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O Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos

Capítulo 4: Além dos limites legais?

4.2. O Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos

Originado em janeiro de 2012 a partir de uma acordo de cooperação técnica35 entre o INCQS e a ANVISA, e oficialmente criado através de Portaria da Direção do INCQS em 2013 (BraCVAM, 2017), o BraCVAM é o primeiro órgão da América Latina a validar e coordenar estudos de substituição, redução ou refinamento do emprego de cobaias em testes de laboratório. A justificativa apresentada para sua criação foi a falta de uma coordenação central no sentido de estabelecer e validar alternativas ao uso de animais no Brasil, o que dificultava a harmonização de metodologias, estudos colaborativos e, consequentemente, a validação desses métodos (Presgrave et al, 2010). A escolha do INCQS se deu pelo fato de o instituto já realizar trabalhos relacionados à busca de métodos alternativos, e ser a única instituição na América Latina a integrar a relação dos Centros de 3Rs (Presgrave, 2012).

Entende-se por Centro de 3Rs as instituições que se dediquem à pesquisa de métodos que venham a substituir, reduzir ou refinar o uso de animais na experimentação. Existem, no mundo, mais de 20 desses centros dedicados à busca e à validação de métodos alternativos, mas quatro merecem destaque especial, pelo período de existência, pelo trabalho que vêm desempenhando ao longo do tempo, e por terem servido de inspiração para a proposta de organização e funcionamento do Centro Brasileiro (Presgrave, 2012): o European

Centre for the Validation of Alternative Methods (ECVAM), o Interagency Coordinating Committee on the Validation of Alternative Methods (ICCVAM), o Centre for Documentation and Evaluation of Alternatives to Animal Experiments (ZEBET), e o Japanese Centre for the Validation of Alternative Methods (JaCVAM).

35

Publicado no DOU de 18/01/2012, Seção 3, p. 122, o acordo visava estabelecer bases gerais de recíproca cooperação técnica entre a ANVISA e a FIOCRUZ, no sentido de subsidiar trabalhos e ações conjuntas de estudos, pesquisas, intercâmbio de informações, planejamento e estruturação que viabilizem a criação do BraCVAM, visando a não utilização de animais em pesquisas científicas.

O ECVAM foi criado em 1991 e faz parte do European Commission’s Joint

Research Centre (JRC), um Centro multilíngue com histórico de atuar em cooperação

científica internacional localizado em Ispra, na Itália. Visa cumprir os requerimentos preconizados no Artigo 23 da Diretiva 86/609/EEC, da União Europeia, que estimula o desenvolvimento e a validação de métodos alternativos que ofereçam o mesmo nível de informação dos métodos animais disponíveis, mas que reduzam significativamente o número de cobaias utilizadas ou os substituam completamente (COMMISSION OF THE EUROPEAN COMUNITIES, 1991).

O ICCVAM, por sua vez, foi criado em setembro de 1994, nos EUA, como um comitê ad hoc encarregado de apresentar um relatório elaborado pelo National Institute of

Environmental Health Sciences (NIEHS) sobre o estabelecimento de critérios para validação e

aceitação regulatória de métodos alternativos em toxicologia. O comitê se tornou permanente, do ponto de vista formal, em dezembro de 2000 e, atualmente, é constituído por 16 representantes de agências de pesquisa e agências regulatórias estadunidenses que utilizam, criam ou disseminam informações sobre testes toxicológicos. Recebe suporte científico do

National Toxicology Program (NTP) e do Interagency Center for the Evaluation of Alternative Toxicological Methods (NICEATM), e sua missão é promover o

desenvolvimento, a validação e a aceitação regulatória de métodos alternativos, enfatizando o princípio dos 3Rs (ICCVAM, 2008).

Já o ZEBET é o escritório de informação sobre o uso de técnicas alternativas das autoridades oficiais da Alemanha. Foi estabelecido em 1989 com os objetivos de substituir os métodos que utilizam animais por métodos alternativos, reduzir o número de cobaias usadas a um nível estritamente necessário, e aliviar sua dor e seu sofrimento, quando forem absolutamente imprescindíveis à experimentação. Coordena diversos estudos com o intuito de incluí-los na legislação oficial, e conta com orçamento próprio para fomentar pesquisas e promover projetos científicos ligados ao desenvolvimento de métodos alternativos. Por fim, o JaCVAM, ligado ao Japanese National Centre for Biological Safety and Research (NCBSR - Japão), foi criado em novembro de 2005 com a missão de propor e implementar a validação de metodologias alternativas ao uso de animais em experimentos científicos, bem como estabelecer a cooperação internacional na busca de novos métodos (Kojima, 2007).

Assim como os grandes centros internacionais que inspiraram sua criação, o BraCVAM segue o Guia da OECD Guidance Document on the Validation and International

Acceptance of New or Updated Test Methods for Hazard Assessment, que descreve todas as

etapas necessárias para se validar uma metodologia (OECD, 2005). Além de coordenar a validação de métodos alternativos, o Centro brasileiro também realiza as seguintes atividades:

 coordenar estudos para o desenvolvimento de métodos alternativos;  propor e/ou avaliar protocolos de testes;

 analisar e/ou avaliar os resultados obtidos em estudos;  participar de cooperação internacional;

 criar, manter e gerenciar bancos de dados de procedimentos técnicos, substâncias, matérias-primas, produtos acabados e quaisquer outros aspectos relevantes aos métodos alternativos;

 promover encontros, congressos, oficinas ou quaisquer outras formas de disseminação de informação científica aos órgãos regulatórios, indústrias, academia e quaisquer outras instituições relacionadas aos métodos alternativos;

 publicar relatórios sobre o progresso dos estudos;

 desenvolver qualquer procedimento que possa contribuir no estudo de métodos alternativos (BraCVAM, 2017).

