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1 A EDUCAÇÃO DO SURDO

1.2 ABORDAGENS

1.2.2 Comunicação Total

Na perspectiva da Comunicação Total, a ênfase do trabalho não reside na aquisição da linguagem, mas no funcionamento da linguagem. Ciccone (1990) afirma que na perspectiva da Comunicação Total, o modelo central se desloca do ouvinte e da sua fala para o próprio surdo com suas potencialidades, sem determiná-lo por seu déficit sensorial. As suas diferenças são respeitadas, considerando-o parte integrante de uma minoria cultural que se expressa por meio de uma linguagem gestual. Nessa abordagem, é aceito o uso de todas as formas de linguagem – oral, visual e gestual – para o estabelecimento de uma efetiva comunicação entre surdo/surdo e surdo/ouvinte.

Segundo Rabelo (1996), as interações adulto/criança na vertente oralista se efetuam de forma mínima, em conseqüência da falta de domínio da linguagem oral pelo surdo, em decorrência do bloqueio de audição de que é portador. Na Comunicação Total, as interações passam a existir efetivamente, ao serem utilizadas simultaneamente. A linguagem oral é sinalizada, instaurando, desta forma, a dialogicidade necessária entre os interlocutores.

Nessa mesma linha de raciocínio, os profissionais do Programa de Estimulação Precoce do Centro de Educação Especial da Bahia (CEEBA)7, criado em 1998, adotam a filosofia da Comunicação Total, por compreenderem a surdez como uma marca cujos efeitos adquirem características de um fenômeno com significações sociais. Neste sentido, para esses profissionais, o significado da surdez não se limita ao significado médico, e o surdo é visto não a partir da sua privação sensorial, mas pela sua diferença, respeitando-se as suas necessidades e capacidades.

Nessa concepção, o termo surdo refere-se não somente àquelas pessoas que têm limiares auditivos alterados e, por conseguinte, apresentam uma dificuldade acentuada ou incapacidade na audição para fins da aprendizagem da linguagem oral, mas também ao aspecto social da surdez.

Os programas de ação baseados na Comunicação Total incluem técnicas e recursos para o treinamento auditivo e oral, e ainda uma completa liberdade na prática de qualquer estratégia que permita o resgate da comunicação. Esses programas visam a aproximação do sujeito surdo com o seu grupo social, entendendo que a pessoa surda tem o direito de desenvolver suas potencialidades com vistas ao atendimento de suas necessidades. A Comunicação Total mostra uma oposição às idéias oralistas, deslocando-se do ideário do ouvinte como referência para o próprio surdo, em função de suas potencialidades.

7 Caracteriza-se por oferecer educação complementar à sua clientela, que se constitui por alunos deficientes mentais,

deficientes físicos (motores e sensoriais), superdotados (dotados de altas habilidades), portadores de condutas típicas (distúrbios de conduta com base neurológica) e de múltiplas deficiências (quando conjugam mais de um desses tópicos). O CEEBA atende também a clientes que não se incluem na classificação acima, mas apresentam problemas de aprendizagem. A assistência se dá nas vertentes pedagógica e clínica.

Esta nova visão da pessoa que não ouve, não como alguém “não eficiente ou deficiente”, mas como pessoa que tem direito de crescer e se desenvolver segundo suas possibilidades e necessidades, defende o “sujeito preservado” que existe em cada surdo e que pode ser capaz (e deve poder exercer a própria liberdade) de dividir conosco (os ouvintes) o direito comum ao exercício de eficiências. (CICCONE, 1990, p. 25).

Em sua tese, Rabelo (1996) explicitou três princípios básicos da Comunicação Total:

1)

2)

3)

Respeito pela diferença – Considera o surdo como participante de uma minoria cultural, cuja realização lingüística se faz diferente por meio da língua de sinais. Diferença cultural não significa inferioridade e, portanto, não admite o domínio nem a imposição da cultura ouvinte sobre a dos surdos.

Rompimento do bloqueio de comunicação – Todas as formas ou modalidades lingüísticas – oral, gestual e gráfica – são usadas para estabelecer uma comunicação efetiva com e entre os surdos, usadas simultânea ou isoladamente, conforme a necessidade do momento.

Integração através da eficiência – Com o desenvolvimento de suas potencialidades, o surdo poderá se integrar na vida social e política da comunidade maior, como qualquer outro cidadão.

Essa autora refere-se à importância das interações sociais que irão propiciar ao surdo o desenvolvimento de habilidades vitais, comportamento social, iniciativa, liderança e responsabilidade coletiva.

Para que a inserção social do surdo seja efetivada, os defensores da Comunicação Total adotaram o sistema bimodal – uso concomitante de uma língua oral e de uma língua de sinais –, que pode ser concebido sob dois enfoques: o que restringe a Comunicação Total ao bimodal – uma técnica apenas de falar e sinalizar uma mesma língua simultaneamente – e outro que considera essa abordagem, por sua definição inicial mais ampla, como filosofia, cuja postura frente ao surdo considera-o, em relação ao ouvinte, não um deficiente, mas uma pessoa diferente, com os mesmos direitos e necessidades de qualquer ser humano. Nesse enfoque, é possível a conjugação de diversas técnicas disponíveis, inclusive a bimodal, para

que ocorra o processo de comunicação. Para Rabelo (1996), o uso do sistema bimodal na educação do surdo é alvo de grande polêmica, apesar de muitos adeptos da Comunicação Total acreditarem na utilização desse modelo em escolas, como forma de garantir ao surdo a aprendizagem da língua do ouvinte.

Brito (1993) esclarece que, na primeira concepção, em 1969, a Comunicação Total propunha-se ao reconhecimento das línguas de sinais como direito fundamental da criança surda. Essa proposta alterava tanto a prática escolar, na época predominantemente pautada no oralismo, como também as interações dos sujeitos surdos com os seus pais. Porém, a Comunicação Total, na prática, desvirtuou o seu propósito inicial, passando a constituir-se apenas numa técnica manual do oralismo.

Segundo essa autora, o bilingüismo pressuposto na concepção que originou o termo Comunicação Total fazia desta proposta uma nova filosofia educacional, posto que percebia o surdo na sua diferença cultural. Afirma ainda a autora, que o bimodalismo torna-se impraticável quando se deseja preservar a estrutura das duas línguas.

A adoção da Comunicação Total em escolas brasileiras gerou um problema porque, apesar da Língua Portuguesa e da Língua Brasileira de Sinais apresentarem estruturas lingüísticas diferentes, os educadores de surdos utilizaram um sistema artificial chamado de Português Sinalizado, que se caracteriza pelo uso de sinais como suporte ao ensino da língua oral. Nessa prática, constantemente os professores distorcem os sinais, além de articularem de forma errada e produzirem sinais com outros significados. Segundo Sacks(1999, p.42), este é um problema antigo nos Estados Unidos e em vários países da Europa:

Essa confusão vem de longa data, remonta aos sinais metódicos de L´Epée, que foram uma tentativa de expressão intermediária entre o francês e o sinal. Mas [...] não é possível efetuar a transliteração de uma língua falada em sinal, palavra por palavra ou frase por frase, as estruturas são essencialmente diferentes.