• Nenhum resultado encontrado

Capítulo IV A Junta Regional luta em várias frentes

4. Estudos económicos secretos

Nos meses de agosto e outubro são revelados, em círculos muito restritos, estudos económicos sobre os Açores. Um foi elaborado por uma empresa norte- americana a pedido do governo português, o outro suportou-se em dados recolhidos pela Junta Regional e reportar-se à relação financeira entre a Região e o Estado e um terceiro que, de acordo com fontes norte-americanas, se encontrava sob reserva do Banco Português do Atlântico. Não houve partilha de dados entre os diversos estudos nem deles foi dada informação ao público.

O conhecimento das conclusões de um estudo económico, elaborado por dois norte-americanos, Norman Bailey e Edmond Tondu, da BKW Associates inc, empresa de consultadoria sedeada em Washington, poderia ter sido muito útil para as forças

227 Ata nº. 4, 21.10.1975. 228

115 separatistas. O estudo estava a ser elaborado há alguns anos, a pedido do governo de Marcelo Caetano. A cônsul, em telegrama enviado para o Departamento de Estado, mostra-se convencida de que a difusão da viabilidade económica dos Açores iria “encorajar o movimento independentista”229

e seriam “o combustível para acionar a independência” o conhecimento de um estudo que estaria na posse do Banco Português do Atlântico.

O estudo elaborado pelos norte-americanos descreve a relação económica entre os Açores e o continente como sendo semelhante à aplicada no mercantilismo do século XVIII. Para Norman Bailey apesar de a economia açoriana se confrontar com problemas de falta de comunicações, meios de transporte, de crédito financeiro e de mercados, se fossem concedidos créditos às empresas e fretados transportes, “existia mercado para os produtos açorianos”. Apesar de todas as comunicações dos Açores com o exterior passarem por Lisboa, os dois americanos acreditam que uma nova organização política dos Açores poderia trazer vantagens económicas. Nesta linha de pensamento, confrontados com a dicotomia independência versus autonomia, consideram:

“Economicamente, seria melhor para os Açores serem independentes do que enveredar pela autonomia, uma vez que a autonomia iria demorar meses a estabelecer-se e poderia ser revogada a qualquer momento. Esse quadro não iria proporcionar a estabilidade necessária para o investimento e crescimento.”

Da conversa com os dois empresários, que muitos açorianos acreditavam tratarem-se de agentes da CIA, a cônsul fica a saber que o Banco Português do Atlântico tinha na sua posse um estudo aprofundado sobre o relacionamento comercial e financeiro entre os Açores e Portugal continental, o qual concluía que Portugal obtinha

229

116 um lucro de cerca de 280 milhões de dólares por ano com os Açores. O governo não tinha permitido a publicação desse estudo.

No comentário do telegrama, a cônsul diz desconhecer a dimensão do conhecimento desse estudo, mas admite

“O conhecimento das suas conclusões seria como que combustível para acionar a independência. A visão de Bailey e Tondu sobre a viabilidade económica dos Açores seria encorajadora para o movimento independentista.”

Não são conhecidos mais pormenores destes estudos reportados pelos norte- americanos da empresa de consultadoria BKW Associates inc.

Um outro estudo, realizado a pedido do presidente da Junta Regional, pelo vogal Borges de Carvalho, que tinha a pasta dos Assuntos Económicos e Financeiros, aponta também, em período anterior a 1973, para ganhos das contas públicas regionais superiores aos gastos. Borges de Carvalho, em reunião da Junta Regional realizada a 13 de outubro, dá conta aos presentes dos dados já compilados sobre a situação financeira do poder

“Encontramos uma situação em que as receitas totais arrecadadas na região e que se dirigem para o Estado sob a forma de impostos e outras receitas eram superiores às despesas que o próprio Estado efetuava nela própria, ou seja estávamos perante uma região superante, que por consequência contribuía para o todo nacional.” 230

O ano de 1973 viria a marcar uma viragem neste superavit e as receitas arrecadadas na Região e que se dirigiram para o Estado contribuíram com aproximadamente 74% das despesas efetuadas pelo Estado no arquipélago. A nível distrital registam-se assimetrias. Enquanto Ponta Delgada mantinha um saldo positivo –

230

117 o que em parte era justificado pelas receitas cobradas pela alfândega - e Angra do Heroísmo as receitas cobradas a favor do Estado cobriam aproximadamente 26% e 21% no distrito da Horta.

