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1 A EDUCAÇÃO DO SURDO

1.2 ABORDAGENS

1.2.1 Abordagem Oralista

Na perspectiva oralista, a surdez é definida como uma condição patológica, uma deficiência ou defeito, que distingue pessoas surdas, anormais, de pessoas ouvintes, normais.

Nessa concepção, os educadores centralizam seus esforços para a melhoria dos efeitos da incapacidade ou deficiência auditiva, dando muita atenção ao uso de amplificadores e outros dispositivos tecnológicos que aumentam a percepção auditiva, a exemplo do implante coclear multicanal. A leitura labial é enfatizada, e a socialização das pessoas surdas com as pessoas ouvintes é extremamente incentivada. Nessa abordagem, o surdo é considerado uma pessoa que não ouve e, portanto, não fala, sendo definido por suas características negativas. A educação se converte em terapêutica e o objetivo do currículo escolar é dotar o sujeito surdo do que lhe falta: a audição e seu derivado – a fala.

O objetivo principal da educação na perspectiva oralista é propiciar às crianças surdas o aprendizado da língua em sua modalidade oral – no caso do Brasil, a língua portuguesa. Correa5 (2000, p.139), afirma: “O processo de aprendizagem da língua portuguesa, dentro da filosofia oralista tem como meta o desenvolvimento: do treino auditivo; da voz, fala- articulação; da linguagem oral-aprendizado do modelo da língua (diálogo).”

Para a autora, o êxito dessa aprendizagem independe da gravidade da perda auditiva: leve/moderada, severa/profunda. A surdez leve/moderada consiste em perda auditiva de até 70 decibéis, que dificulta, mas não impede a expressão oral do indivíduo, bem como a percepção da voz humana, com ou sem a utilização de um aparelho auditivo. A surdez severa/profunda corresponde à perda auditiva acima de 70 decibéis, que impede o indivíduo de entender a voz humana, com ou sem aparelho auditivo, bem como de adquirir naturalmente o código de língua oral6. A aprendizagem da língua oral, segundo a autora, depende do trabalho que integra quatro fatores: a criança, o aparelho auditivo, a família e os profissionais da área.

A metodologia audiovisual de linguagem oral para crianças com perda auditiva, proposta por essa autora, desenvolve-se em quatro estágios, conforme Quadro 2, a seguir:

5 Fonoaudióloga, professora especializada e autora do livro Surdez e o Método Audiovisual da Linguagem Oral (CORREA, 2000).

ESTÁGIO META

Estágio A - Estimulação precoce (crianças de

zero a três anos) Recepção do pensamento oral Estágio B – Pré-escolar (crianças de três a cinco

e seis anos) Estruturação do pensamento oral Estágio C – Alfabetização (crianças de seis

anos) Mecânica da leitura e da escrita

Estágio D – Da leitura à interpretação (crianças

após a alfabetização) Leitura com compreensão e interpretação Fonte: Correa (2000).

QUADRO 2– ESTÁGIOS DA METODOLOGIA AUDIOVISUAL DE LINGUAGEM ORAL PARA CRIANÇAS

O êxito desse trabalho, conforme a autora, é determinado pelo atendimento às seguintes condições: 25% do tratamento corresponde à perda auditiva da criança e ao início do tratamento a partir da estimulação precoce, entre zero a três anos; 25%, ao uso do aparelho adequado para o seu quadro; 25%, à participação e o engajamento da família no tratamento; e, por último, 25%, ao atendimento adequado pelos profissionais da área.

Como podemos verificar a partir dessa proposta metodológica, para que a língua oral possa ser adquirida pela criança surda é necessário que ela seja submetida a um longo e intensivo atendimento fonaudiológico que, apesar de importante para o seu convívio com a comunidade ouvinte, não pode ser comparado à aquisição natural e espontânea de uma língua.

Vygotsky (1997) faz severas críticas à forma mecânica e exaustiva utilizada pelos métodos orais para desenvolver a fala do surdo. Ele aponta nessa metodologia, que o trabalho com a fala tem predominância sobre os outros aspectos da educação e se torna um fim em si mesmo. O surdo é ensinado a pronunciar palavras, mas esse ensinamento não tem como conseqüência a apropriação da fala como um meio de comunicação e de pensamento.

Para esse autor, a solução consiste na criação cultural de instrumentos pedagógicos especiais, bem como na criação de uma nova metodologia mais adequada às características

psicológicas da criança surda. Argumenta ainda que o problema fundamental no desenvolvimento cultural de uma criança deficiente é a inadequação, a incoerência entre sua estrutura psicológica diferenciada e a estrutura e características dos instrumentos culturais utilizados no trabalho com a criança normal. Desta maneira, mostra-se problemática a proposta oralista de tomar como modelo a criança ouvinte e o seu processo de desenvolvimento, na tentativa de moldar o surdo a este padrão.

De acordo com Goldfeld (1997), a maioria das metodologias baseadas no oralismo utiliza como embasamento teórico lingüístico o gerativismo de Noam Chomsky, segundo o qual a linguagem não pode ser ensinada, mas pode ser dada condição para o seu desenvolvimento espontâneo. No caso das crianças ouvintes, elas imitam os seus interlocutores e assim descobrem as regras gramaticais da língua, o que vai lhes permitir as transformações e organizações de seus pensamentos, expressando-os pela fala. A grande preocupação dos profissionais oralistas em relação à interferência das regras gramaticais reside no fato de que o domínio no uso dessas regras representa um salto qualitativo na aprendizagem da língua oral.

A criança ouvinte que vive em um meio ambiente favorável, mesmo antes de iniciar o processo de escolarização, adquire a gramática da língua oral de uma forma implícita. A língua materna é aprendida naturalmente, pois a família a transmite. Posteriormente, quando a criança é inserida na escola, cabe ao professor, como mediador do processo da aprendizagem, estimular a evolução dessa gramática implícita, para que o aluno possa fazer uso da linguagem de uma maneira consciente, ou seja, possa usá-la de forma intencional, dando sentido ao que lê, escreve e fala.

O desenvolvimento da linguagem oral ocorre na maioria das crianças ouvintes de uma maneira natural, em um círculo mais íntimo, familiar ou de vizinhança, tendo como objetivo um significado interativo. Esse mesmo processo não acontece com a criança surda em relação à aquisição da língua oral, em função da perda auditiva.

Por essa razão, acreditamos que as idéias do oralismo que persistiram e foram preponderantes até a década de sessenta não são benéficas para a criança surda. Essa forma de abordar a problemática do sujeito surdo, fundamentada exclusivamente na linguagem oral para o desenvolvimento lingüístico, cognitivo, bem como para a inserção social do surdo, não se mostrou um empreendimento bem sucedido, apesar dos esforços dos profissionais e dos avanços tecnológicos, tendo em vista que a língua oral, até o presente momento, não pode ser adquirida espontaneamente pela criança surda.

Segundo Moura (1993), os vários insucessos enfrentados pelos surdos que foram submetidos ao oralismo, tanto no contexto pedagógico como nos esforços clínico- terapêuticos, e os estudos sobre as línguas de sinais usadas pelas comunidades surdas produziram a abordagem conhecida como Comunicação Total. A prática educacional norteada por esse enfoque e dirigida à criança surda assimila esses sinais/gestos.