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CAPÍTULO 1 – OS IMIGRANTES E O MERCADO DE TRABALHO:

1.2. A mobilidade laboral dos trabalhadores imigrantes ao longo do tempo

Os estudos sobre a mobilidade concentram-se essencialmente em duas dimensões. A primeira, com maior peso na literatura, envolve a avaliação da mobilidade dos trabalhadores imigrantes ao longo do seu ciclo de vida. A segunda, preocupa-se em perceber os processos de mobilidade intergeracional, e avalia as diferenças, sobretudo ao nível do emprego e das ocupações, entre os imigrantes e os seus descendentes.

Paralelamente, a literatura sobre a mobilidade é dominada por dois tipos de abordagem. Uma de cariz predominantemente económico, isto é, inspirada nas teorias económicas, e outra que se baseia na abordagem da Sociologia (Heath 2001a: 11).

aceder a formas de inserção laboral mais qualificadas e adequadas ao nível de competências dos imigrantes. Tendo sido elaborado sobretudo em resposta às características de formação dos imigrantes de países do Leste da Europa, houve também vários imigrantes de origem africana que beneficiaram deste processo de reconhecimento de qualificações. No total beneficiaram deste processo 152 imigrantes (V. Valle et al 2008 e também Baganha e Ribeiro 2007).

Quanto à primeira, preocupa-se principalmente com a evolução salarial ao longo do ciclo de vida dos imigrantes, utilizando como referência comparativa os níveis salariais dos trabalhadores nacionais equivalentes. Deste modo, esta perspectiva de mobilidade corresponde a uma preocupação com a questão da integração dos imigrantes nos mercados de trabalho de destino. Esta linha de investigação teve a sua origem no modelo desenvolvido por Chiswick em 1978, desde então aperfeiçoado e alargado por outros autores (por exemplo Borjas 1985; Bell 1997 ou Bloom et al 1995). Neste tipo de modelo parte-se da desvantagem salarial inicial frequentemente apresentada pelos imigrantes e investiga-se o tempo que decorre até à equiparação com o nível salarial de trabalhadores nacionais. Simultaneamente, procura-se apurar quais os factores que influenciam a evolução salarial registada pelos trabalhadores imigrantes ao longo do tempo (quer os factores que potenciam a equiparação salarial, quer aqueles que impedem a sua concretização).

A análise realizada por Chiswick indica que apesar de os imigrantes inicialmente ganharem menos do que os seus pares norte-americanos, a sua progressão salarial ocorre a um ritmo mais rápido do que a que se verifica para os trabalhadores nacionais equivalentes. Consequentemente, após um período de 10 a 15 anos, os salários dos imigrantes em análise equiparam-se, e a seguir ultrapassam, os dos trabalhadores nacionais equivalentes. A base do modelo de Chiswick é a análise da influência do país de origem, do tempo de permanência no país de destino e da nacionalidade nas diferenças salariais existentes entre autóctones norte-americanos (nascidos nos EUA) e imigrantes brancos (nascidos no estrangeiro)28. Para este autor, existem factores, tanto do lado da oferta como da procura de trabalho, que potenciam a obtenção de melhores salários, como por exemplo um melhor nível de habilitações, e outros que têm um efeito

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O próprio autor explica que, nos EUA, em 1970, 91% dos imigrantes (nascidos no estrangeiro) eram brancos. O autor analisa as diferenças de rendimento entre imigrantes (nascidos no estrangeiro) e autóctones (nascidos no país) e também entre os diversos grupos de imigrantes, comparados com base no país de origem, tempo de permanência nos Estados Unidos e cidadania. Os rendimentos dos imigrantes são inferiores aos dos nacionais no início da sua estadia, mas eventualmente acabam por igualá-los (segundo o autor, após 13 anos de permanência) e, a seguir, por ultrapassá-los. Os factores analisados enquanto explicativos de possíveis diferenças, incluem: anos de escolaridade, experiência profissional, e o tempo de permanência nos Estados Unidos (que o autor considera uma variável determinante para a progressão porque, com o tempo, os imigrantes adquirem competências específicas do país de destino que contribuem para aumentar o seu rendimento). Uma vez que os rendimentos dos imigrantes superam os dos nacionais após 20 anos de permanência no país, o autor aponta ainda a importância de factores como uma maior motivação e ‘ability’ (habilidade) dos imigrantes para explicar o seu sucesso. Só no caso dos imigrantes mexicanos se verificam níveis salariais consistentemente inferiores.

