• Nenhum resultado encontrado

Capítulo IV A Junta Regional luta em várias frentes

6. A manifestação de 17 de novembro, objetivos e contexto

Depois da ameaça de independência declarada pela Junta Regional, a cônsul dos Estados Unidos reporta as manifestações de apoio à posição da Junta registadas em várias ilhas, designadamente no Corvo, Flores, e Faial. Na Terceira, a manifestação foi reclamada pela FLA, tal como em Ponta Delgada onde havia

“Uma multidão estimada no dobro da de 6 de junho. Mota Amaral e outros líderes do PPD tentaram abafar a FLA com palavras de apoio à Junta. Ficou claro que a maior parte da multidão apoiava o PPD. No final da manifestação, alguns apoiantes da FLA reclamaram a realização de um referendo. Uma pequena delegação de membros da FLA dirigida por Luís Franco tentou que a Junta apoiasse a realização de um referendo, mas a Junta recusou-se a ceder à pressão.” 237

Das várias manifestações que se realizaram “de uma ponta à outra do arquipélago, a cônsul conclui

“Foram uma experiência única nos Açores e demonstraram, sem sombra de dúvida, que há um grande apoio popular à Junta. Com o seu comunicado, a Junta não só reafirmou o seu apoio ao VI Governo como também se antecipou à

237

123

FLA liderando o processo político. A FLA foi ofuscada (…) as pessoas afirmam que agora sabem quem é a FLA – é a Junta.”

Na opinião da cônsul Pfeifle

“Há alguma verdade nesta declaração, na medida em que a declaração da Junta foi semelhante à posição da FLA moderada. A ala direita da FLA não alcançou qualquer glória.”

Quanto à posição dos partidos políticos, segundo a informação que segue para o Departamento de Estado

“O Partido Socialista não participou nas manifestações na maioria das ilhas (juntou-se ao PPD na convocação da manifestação no Pico) porque pensaram que iriam ser manipuladas pela FLA. Apesar disso, o líder socialista em Ponta Delgada disse-nos que o PS apoiava a Junta. Os líderes do PPD acreditam que o seu partido sai reforçado, pelo elevado número de açorianos que responderam ao apelo de participação nas manifestações.”

Pelo conteúdo deste telegrama fica claro que para a cônsul a fação moderada da FLA tinha agora o controlo da evolução política do arquipélago.

Com efeito, a declaração de 15 de novembro tinha que ter consequências e os partidos do centro do espetro político, PPD e, CDS e movimentos independentistas, organizaram em várias ilhas manifestações de apoio à Junta Regional, tendo sido a de maior dimensão, em termos de participantes e de resultados, a de Ponta Delgada. O objetivo declarado da manifestação era o de apoiar a Junta Regional. Mota Amaral explicou aos açorianos, num programa de informação da RTP-Açores, o sentido da declaração da Junta e que era preciso apoiar no sentido desta ser irreversível

124

“O que a Junta Governativa declarou é a disposição de assegurar o governo dos Açores sejam quais forem as circunstâncias que se venham a verificar no resto do país.”238

A manifestação pretendia garantir também que a Junta não recuaria na sua posição

“Incentivar a Junta a demarcar-se da deriva revolucionária que se vivia em Portugal, e ao mesmo tempo obter dela o compromisso de que se se consumasse o golpe de estado promovido pelas forças reacionárias populares, os Açores seguiriam o seu caminho em democracia e liberdade.”239

Deste modo, a força popular, ainda que composta por simpatizantes partidários e independentista, pretenderia que a Junta Regional se comprometesse inequivocamente em cumprir os desígnios do seu comunicado de 15 de novembro. Haveria também o objetivo não declarado de precipitar uma efetiva declaração de independência e essa intenção foi percecionada pelo presidente da Junta Regional:

“Essa manifestação era no sentido de, apoiando a Junta, obrigava-nos a perfilhar uma ideia de independência. Então para evitar que viesse uma declaração para fora deste género, mandei vir os militares.”240

O contexto da realização da manifestação em Ponta Delgada é conturbado. Na madrugada anterior, tinha rebentado um engenho explosivo na sede do Partido Socialista, razão pela qual a direção do PPD desconvocou a manifestação que havia sido preparada pela estrutura do partido de Ponta Delgada, mas a força dos militantes venceu a direção do partido e a manifestação foi para a rua.

