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A maiêutica histórica nas versões da Escritura 141

 

Mesmo considerando que a “maiêutica histórica” tenha como princípio elementos iluminadores de uma nova compreensão, algo como uma palavra do profeta ou pregador, ou mesmo de um líder na comunidade, ela também comporta-se como uma hermenêutica teológica quando se trata do texto bíblico. Isso significa que a maiêutica funciona dentro dos critérios e processos de interpretação, cuja finalidade é verificar a partir do texto se a compreensão de um determinado assunto é coerente com o pensamento teológico em certo momento histórico e se sua proposta tem um mínimo de eficiência para a prática da espiritualidade. Neste sentido, as versões proveniente de novas leituras do texto bíblico ao longo da história da igreja, estão dentro deste processo e não apenas são de caráter hermenêuticos como também “maiêutico históricos”. Novas leituras e versões não apenas focam na melhor forma da informação bíblica produzir conteúdos aptos para o aperfeiçoamento da espiritualidade, mas também visam renovações da compreensão a partir de situações específicas como demandas a serem consideradas.

Neste aspecto é pertinente considerar que na idade média e especialmente no período escolástico, cujo principal interesse foi enfatizar “a justificação racional da crença religiosa

bem como a apresentação dessa crenças de forma sistemática”,346 a escassez de fontes textuais

bíblicas fidedignas implicou numa teologia que em certo momento da história da igreja não mais respondia nem a espiritualidade pessoal e nem a reflexão eclesiástica confessional, nem ao debate acadêmico. O movimento renascentista todas as suas expressões expôs essa

                                                                                                                         

345 - Ibid., p.163. 346

situação, e de certa forma exigiu revisões. Essas revisões são um exemplo que podemos comparar àquilo que a “maiêutica histórica” propõe em termos de releituras. Nosso ponto de partida será Erasmo de Roterdã e sua obra de tradução do Novo Testamento para o grego. Este empreendimento é impulsionado pelo “projeto literário e cultural” dentro do ambiente estabelecido pelo humanismo como esforço para o retorno às fontes originais textuais e culturais. Em seu trabalho Erasmo também faz essa volta em busca de informações originais dos textos bíblicos para traduzi-los e consequentemente fazer nova releitura. Ao fazê-lo, descobre com a ajuda de outros especialistas que a tradução aceita até então, a “Vulgata Latina”, não correspondia em muitas partes à compreensão pretendida pelo texto original. É como dizer que a revelação ao ser relida e traduzida por Erasmo carecia de atualizações no

seu novo contexto.347

Ao reler os textos a partir de seus originais, apesar de poucos, Erasmo deu luz (maiêutica) a compreensões até então limitadas de alguns textos muito implicativos para a

teologia.348 Neste processo de iluminação e novas releituras o ponto de partida foi a nova

situação estabelecida por um movimento cultural humanista, que valorizava a busca de exatidão para as informações até então tidas como suficientes. Assim, abre-se espaços para um repensar da revelação com a possibilidade de renovação em muitos aspectos da teologia. Esse novo contexto humanista experimentado por Erasmo e visão de mundo, independente se promovia ou não algo favorável a teologia até então praticada, é uma situação que favorece uma revisão teológica, por conta da sua motivação a renovações. Esse processo desenvolvido naquela época e em períodos mais recentes, apresenta similaridades ao proposto pela “maiêutica histórica”, pois, novidades seculares favorecem o surgimento de uma renovação teológica por conta de um releitura do texto bíblico. Um processo que ao acolher informações específicas presentes em determinada situação, por meio de pessoas capazes de torna-las ponto de partida para novas compreensões teológicas, tornam-se elementos maiêuticos e iluminadores de uma nova compreensão da revelação e sua posterior constituição como teologia. Embora Erasmo não tenha se referido diretamente a qualquer dado referente à maiêutica histórica, o seu procedimento referenda o que é proposto por Queiruga, especialmente quando a revelação adquire novas compreensões a partir das leituras dos originais textuais no ambiente contextual vivencial de Erasmo.