negativo nos salários auferidos, como a falta de competências linguísticas adaptadas ao país de destino. Os imigrantes têm uma probabilidade mais alta de reunirem, na fase inicial, mais factores que influenciam negativamente o nível salarial do que os autóctones. Esta perspectiva enquadra-se num modelo de integração de pendor assimilacionista, indicando que com a ‘aculturação’ e adaptação ao país que recebe o imigrante, este terá um salário progressivamente melhor. O tempo de permanência no país de destino assume-se assim como o factor chave da progressão laboral dos trabalhadores imigrantes e da sua consequente integração. Esta abordagem atribui assim a progressão dos trabalhadores imigrantes sobretudo à sua assimilação29 à cultura do país de destino. Adicionalmente, durante a sua permanência no país de destino, os imigrantes tendem a investir em formações30 que favorecem também a sua progressão no mercado de trabalho (Chiswick 1978: 918). Esta formulação inicial ignora potenciais barreiras que possam impedir esta progressão, tal como a discriminação existente no mercado de trabalho, que veremos em maior detalhe mais à frente.

Por sua vez, Bloom et al (1995) apuram, no caso canadiano, que, se para os imigrantes chegados até 1965 a assimilação no mercado de trabalho (entendida como a paridade salarial) ocorria ao fim de 15 anos, o mesmo não se tem verificado para as vagas de imigração mais recentes. Para os imigrantes chegados após 1970, a assimilação encontra-se mais dificultada, indicando os autores que a assimilação completa estará inclusivamente fora do seu alcance. A assimilação parece ser particularmente difícil para homens de origem asiática, africana e latino-americana, comparativamente com imigrantes oriundos da Europa e Estados Unidos. Neste caso, os autores identificam as potenciais barreiras ao processo de assimilação verificado para imigrantes de vagas anteriores; do lado da oferta: 1) a diminuição da ‘qualidade’ dos imigrantes31, devido a mudanças nas políticas de imigração (no sentido do favorecimento da imigração por via da reunificação familiar e da protecção humanitária); do lado da procura: 2) um aumento da discriminação decorrente do aumento de imigrantes ‘mais visíveis’ devido

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Entende-se assimilação como um processo unidireccional de aproximação progressiva do imigrante ao contexto sócio-cultural de referência da sociedade de destino, tal como foi conceptualizada após a Segunda Guerra Mundial por Warner e Srole, no seu ‘The Social Systems of American Ethnic Groups’ (Lindo 2005: 8; Rumbaut 1997: 925). Na formulação inicial de Park e seus colaboradores (Park 1930), a assimilação era vista como um processo centrado nos indivíduos, implicando adaptações de ambas as partes, que reconfigurassem através da sua negociação novos pontos de equilíbrio baseados na solidariedade cultural, não na homogeneização (Lindo 2005:8).

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‘postschool training’. 31

ao seu fenótipo e 3) menor capacidade de absorção de imigrantes não qualificados por parte do mercado de trabalho.

Também Borjas (1985) aponta que, no caso dos Estados Unidos, os imigrantes de vagas de imigração mais recentes têm encontrado maiores dificuldades em obter a paridade salarial com os seus congéneres norte-americanos. O autor enfatiza, por um lado, a necessidade de se realizarem análises longitudinais, que tenham em conta as diferenças existentes nas sucessivas vagas de imigração, e, por outro, a inclusão do devido enquadramento institucional, que altera não só o ‘tipo’ ou a ‘qualidade’ dos imigrantes que o país recebe em cada momento como as características da procura e da oferta de trabalho ao longo do tempo. Nas suas palavras: “…the results of the cohort analysis make it clear that an understanding of the immigrant experience in the United States cannot be obtained in a vacuum, free of an institutional framework. The immigration experience cannot be understood without the introduction into the model of the parameters of admission policies, the recurring political and economic upheavals in the sending countries and the shifts in labor demand for native and foreign-born labor.” (Borjas 1985: 485).

Quanto à segunda abordagem, de inspiração sociológica, ocupa-se sobretudo das questões de mobilidade ocupacional ao longo do tempo e, também, entre gerações (Heath 2001a: 11). Nesta perspectiva, a comparação de referência não é a mobilidade ocupacional de trabalhadores nacionais equivalentes (numa perspectiva semelhante à que é adoptada nos estudos que se ocupam da progressão salarial), mas o ponto ocupacional de partida, no país de origem. Esta abordagem pressupõe o conhecimento de uma hierarquia entre ocupações, objectiva e sistematizada, que depende, não das perspectivas subjectivas de cada indivíduo sobre o que representa, para si, um processo de mobilidade ocupacional, mas das quantificações de prestígio, medidas com base no rendimento e no nível educacional associados a cada ocupação (esta questão será retomada mais à frente) (Blau e Duncan 1994; Ganzeboom et al 1992).