Os movimentos independentistas terão pretendido tomar a oportunidade desta manifestação para declarar a independência.

238 Programa “Informação” emitido pela RTP-Açores em 1975. 239 VIVEIROS, ob. cit, p. 246.

240

125 As forças militares estavam divididas entre os que apoiavam a Junta Regional, os que alinhavam com o COPCON e os que se identificavam com a corrente que defendia que uma força poderia partir dos Açores para reconquistar o poder no país para o general António de Spínola.

A manifestação partiu das Portas da Cidade em direção ao Palácio da Conceição, sede da Junta Regional. Aí permaneceram durante várias horas e os ânimos, em crescendo, foram-se exaltando. O presidente da Junta estava a ser pressionado por militares a usar da força contra a manifestação. Preferiu não o fazer, apesar de estar preparado para defender os membros da Junta que se encontravam no Palácio da Conceição, para além de militares armados “tinha uma granada de mão de fumo para o caso de ser necessário conter os militantes.”241

De entre os manifestantes houve quem exigisse, claramente, que a Junta proclamasse a independência. Tentaram entrar no edifício sede da Junta , mas, apesar de terem mantido os membros da Junta sequestrados no Palácio da Conceição durante várias horas, terem sido lançadas granadas de gás lacrimogénio, não alcançaram o objetivo.

A agitação na rua era tal que os manifestantes não se contiveram com os discursos proferidos à varanda pelo general Altino de Magalhães, António Jácome Correia e João Bosco Mota Amaral. Segundo relata Natalino de Vieiros242, o próprio foi solicitado a falar aos manifestantes: “Deixei a promessa de que se em Lisboa vencessem os revolucionários de extrema-esquerda, nos Açores assumiríamos os nossos destinos”243

.

241 Entrevista a Altino de Magalhães, 14.1.2012.

242 Tal como Mota Amaral, também na altura era deputado à Assembleia Constituinte. A situação é relatada em: VIVEIROS, ob. cit.

243

126 O desfecho poderia ter sido outro se todas as palavras proferidas à varanda tivessem sido escutadas pelos manifestantes. Segundo José António Martins Goulart, da varanda, “foi proclamada a independência, mas o microfone estava desligado”.

Entretanto, já os manifestantes tinham substituído a bandeira nacional pela da FLA. Os militares tentaram repor a troca das bandeiras, tarefa que não foi fácil, dado que a bandeira da FLA encontrava-se enrolada no mastro, pelo que um soldado teve de subir pelo mastro para a retirar.

Quando a manifestação dispersou, o general Altino de Magalhães seguiu para o quartel-general e, dirigindo-se às tropas disse: “louvo a vossa calma para mantermos a ordem.”244

Tinha sido evitado o derramamento de sangue. Os ânimos estiveram exaltados e, entre os próprios comandos, havia posições divergentes sobre a forma de atuação por parte das forças militares e de segurança. Mas haveria de prevalecer a força dos que evitaram as armas.

As manifestações desse 17 de novembro tiveram como consequência imediata na Junta a demissão de Borges de Carvalho. O vogal que tinha à sua responsabilidade a Coordenação Económica e Finanças já tinha expressado o seu descontentamento em relação à forma como a Junta vinha a lidar com determinados assuntos. A “gota de água” foi a violência gerada pela manifestação. Segundo o próprio:

“Havia pessoas que pensavam que, em política, tudo é permitido e, na altura, quando entenderam que os seus projetos perigavam, admitiam o recurso a tudo. Eu não me enquadrava, nem me enquadro, nesse esquema de trabalho. Na altura entendi que era necessário dizer não!”245

244 Entrevista a Altino de Magalhães, 14.1.2012. 245

127 Henrique de Aguiar Rodrigues e José Pacheco de Almeida também pretendem abandonar a Junta Regional, mas acabam por se manter até à sua extinção e Pacheco de Almeida foi mesmo o único vogal da Junta a fazer parte do Primeiro Governo Regional dos Açores.