                                                                                                                         

347 - McGRATH, Ibid., p. 88. 348

Dentro desse mesmo tema, Esteves contribui para o entendimento de que as versões bíblicas não sejam vistas apenas como traduções, mas um processo em busca de novos entendimentos do texto dentro de determinado contexto. Em sua pesquisa ela

sugere que exista pelo menos duas estratégias bastante distintas para abordar a tradução de textos religiosos: a primeira busca dar acesso ao leitor em termos de entendimento, aproximando o texto religioso da cultura para a qual ele está sendo traduzido. A segunda estratégia é nutrida por uma ênfase na iluminação, na revelação, numa clarividência que não necessariamente passa pelo raciocínio...349

O oferecimento de acesso em termos de entendimento do texto nas traduções se aproxima em alguns aspectos à releitura que a maiêutica histórica propõe para o entendimento da revelação. O princípio base é que a tradução deve comunicar, deve oferecer um incremento de compreensão para a situação a qual se comunica. Esteves oferece alguns exemplos de versões da Bíblia, que em sentido estrito, são produtos que envolvem um processo semelhante à iluminação maiêutica.

O primeiro exemplo é o da Bíblia Mensagem,350 cuja versão foi feita por Eugene

Peterson. O “esforço de Peterson se concentrou na produção de um texto que se aproximasse mais da realidade dos leitores”. Sua peculiaridade aparece no uso que ele faz de conteúdos da cultura que oferecem novas compreensões aos conceitos. Alguns termos, mesmo considerados bizarros, foram utilizados para iluminar a revelação e por estarem mais próximas das realidade dos leitores. Embora possa se afirmar que seu processo não difere de uma tradução, há mais do que isto presente no processo. Essa diferença se torna evidente pela utilização de conceitos não pela sua equivalência verbal, e sim pela abertura que ele oferece para uma compreensão ampliada e atualizada dos conceitos da revelação em questão. Com isso, elementos provenientes de áreas diversas, não relacionadas ao campo teológico, tornam-se iluminadores, maiêuticos na nova versão. Outros esforços têm sido feitos com a The

unvarnished New Testament, versão semelhante à de Peterson; (The Black Bible Chronicles),

adaptada às linguagens das ruas nos EUA; a segunda focada para questão linguística afro-

americana, e a Cotton Patch Version, na mesma linha.351 O elemento comum nestas versões é

                                                                                                                         

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- ESTEVES, Lenita Maria Rimoli. Revelação ou entendimento: alguns apontamentos sobre a tradução de textos religiosos. Trab. Linguistica Aplicada., Campinas, v.50, n.2, dez.2011. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 18132011000200002&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 12 de fevereiro de 2013, p.235.

350 - No Brasil esta versão da Bíblia é produzida pela Editora Vida – São Paulo. 351

a busca de compreensividade (entendimento) pelos ouvintes sempre a partir de elementos iluminadores da cultura ou de alguma reação crítica da sociedade. Em 2013 surge no Brasil em forma eletrônica a Biblia FreeStyle, que pode ser considerada a versão mais radical do texto bíblico em termos de vocabulário. Os autores estão no início do trabalho com apenas os primeiros três livros do Novo Testamento já finalizados. Seus idealizadores afirmam o seguinte:

Esta é uma proposta de leitura bem humorada das Escrituras Sagradas, interagindo com a cultura pop da geração Y. Não é uma tradução, não possui fins acadêmicos e nem sequer a pretensão de substituir uma leitura bíblica integral. Mas, quem sabe, com um pouco de humor, muitos que nunca tiveram contato algum com o texto bíblico sejam animados a estudar e aprender um pouco mais. 352

A proposta se assemelha ao que as versões anteriores propuseram, contudo com um vocabulário e um público bem específico. Por isso sua linguagem beira à heresia para grande parte da comunidade evangélica. No entanto pode ser percebido o conservadorismo teológico nas expressões dessa versão. O que nos interessa neste exemplo ainda é a questão de que, ao se ler a versão é fácil perceber que elementos seculares e vocabulários profanos, são iluminadores da revelação para um contexto histórico que mostra sua riqueza e consciência crítica àquilo que pode ser considerado o pensamento teológico legítimo. O processo maiêutico se mostra nesta iluminação.

5. A maiêutica histórica como possibilidade de cooperação entre a ciências naturais