Atualmente o BraCVAM é coordenado por seu idealizador, o Dr. Octavio Augusto França Presgrave, e possui dois vice-Coordenadores: Wlamir Correa de Moura e Cristiane Caldeira da Silva. No entanto, por se tratar de uma iniciativa recente, esta estrutura pode sofrer mudanças. O próprio Presgrave (2012) propôs a seguinte organização administrativa ideal:

Figura 2 - Estrutura administrativa proposta para o BraCVAM (Presgrave, 2012).

A Diretoria seria responsável por todas as ações e atividades do BraCVAM, incluindo o gerenciamento geral do Centro, a relação direta com as Vice-diretorias, participação em reuniões, grupos de trabalho e nas relações externas. A Secretaria Executiva se responsabilizaria pelo planejamento, organização e execução das atividades secretariais; assessoramento à Diretoria; participação nas discussões sobre objetivos e metas do BraCVAM; colaboração na organização de eventos; organização de arquivos e controle de documentos.

A Vice-diretoria Científica coordenaria quatro áreas:

1. Promoção e Rede, responsável pela criação e manutenção do banco de dados atualizado sobre os métodos alternativos válidos, validados, e estudos relacionados; identificação dos laboratórios que pesquisam métodos alternativos para eventual parceria em estudos de validação; organização de seminários, congressos e eventos relacionados aos métodos alternativos; e ajuda na divulgação de publicações fruto de pesquisas relacionadas ao escopo do Centro.

2. Treinamento e Educação, responsável por promover o treinamento sobre a utilização e as aplicações dos métodos alternativos validados; treinamento de aspectos relacionados ao processo de validação; e promover cursos práticos.

3. 3Rs e Alternativas, responsável por identificar as necessidades das instituições regulatórias, industriais e acadêmicas; identificar as alternativas disponíveis aos testes com animais, e quais são mais apropriadas para cada área de aplicação; e criar Grupos de Trabalho para o desenvolvimento, validação e aplicação de métodos alternativos específicos.

4. Validação de Alternativas, área responsável por coordenar os estudos de desenvolvimento, pré-validação e validação de métodos alternativos; propor e avaliar os protocolos de testes; participar de estudos de validação nacionais e internacionais; realizar análises estatísticas pertinentes aos estudos; e publicar relatórios sobre o andamento dos estudos.

Já a Vice-diretoria de Planejamento teria a função de planejar todas as estratégias de atuação do BraCVAM, incluindo a definição de metas e prioridades para o cumprimento e otimização dos estudos, além de interagir com os diversos órgãos de fomento para buscar os recursos necessários ao funcionamento do Centro, ao desenvolvimento das pesquisas e aos processos de validação.

Por fim, a Vice-diretoria de Administração seria responsável pelos recursos, destinados tanto ao BraCVAM quanto aos estudos de desenvolvimento e validação de métodos alternativos. Isso inclui a coordenação das compras, tanto para o Centro quanto para os laboratórios que participem de pesquisas promovidas ou coordenadas por ele, através de repasse; e o zelo pelo patrimônio da instituição. Auxiliaria também no desenvolvimento e na coordenação dos cursos de capacitação de recursos humanos, gerando certificados e declarações.

O Centro contaria também com dois comitês assessores: o Comitê de Revisão Científica, composto transitoriamente por pesquisadores com reconhecido conhecimento na área pertinente, a fim de revisar os estudos de validação; e o Comitê Nacional de Métodos Alternativos, composto por representantes de entidades governamentais, associações de

indústrias, sociedades científicas, universidades, e organizações de bem-estar animal, a fim de avaliar as necessidades nacionais e do BraCVAM (Presgrave, 2012).

Quanto ao processo de validação de métodos alternativos, a participação do BraCVAM está intimamente ligada ao aspecto técnico. O Centro identifica a necessidade de validação de determinado método, organiza a revisão por pares e faz recomendações ao CONCEA. No caso de métodos já validados cientificamente por centros internacionais, ou que já possuem aceitação regulatória internacional, a recomendação para a implementação oficial no Brasil é feita diretamente pelo BraCVAM ao CONCEA (Presgrave et al, 2016).

No caso de alternativas ao uso de animais em atividades de pesquisa ainda não validadas, as instituições interessadas em validá-las deverão enviar suas propostas ao Centro, que coordena o processo, e estar associadas à RENAMA, responsável pela execução dos estudos. Caso os resultados forem bem sucedidos e aceitáveis, e posteriormente aprovados por um comitê de revisão pelos pares, a recomendação da validação é feita por Centros para Validação (somente o BraCVAM, no caso do território brasileiro) ou por estudos colaborativos internacionais publicados em compêndios oficiais. O reconhecimento do método validado ocorrerá por deliberação plenária do CONCEA, considerando o parecer da Câmara de Métodos Alternativos, e ouvidos os órgãos oficiais pertinentes, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a ANVISA e o IBAMA (CONCEA, 2014a).