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Capítulo II – O recrudescimento do movimento e as ligações internacionais

3. As reuniões de Paris

Os rumores da reunião de Paris de que tinha dado conta a cônsul Pfeifle chegaram também ao conhecimento do Departamento de Estado por outra via. Donald Gillies, um cidadão americano que durante algum tempo residiu em Ponta Delgada e tinha relacionamento estreito com alguns dos líderes separatistas, alertou a portuguese desk para o facto de o açoriano Francisco Gomes, que se encontrava na residência de Gillies, em Richmond a visitá-lo, ter partido antecipadamente para participar numa reunião em Paris com o Exército de Libertação de Portugal (ELP). Francisco Gomes, estava confiante que a FLA iria entrar em ação dentro de poucas semanas, informou o amigo americano ao departamento responsável pelos assuntos ibéricos. Kissinger termina o telegrama, enviado também para a embaixada em Lisboa, fazendo uma recomendação ao consulado em Ponta Delgada específica sobre Gillies: “gostaria de receber informações sobre a extensão dos seus contactos com os líderes da FLA”118

117 “Ponta Delgada, 257, july, 17, 1975”, www.archives.gov/aad/series-description.jsp. 118

57 O norte-americano Donald Gillies119 não era caso único com ligações estreitas aos separatistas. Políticos e homens de negócio mantinham contactos com os líderes separatistas chegando mesmo a encontrarem-se em França. Numa das reuniões realizadas em Paris foi traçado um plano que implicava investimentos norte-americanos nos Açores em casinos, jogos, transações bancárias francas como contrapartida de apoio financeiro para a insurreição que conduziria à independência. Na mesma altura, os membros da FLA, entre os quais José de Almeida, Mota Amaral, Carlos Matos120, Jean Denis Raingeard121 e ainda representantes da FLA do Faial e da Terceira, António Guilherme Berbereia Moniz122, reuniram com um grupo ligado a interesses islâmicos interessado em criar, no ocidente, postos de expansão financeira. Segundo José de Almeida foi proposto instalar nos Açores

119

Donald Gilles, multimilionário ativista da direita marginal, tinha residência temporária em S. Miguel antes do 25 de Abril e patrocinou, em 1977, uma viagem aos EUA do jornalista Gustavo Moura e o membro da FLA Gomes de Meneses para participarem num jantar de angariação de fundos a favor da candidatura de Ernesto Ladeira para a presidência da Câmara de Fall River. Nessa deslocação o adjunto do Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, acompanhado pelo responsável pela desk portuguesa, encontraram-se com os dois açorianos em Washington, no hotel onde se encontravam instalados, para lhes comunicar que os EUA não estariam interessados na independência dos Açores. 120 Farmacêutico residente em Fall River que dava apoio a José de Almeida durante a sua estadia nos

EUA. 121

Antigo membro da OAS - Organization Armée Secréte - segundo o artigo da Boston Magazine intitulado “The Fall River conspiracy. How an international plot to liberat the Azores was launched – almost from Fall River, Massachusets”, publicado em novembro de 1978 e citado por Medeiros Ferreira em “História dos Açores” e que viria a ser publicado por duas vezes no jornal Açores, a 14 de novembro de 1978 e a 15 de abril de 1982. De acordo com esse artigo a OAS transferiu-se para Portugal em 1963 onde colaborou com o Estado Novo, designadamente com a PIDE. Relatórios da CIA dão conta de que a organização clandestina executou missões como assassinatos de dirigentes dos movimentos de libertação africanos que se batiam contra o colonialismo português. Segundo os arquivos da CIA, os mercenários recrutados pelas OAS contrabandeavam armas e serviam de ligação entre os grupos de direita radical da América latina, África e Europa. Jean Denis Raingeard era primo de Paul de la Blétièrre, que residia em S. Miguel, e era conhecido como um “operacional” da FLA. A Organsation Armée Secrète era uma organização paramilitar clandestina que se opunha à independência da Argélia. São lhe atribuídos vários atos terroristas, entre os quis a tentativa de assassinato do general De Gaulle. Os nomes foram os confirmados por José de Almeida de um conjunto de cerca de 12 que terão participado na reunião de Paris.

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António Guilherme Berbereia Moniz (1950-) é advogado, ex militar. Entre 1974-1975 lecionou as disciplinas de História e Introdução à Política no Liceu de Angra do Heroísmo. Segundo relatou o próprio, o objetivo da reunião de Paris terá sido colocar “um travão” à ação de José de Almeida que “se arvorava como um presidente de um governo no exílio”. Na altura José de Almeida encontrava-se radicado nos EUA.

58 “A sede bandeira do Banco Islâmico Internacional. Depois do banco estar instalado, pretendiam condições de prática religiosa e de regras de sociedade, inclusivamente de alimentação.”123

Em contrapartida seria concedido ao movimento “vantagens na concessão de crédito e lugares na direção do banco”.

Tal como a americana, a proposta viria a ser recusada, de acordo com José de Almeida, porque “havia uma oposição total entre mim e o João Bosco nesta altura, sobretudo relativamente ao modus faciendi”.

3.1. Novas Recomendações de Kissinger

Henry Kissinger, não se deixando influenciar pelas certezas da cônsul de que não estaria iminente uma revolta nos Açores, emite novas recomendações aos serviços diplomáticos em Portugal sobre a forma como deveriam lidar com o momento político.

Segundo escreve o próprio Secretário de Estado, perante o aumento das expectativas para “a inevitabilidade da independência” dos Açores e em face da “situação política em Lisboa que continua a deteriorar-se, é necessário tomar maiores cautelas publicamente e nos contactos com os separatistas”. Assim, preconiza para os contactos com a FLA e seus apoiantes:

“Temos que garantir que estamos a transmitir a ideia correta da neutralidade do governo dos EUA e que, inadvertidamente, não estamos impulsionando qualquer plano do movimento de independência”.124

59 O Secretário de Estado reforça a necessidade de passar a imagem pública de uns Estados Unidos neutros. Kissinger afirma

“Eu sei que em vossos contactos com a FLA (como temos com os apoiantes da FLA nos Estados Unidos), têm enfatizado o nosso desejo de permanecermos alheios”.125

Esta é a segunda vez, em poucos meses, que Kissinger reforça a necessidade de, apesar de manterem contactos com os separatistas, esses contactos deverem manter- se apenas na esfera de conhecimento do circuito restrito dos envolvidos pelas implicações que isso poderia trazer para a política externa norte-americana. Simultaneamente mantinha a questão açoriana debaixo do seu controlo.