No ano seguinte, 1974, a situação é um pouco diferente, verificando-se um salto negativo para o Estado, na sua relação financeira com a Região, de 33 mil contos. De acordo com os dados apurados por Borges de Carvalho, o valor total de impostos, contribuições e outras receitas fiscais cobradas na Região somavam a quantia de 529 mil contos, dos quais aproximadamente 233 mil ficaram nos Açores como receitas das Juntas Gerais, tendo os restantes 296 mil contos sido remetidos para os cofres do Estado. Por outro lado, o Estado despendeu na Região cerca de 276 mil contos. Borges de Carvalho conclui que as receitas arrecadadas pelo Estado foram inferiores às despesas efetuadas em cerca de 380 mil contos, tendo as receitas apenas coberto 44% das despesas. Na divisão pelos distritos, os valores avançados apontam para uma despesa do Estado em Ponta Delgada de 299 mil contos contra um ganho fiscal 245 mil contos; em Angra do Heroísmo, o Estado arrecadou 35 mil contos e despendeu 248 mil e, por último, na Horta a relação foi de 16 mil contos arrecadados para 129 mil de despesa do Estado. Mediante estes valores, Borges de Carvalho observa

“As despesas efetuadas pelo Estado na Região têm evoluído a um ritmo de crescimento muito superior às receitas que se dirigem para o mesmo Estado cobradas localmente. (Para este acentuado desequilíbrio muito tem contribuído as melhorias de vencimentos ocorridos em todos os graus do funcionalismo).”

O desequilíbrio não estaria tanto nas receitas cobradas, mas no volume do investimento do Estado. As receitas dirigidas para o Estado passaram de 280 mil contos em 1973 para 296 mil em 1974, o que representou um aumento de cerca de 6%. Do lado

118 das despesas do Estado passaram de 328 mil contos para 676 mil contos, verificando-se assim um aumento de aproximadamente de 79%.

Os dados que dispunha na altura permitiam ao vogal da Junta Regional extrapolar o que seria o ano de 1975. Perante a conjuntura, Borges de Carvalho estava convencido

“O desequilíbrio se acentuará cada vez mais, dado que as receitas praticamente estagnaram e as despesas do Estado aumenta assustadoramente, com maior relevo para os distritos de Angra e Horta. Devemos notar que, nos números relacionados com as despesas efetuadas pelo Estado na Região, não estão incluídas os encargos com o Exército, Marinha e Força Aérea.”

Para além da constatação dos desequilíbrios entre receitas e despesas geradas na Região e das assimetrias entre os distritos, Borges de Carvalho realça que “há que ter em conta uma série de receitas da região que não foram contabilizadas por serem arrecadadas diretamente no continente.”231 São exemplo os impostos sobre os combustíveis, as receitas resultantes do acordo entre Portugal e os EUA pela utilização da Base das Lajes e outros impostos de transação.

O estudo elaborado por Borges de Carvalho, colocando o enfoque na relação financeira entre o Estado e a Região, e apesar de não contabilizar importantes ativos financeiros, de que são exemplo os impostos sobre os combustíveis e as contrapartidas pela utilização da Base das Lajes, apresenta um saldo positivo para a Região no período antes da Revolução de 74. Depois decrescem significativamente as receitas cobradas na Região.

231

119 O documento composto por três folhas, encontra-se depositado no Arquivo Geral do Museu Militar dos Açores.232