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3 O PANORAMA E A DINÂMICA DA PESQUISA

3.1 OPÇÃO DO MÉTODO

A escolha do método de pesquisa etnográfico se deu em função de adequar-se bem aos propósitos desta pesquisa, tendo em vista a possibilidade de leitura do fenômeno sem alterar- lhe o sentido, bem como, por permitir ao pesquisador interagir com seu objeto a partir da escuta dos atores sociais. O etnopesquisador não parte de hipóteses fechadas, pelo contrário, faz um esforço para abrir-se ao fenômeno. Como afirma Macedo (2000), no processo de construção do saber científico, a etnopesquisa crítica não considera os sujeitos do estudo um produto descartável de valor meramente utilitarista, ressaltando a necessidade de uma construção conjunta. A voz do ator social deve ser trazida para o corpus empírico analisado e para a própria composição conclusiva do estudo.

Nessa modalidade de pesquisa, a linguagem tem um papel fundamental. O dizer do ator social é percebido como estruturante para a construção do saber. As contradições, os paradoxos, a leitura do contexto ganham valor de destaque para o processo de investigação. Segundo esse caminho de pesquisa, a realidade social é vista como constituída por pessoas que se relacionam através de práticas que recebem identificação e significado pela linguagem

usada pra descrevê-la, invocá-la e executá-la, daí o interesse pelas especificidades predominantemente qualitativas da vida humana (MACEDO, 2000).

Para a etno-pesquisa, é relevante não só a observação e a descrição do comportamento das pessoas em si, mas também da significação construída nas relações inter e intrapessoais, assim como das observações e descrições das escolhas explícitas ou implícitas das atribuições de significação que as pessoas fazem nas ações do dia-a-dia.

Nessa modalidade de pesquisa, o observador é o próprio pesquisador. Ele é parte integrante do contexto, pois participa da vida dos atores sociais no seu cenário cultural, com a finalidade de realizar uma investigação científica. Cabe a este adotar uma atitude de colocar- se sob o ponto de vista do grupo pesquisado com respeito, empatia e profunda inserção.

Como alerta Macedo (2000), é importante que o pesquisador construa um bom laço emocional em relação à sua pesquisa. Como observadora da experiência, colocamo-nos com o distanciamento necessário para apreender e registrar os fatos num esforço de não perder de vista o foco de nossa atenção, que no caso específico desta pesquisa, foi o processo de interação das crianças surdas entre si, com os colegas ouvintes e com a professora, e o papel relevante que as diversas formas de linguagem ocuparam nessas interações.

Como participante do contexto, envolvemo-nos na experiência, ocupando o lugar daquele que escutava o que diziam as crianças ouvintes e a professora sobre a presença das crianças surdas na sala de aula, e a resposta educativa que estas davam. Desta maneira, além de escutar atentamente como pesquisadora, intervimos, quando se fez necessário, solicitando da professora que estimulasse as crianças surdas e ouvintes a emitirem a sua própria opinião sobre as atividades que elas eram convocadas a participar.

A coleta de dados desta pesquisa teve início no mês de março de 2001, período em que recebemos da diretora da escola a permissão para realizar o trabalho naquela instituição. Após

o seu consentimento, começamos pelo contato inicial, que se deu nos meses de março, abril e maio, com os pais das crianças surdas, a professora da classe inclusiva e a diretora da escola.

O diálogo com os pais dos alunos surdos teve como finalidade verificar dados referentes à idade, sexo, número de anos de escolarização dessas crianças, período em que foram detectados a surdez e o grau, se foram submetidas a exame audiológico, se utilizavam aparelho individual de amplificação sonora, se receberam acompanhamento sistemático com fonoaudiólogo, se foram oralizados, se tiveram acesso à língua de sinais e se tinham contato com adultos surdos. Quanto aos dados referentes aos próprios pais, as perguntas a eles dirigidas tratavam do nível de escolarização, renda familiar, uso da linguagem oral, de sinais e/ou gestos familiares para se comunicarem com os filhos surdos e, no caso dessas crianças não serem oralizadas, se eles criavam expectativas nesse sentido.

