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3 O PANORAMA E A DINÂMICA DA PESQUISA

3.2 CONTEXTO DA PESQUISA

3.2.1 A Escola

A pesquisa foi desenvolvida numa turma de 2º ano de escolarização do Ciclo de Estudos Básicos (CEB), em uma escola regular que faz parte da rede municipal de ensino da cidade de Salvador. Segundo relato da Diretora, o processo de inclusão dos alunos surdos nessa classe decorreu da determinação da Secretaria de Educação do Município para que fossem extintas as duas classes especiais para surdos que existiam na escola. Nesse contexto de aprendizagem, os alunos tiveram acesso à língua portuguesa e à língua de sinais – LIBRAS.

Considerando que, dentre todas as professoras da escola, apenas uma conhecia a língua de sinais, como também tinha experiência no trabalho com surdos, a diretora e sua equipe compreenderam que somente essa professora estava capacitada para dar continuidade ao trabalho com os surdos. Deste modo, na tentativa de atender à determinação do órgão superior, bem como adequar à realidade da escola, foi decidida a permanência dos alunos

surdos juntos, numa mesma classe, sob a regência dessa professora, que receberia também os alunos ouvintes, configurando, assim, uma classe inclusiva.

Chamamos a atenção para um fato que nos pareceu relevante. Embora a professora tivesse experiência no trabalho com crianças surdas e soubesse a língua de sinais, ela não utilizava a LIBRAS como uma língua que garantisse uma clara e efetiva comunicação com as crianças surdas, como também demonstrava dificuldades para ensinar em uma sala de aula inclusiva. Seria fundamental que a professora tivesse recebido orientação adequada, para que pudesse realizar a adaptação metodológica e do currículo, contemplando a diferença lingüística e a heterogeneidade dos alunos.

Vale salientar que toda a orientação de trabalho dessa escola está respaldada no Documento de Apoio à Prática Pedagógica (BAHIA, 2000), que define os marcos de aprendizagem, conteúdos, itens de avaliação e orientações didáticas para o Ciclo de Estudos Básicos do Ensino Fundamental da Educação Municipal de Salvador. Segundo esse documento, a proposta de trabalhar com ciclo tem como objetivo propiciar maiores oportunidades de escolarização voltada para a alfabetização efetiva das crianças, visando contribuir para a superação dos problemas de desenvolvimento escolar, evasão e repetência, ao flexibilizar a seriação, abrindo a possibilidade do currículo ser trabalhado ao longo de um período de tempo maior e permitindo respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem que os alunos apresentam. Não menciona, entretanto, as adaptações curriculares ou estratégias necessárias para a educação de alunos com necessidades educativas especiais, de modo a favorecer o processo de inclusão, meta da política educacional.

A escola oferece educação infantil, ensino fundamental de 1ª a 4ª série e educação de jovens e adultos, atendendo a um total de quinhentos e oitenta alunos. Grande parte desses alunos é oriunda de uma classe social desfavorecida. Fazem parte do corpo administrativo e docente da escola: uma diretora, três vice-diretoras, duas coordenadoras, vinte e três

professoras regentes, duas professoras de arte, dois professores de educação física e sete funcionários de apoio.

3.2.2 O Local da Pesquisa: a Sala de Aula Inclusiva

No ciclo de Estudos Básicos, as classes são organizadas nas duas primeiras semanas de aula, a partir da avaliação diagnóstica inicial que estabelece as competências básicas já construídas pelo aluno. Os alunos são classificados considerando os Marcos de Aprendizagem previstos para cada ano do ciclo de estudos. Aquele que não alcançar a totalidade dos Marcos de Aprendizagem previstos para o respectivo ano de escolarização dentro do ciclo poderá dar prosseguimento na construção do seu conhecimento na série subseqüente, sendo assegurado a reordenação pela escola, para que possa progredir nas suas aprendizagens.

A classe pesquisada era composta por alunos que, na sua maioria, cursaram o 1º ano de escolarização do ciclo de estudos básicos nesta mesma escola, com a mesma professora. Esta conta com mais de 20 anos de experiência de trabalho com crianças surdas. Antes da implantação da sala de aula inclusiva, que ocorreu no ano 2000, essa professora ensinava na classe especial para surdos. Dentre os seis alunos surdos, apenas LU não foi seu aluno anteriormente. Entendemos que o fato dessas crianças já estarem inseridas nesse ambiente educativo e terem um vínculo construído anteriormente poderia se constituir em um fator favorável para o processo de integração, se as condições fossem favoráveis, ou seja, se houvesse a garantia da transmissão da LIBRAS veiculada pela professora, intérprete ou adulto surdo, como também se as estratégias de ensino fossem voltadas para a educação da pessoa surda.

Quando iniciamos o processo de observação na classe, a escola estava começando a desenvolver o projeto Literarte que consiste no trabalho das disciplinas a partir de leituras de livros paradidáticos. O livro escolhido pela professora foi A Bonequinha Preta, de autoria de Alaíde Lisboa de Oliveira. O livro conta a história de uma boneca que fica sozinha em casa e desobedece ordens de sua dona, Mariazinha, e, por isso, vai morar com um gato, até ser resgatada por um verdureiro, que a leva de volta para a antiga dona. A partir desse enredo simples, as crianças discutiam questões associadas à higiene, disciplina, alimentação etc.

Uma boneca foi construída pelas crianças, na própria sala, durante as atividades destinadas ao trabalho de artes, e foi por elas transformada em companheira no aprendizado dos diversos conteúdos. Para a escolha do seu nome foi realizada uma eleição, saindo vencedor o nome LUANA.

As crianças organizaram a festa de aniversário de Luana; para isso, fizeram lista de convidados, escreveram convites, simularam a compra e venda de material para confecção de doces e salgados. Essas situações eram aproveitadas para a aprendizagem e enriquecimento dos conhecimentos requeridos para o 2º ano de escolarização. Deste modo, o ensino da leitura, escrita e cálculos matemáticos, baseado numa metodologia de trabalho a partir de projetos, estava articulado a um contexto definido.

Naquela oportunidade, as crianças ouvintes trabalharam a escrita de palavras e frases, contaram, recontaram e criaram histórias oralmente e foram estimuladas a escreverem as suas produções. Quanto às crianças surdas, elas, em geral, brincaram juntas, tocaram-se em abraços e exibiram os objetos pessoais que trouxeram de casa, mostrando-se dispersas em relação às atividades que estavam sendo desenvolvidas na sala de aula.

Na medida em que observamos que as respostas educativas das crianças surdas frente às atividades que eram realizadas evidenciavam que elas não estavam acompanhando o processo, sugerimos, em conversa com a professora, que também registrasse em seu diário de

classe suas reflexões sobre a experiência de trabalhar num contexto de inclusão, anotando as atividades propostas e as respostas das crianças nesse processo. Acolhendo a nossa sugestão, a professora passou a fazer esses registros, entretanto somente até o final do primeiro semestre. A partir do 2º semestre, a professora registrou apenas o Parecer Descritivo1 de cada aluno.