa, e até o presente momento não se conseguiu reproduzir câncer em animais a partir do cigarro”.

Ademais, defendem que fenômenos reproduzidos em laboratório jamais reproduzem fielmente fenômenos naturais, e a interferência do pesquisador na experiência influi decisivamente no seu resultado. Seria ingenuidade supor que uma doença induzida artificialmente em uma cobaia se manifeste de modo semelhante ao que aconteceria

naturalmente no ser humano, ou supor que o organismo da cobaia, submetido a condições artificiais nos laboratórios, se comporte de modo semelhante ao que seria seu comportamento na natureza, onde os estímulos visuais, auditivos, olfativos e as condições psicológicas são totalmente diversos. Do mesmo modo, argumentam que não se pode supor que as experiências em laboratório compilem todos os mecanismos complexos que interferem na saúde de um ser humano, exposto a fatores físicos, psíquicos e ambientais impossíveis de serem reproduzidos em laboratório, tais como hábitos alimentares, clima, poluição atmosférica, vida social e familiar, e fatores genéticos (ANDA, 2009).

Embora estes grupos refutem completamente as técnicas de redução e refinamento anteriormente citadas, dão grande importância à substituição. Enquanto o bem estarismo admite a existência de casos em que a utilização de animais é indispensável, os abolicionistas defendem que os métodos alternativos podem substituir quase que por completo, a utilização de seres sencientes. Modelos e simuladores mecânicos, muitas vezes mais baratos do que o custo de manutenção de um animal; filmes e vídeos interativos, cuja durabilidade, capacidade de repetição e riqueza de detalhes não pode ser alcançada pelos modelos vivos; simulações computadorizadas e realidade virtual, possibilitando o uso de técnicas de imagem de alta qualidade em diagnósticos, além da capacidade de adaptação às necessidades de cada pesquisador ou aluno; e as experiências in vitro, como culturas de tecidos, células ou micro- organismos; estão entre os exemplos de métodos que eliminariam completamente a necessidade da experimentação animal.

A Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA, 2009) defende que a ciência deve orientar-se sempre para o desenvolvimento de novos métodos alternativos, algo que jamais será considerado com a devida seriedade enquanto o modelo animal for social e cientificamente aceito; e lista algumas das alternativas existentes que substituiriam muitos dos experimentos ainda realizados com animais:

 Estudos genéticos: o mapeamento do genoma e as pesquisas com células-tronco abrem perspectivas para entender os mecanismos de determinadas doenças.

 Estudos clínicos: os bancos de dados existentes sobre doenças e medicamentos disponíveis podem ser usados para aprimorar o conhecimento sobre seu mecanismo de

funcionamento, sua relação com fatores endógenos e exógenos e orientar os esforços no sentido da prevenção das doenças.

 Estudos comparados: o conhecimento sobre como certas doenças afetam mais determinados grupos populacionais em relação a outros, associado aos estudos genéticos, pode fornecer pistas sobre tratamentos preventivos e sobre tratamentos de doenças já instaladas, baseado no conhecimento de mecanismos de defesa que certos indivíduos possuem naturalmente.

 Culturas de células e tecidos: novas drogas podem ser testas em culturas de tecidos, para saber seu efeito em determinados órgãos. Já seu efeito em organismos vivos pode ser conhecido através da utilização de co-culturas com tecidos de diferentes órgãos.  Simulações em computador: utilizando-se dos bancos de dados dos estudos anteriores,

pode-se criar programas de computadores que prevejam os mais variados fatores e efeitos de determinadas drogas e substâncias no organismo de um paciente. Mesmo que esses simuladores não reproduzam absolutamente todas as variáveis existentes em um paciente de carne e osso, tampouco os testes em laboratório o fazem.

 Testes em voluntários humanos: mesmo drogas testadas em animais precisam passar pela fase de testes em voluntários humanos. Para tanto, devem ser tomadas todas as precauções éticas para que o paciente tenha as informações necessárias para tomar uma decisão consciente.

 Substitutivos para a indústria de cosméticos e aulas de ciências médicas e biológicas: para o caso da indústria de cosméticos, já existem olhos e tecidos artificiais para os testes de corrosão de substâncias químicas; para aulas de biologia e medicina, robôs que podem ser programados para reproduzir as reações de um organismo vivo em resposta a determinadas substâncias. No caso das técnicas de cirurgia, é mais seguro o aprendizado através de modelos humanos. Além de vídeos, bonecos e simulações por computador, pode-se ampliar o tempo de aprendizado supervisionado em hospitais- escola, onde os estudantes de medicina realmente aprendem e adquirem a segurança para exercer sua futura profissão.

Em suma, ao negar que existam diferenças morais significativas entre a vida humana e animal, o Movimento pelos Direitos dos Animais acredita que seja imoral submeter cobaias a procedimentos de pesquisa cruéis e dolorosos, e insistem na total abolição de tais pesquisas. Expressam suas convicções morais através de ações políticas, como demonstrações públicas, apelos emocionais através da exibição de imagens desconcertantes de procedimentos de pesquisa, protestos e até mesmo vandalização de laboratórios. Mas a controvérsia também se dá na área técnica, com discussões sobre a validade e necessidade da experimentação animal. Tanto os defensores dos direitos dos animais quanto os membros da comunidade científica utilizam informações técnicas para legitimar suas posições. E ambos os lados baseiam seus argumentos em ideologias e prioridades bem definidas e firmadas entre seus pares (Nelkin, 1992).