Nos contatos que realizamos com a professora, indagamos sobre o tempo de serviço no magistério, experiência de trabalho com crianças surdas, formação profissional, abordagem teórica na qual fundamentava a sua práxis e se essa referência teórica contemplava o uso da língua de sinais; se recebia suporte técnico do órgão competente, no caso a Secretaria Municipal de Educação, que orientasse a sua prática pedagógica e a capacitasse para realizar o trabalho numa perspectiva inclusiva.

Quanto à diretora, perguntamos qual a sua concepção sobre inclusão, de onde partiu a iniciativa para a criação das classes inclusivas para surdos, se a Secretaria Municipal oferecia subsídios teóricos e práticos norteadores para o trabalho da escola, se os professores eram capacitados para trabalhar com os PNEE-surdos, e se os profissionais dessa escola conheciam a LIBRAS e sabiam se comunicar com as crianças surdas através dessa língua.

Após coletarmos esses dados com os informantes, iniciamos o processo de observação na sala de aula. Este teve início em maio de 2001 e término em dezembro do mesmo ano, com um encontro semanal de quatro horas de duração, perfazendo um total de 100 horas de

observação. Utilizamos o diário de campo para fazer o registro descritivo dos fatos observados, priorizando os seguintes aspectos: dia e número da observação; atividade proposta pela professora; linguagem utilizada por ela (oral/sinal/escrita) e recurso didático; resposta do aluno ouvinte e linguagem utilizada; resposta do aluno surdo e linguagem utilizada; atitude da professora frente à resposta dos alunos; integração entre as crianças (surdas e ouvintes); comentário da pesquisadora.

Como documento fonte de análise para a pesquisa, além do contato com os pais, recorremos às pastas individuais dos alunos surdos, verificando a ficha cadastral, que continha nome, local e data de nascimento, filiação, endereço, referência sobre a vida escolar nos anos anteriores e no ano em curso e cópia de exame audiológico. Um outro instrumento ao qual recorremos foi o Documento de Apoio à Prática Pedagógica: Ciclo de Estudos Básicos: Marcos de Aprendizagem, Conteúdos e Orientações Didáticas (BAHIA, 2000), baseado nos Parâmetros Curriculares Nacionais, definido pela Secretaria Municipal de Educação como o documento destinado a instrumentalizar os professores das séries iniciais do ensino fundamental, para realizarem a sua prática docente, de maneira que possibilite a construção e o desenvolvimento das competências necessárias para lidarem com as diferenças entre os alunos, sem transformá-las em desigualdade.

Para efeito desta pesquisa, consideramos marcos de aprendizagem os conteúdos e orientações didáticas indicadas nesse documento, relativas ao 2º ano de escolarização, referentes à língua portuguesa (cf. Anexo A), sendo considerados os aspectos da linguagem oral, linguagem escrita e leitura. Vale ressaltar que esse documento não contempla a língua de sinais. Utilizamos também como fonte de dados para esta pesquisa, os pareceres descritivos formulados pela professora, relativos ao processo de aprendizagem dos alunos, no período correspondente ao 1º e 2º semestre de 2001 (Cf. Anexo B e C).

Os planos de aula da professora também foram analisados, com o objetivo de verificar as atividades por ela propostas, a metodologia e os recursos utilizados em sua prática

pedagógica, observando se no planejamento ela propunha adotar uma ação inclusiva, de modo a possibilitar a integração entre os alunos surdos e ouvintes.

As produções textuais provenientes de atividades de leitura e escrita dos alunos foram igualmente consideradas como dados de pesquisa. Nestas atividades, a prática discursiva emergente dos alunos foi observada no uso significativo, através da LIBRAS e da língua portuguesa.