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A Mediação do Professor como Propulsora da Zona de

2 CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE E DO SÓCIO-

2.2 SÓCIO-INTERACIONISMO

2.2.3 A Mediação do Professor como Propulsora da Zona de

nas relações interpessoais.

2.2.3 A Mediação do Professor como Propulsora da Zona de Desenvolvimento Proximal

A idéia de mediação perpassa toda a obra de Vygotsky. Para ele, o conceito de mediação está articulado à concepção de que as funções psicológicas têm sua origem nos processos sociais. É pelo mecanismo da internalização que acontece simultaneamente a apropriação do conhecimento e do uso desse conhecimento na sociedade. Esse autor apresenta dois tipos de mediadores externos: os instrumentos, orientados para regular as ações sobre os objetos; e os signos, orientados para regular as ações sobre o psiquismo das pessoas. Devido à sua natureza reversível, os signos tornam-se particularmente aptos para a regulação da atividade do próprio sujeito, fazendo deles os mediadores na formação da consciência.

Para Vygotsky (1991), a consciência está refletida na palavra. Esta pode ser entendida como um microcosmo da consciência, estando ligada à consciência como uma célula viva a um organismo, como um átomo ao cosmo. A formação da consciência implica também a

relação do homem consigo próprio. Para esse autor, essa relação só pode ocorrer mediada pelo signo, estando sempre implicada na relação com o Outro social.

Assim, para Vygotsky (1991), a linguagem é uma instância de significação na relação do homem com as coisas, com outros homens e consigo mesmo. A esse complexo mecanismo, ele vai denominar desenvolvimento cultural, que só pode ocorrer através da linguagem. O desenvolvimento cultural implica a construção e apropriação do conhecimento socialmente construído. Segundo Vygotsky (1997), a capacidade especificamente humana para a linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na resolução de tarefas difíceis, a superarem a ação impulsiva, a planejarem uma solução para um problema antes de sua execução e a controlarem seu próprio comportamento.

De acordo com esse autor, existem dois tipos de conhecimento. Um que se dá assistematicamente, através das interações sociais, levando a criança ao conhecimento dos costumes que caracterizam a cultura da sociedade em que está inserida – o conhecimento cotidiano. E um outro denominado científico, que é adquirido sistematicamente, pela educação formal. Esse conhecimento é adquirido a partir da relação da criança com seus pares, como também da relação desta com o professor.

Para esse autor, quando a criança é capaz de resolver sozinha questões relativas a diferentes situações, aplicando o conhecimento construído socialmente, este fato representa seu desenvolvimento real. Entretanto, ao não ser capaz, no processo de interação, de resolver sozinha algumas questões, e precisar da intermediação de outra pessoa, essa interação fará a criança avançar na construção de seu conhecimento, revelando seu nível de desenvolvimento potencial. O intervalo entre esses dois níveis constitui a Zona de Desenvolvimento Proximal.

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas, sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (VYGOTSKY, 1991, p. 97).

Como exemplo desse processo, faremos referência ao depoimento de Helen Keller (1939, p. 26), que vivenciou com sucesso a oportunidade de ter a mediação de um adulto:

O dia mais memorável da minha vida foi aquele em que a professora Anne Sulivan veio juntar-se a mim. Ainda hoje, não posso deixar de extasiar-me com o mundo de sensações novas que tal acontecimento inaugurou na minha vida. Estávamos a 3 de março de 1887, três meses antes de eu fazer meus sete anos, eu já possuía a chave da linguagem e desejava ardentemente aprender a utiliza-la. As crianças que tem a felicidade de ouvir, aprendem a falar sem esforço: apanham as palavras no ar. Mas, a criança surda só as pode aprender por um processo penoso e lento, vai-se então vencendo palmo a palmo a enorme distância que há daí até o mundo de pensamento. No começo quando a professora me explicava as coisas, eu lhe fazia poucas perguntas, tinha idéias confusas e vocabulário insuficiente, todavia, à medida que os meus conhecimentos se multiplicavam, e o vocabulário se enriquecia, via que as dúvidas aumentavam. Ávida de saber cada vez mais insistia em perguntas sobre assuntos mal compreendidos.

A influência mencionada por Helen Keller pode ser ratificada pelo depoimento da professora Anne Sulivam (apud KELLER, 1939, p. 315-316):

Helen apoderou-se do uso da linguagem pela prática. Todos os quebra-cabeças gramaticais – classificações, nomenclaturas e paradigmas foram completamente abandonados. Ela aprendeu a língua pelo contato com a língua viva, nas suas necessidades cotidianas e pelo uso dos livros. É verdade que eu falava com ela pelos dedos, muito mais do que faria com a boca, isso porque, tivesse ela a vista e o ouvido não dependeria só de mim para conversar no início. Creio que a fluência que Helen demonstra em sua conversa, vem do fato de que quase todas as impressões lhe chegaram ao espírito através da linguagem.

Esses dois depoimentos evidenciam a relevância do papel do adulto como mediador no processo de aquisição do conhecimento para a criança surda. A ênfase com que Helen Keller, que era surda e cega, fala da presença da professora Anne Sulivan em sua vida demonstra a possibilidade de inserção social que este sujeito teve a partir da interação com um adulto, usuário da língua de sinais. Essas trocas interativas tiraram Keller do isolamento social no qual se encontrava e possibilitaram a esse sujeito surdo-cego a construção da sua identidade.

A partir desses depoimentos, podemos pensar que a apropriação de uma palavra, o sentido que uma palavra adquire no discurso de um sujeito, comporta a própria convocação

para a emergência de um sujeito que dela se apropria. Assim, podemos dizer que o processo de construção de um discurso, pensando especificamente no que diz respeito a um sujeito surdo, comporta a sua emergência, que se revela nas suas frases, enquanto investidas de sentido. Sentido é aqui tomado como direção, como endereçamento para uma ação que comporta uma decisão de apropriar-se enquanto falante de uma língua. Ou seja, só podemos considerar a emergência de um sujeito falante enquanto apropriação de uma língua, quando essa língua permite inscrevê-lo na linguagem.

Entendemos que a língua de sinais se constitua na possibilidade, no canal privilegiado para a emergência do sujeito surdo na rede simbólica do discurso. Neste sentido, tanto a teoria psicanalítica quanto os fundamentos do sócio-interacionismo convocam-nos a pensar nessa direção. Entretanto, não podemos deixar de considerar a relevância do contato para a criança surda, a possibilidade de estar inserida num meio culturalmente rico de estímulos e desafios que a solicitem para ampliar cada vez mais o seu repertório lingüístico.

O contato com usuários da língua majoritária que se apropriam dessa língua, tanto na sua modalidade oral quanto escrita, pode significar para a criança surda essa riqueza de estímulos, desde que ela seja respeitada em sua particularidade lingüística, como falante da língua de sinais. É enriquecedora a oportunidade dada à criança, para que ela esteja exposta a situações que venham a somar possibilidades de contato com múltiplas manifestações lingüísticas, porém não se pode tomar uma língua em substituição a outra.

Chamamos a atenção para a relevância do papel da escola numa experiência lingüística. A questão da proposta de inserção do surdo em classes regulares de ensino ganha importância de debate, quanto à viabilidade dessa inserção, em função do estatuto atribuído à questão lingüística. O assunto, portanto, muito mais problematizado em relação ao contexto lingüístico, convoca-nos a refletir sobre a qualidade das interações possíveis entre os pares educativos, e o lugar do professor nesse conflituoso e profícuo espaço de emergência de múltiplas linguagens.

2.2.4 O Ambiente Escolar e a Construção da