As duas abordagens – salarial e ocupacional – poderão considerar-se de alguma forma equivalentes, uma vez que salários mais baixos corresponderão a ocupações de mais baixo estatuto. Contudo, a preocupação com a evolução ocupacional permite evidenciar alguns aspectos de carácter mais qualitativo, relacionado com o tipo de trabalho que os

imigrantes desenvolvem e o estatuto social que lhe está associado, que uma análise com base nos salários não permite revelar. Vários autores referem, aliás, a importância de uma análise qualitativa das posições laborais. Piore (1979: 8), por exemplo, indica que: “… One can better understand migration by ignoring income differences and recognising instead that people are rooted in a social context in ways that other commodities are not; migrant behaviour can be better understood in terms of the specific attributes of the jobs available to migrants and the meanings attached to those attributes in the social context in which the work is performed.” Nickell (1982: 43 in Chiswick et al 2003: 47), pese embora a restrição ao caso masculino e uma tendência de estigmatização de base laboral, refere que “… to know a man’s occupation is to know a great deal about him. It provides information about his health, his use of language, his taste in food, clothes and cars, his general well-being and his position in society.” Adicionalmente, esta perspectiva enfatiza sobretudo os efeitos da migração na trajectória socioprofissional do imigrante, em vez de se centrar no processo de aproximação aos trabalhadores nacionais do mercado de trabalho de destino (que constitui o enfoque da abordagem salarial).

No âmbito dos estudos sobre a mobilidade ocupacional destaca-se também um trabalho de Chiswick (Chiswick et al 2003) sobre os padrões de mobilidade ocupacional na Austrália, com base num estudo longitudinal. Este estudo conclui que os imigrantes atravessam uma trajectória ocupacional em forma de U desde a partida do país de origem até 3 anos e meio após a chegada à Austrália. Esta trajectória com o formato de curva em U ocorre porque tende a verificar-se uma mobilidade ocupacional descendente quando o imigrante chega ao país de destino, tendencialmente mais acentuada para os migrantes mais qualificados (que não se inserem nas respectivas categorias profissionais), porque estes têm maior dificuldade em transferir as suas competências para o país de destino (Chiswick et al 2003: 64). Paralelamente, a descida será menos acentuada para os menos qualificados, porque as diferenças entre os níveis ocupacionais no destino e na origem tenderão a ser menores. Porém, com o tempo de estadia nesse país, e à semelhança do processo já identificado para as alterações salariais, os imigrantes vão obtendo ocupações melhores que se vão aproximando ou podem chegar mesmo a ultrapassar o nível ocupacional do país de origem.

Outros estudos realizados indiciam, igualmente, uma tendência para que ocorra um declínio no estatuto socioprofissional dos imigrantes à chegada ao mercado de trabalho de destino, sobretudo para aqueles que tinham uma ocupação na origem, e de forma mais acentuada para os que são portadores de qualificações e experiência profissional. A grande ênfase destes estudos tem sido colocada na averiguação do tempo de recuperação e nos factores que influenciam a ocorrência de mobilidade ascendente nos períodos subsequentes (McAllister 1995; Kochhar (2005), ou em identificar as causas de uma ausência ou de um ritmo lento na progressão ocupacional (Kochhar 2005).

Em Portugal, um estudo realizado por Carneiro et al (2006), inspirado no trabalho de Chiswick et al (2003), chega à conclusão de que também no espaço português existiu uma tendência para se verificar o mesmo tipo de trajectória em U para os trabalhadores imigrantes, verificando-se uma mobilidade ocupacional descendente à chegada ao país e indícios de recuperação nos períodos subsequentes. No entanto, a dimensão temporal abrangida por esta pesquisa (2000-2002) não permitiu identificar mais do que o início de uma trajectória de recuperação32.

A segunda dimensão na abordagem da mobilidade consiste em avaliar não a mobilidade ao longo do ciclo de vida dos imigrantes que chegam a um determinado mercado de trabalho, mas as diferenças ocupacionais e a vulnerabilidade ao desemprego que se verificam entre os imigrantes e os seus descendentes. Pretende-se, no fundo, avaliar se os descendentes, que na maior parte dos casos formam o seu capital humano já na sociedade de destino, por via da educação ou das primeiras experiências profissionais, experimentam algumas vantagens comparativamente com os pais, cujo capital humano os distancia mais da sociedade de destino. No contexto britânico, Heath (2001b: 3; 12) revela que o nível de escolaridade dos descendentes de imigrantes tende a ser superior ao dos seus pais; contudo, apesar de terem registado uma progressão ao nível das ocupações, continuam a manter uma posição de maior vulnerabilidade face ao desemprego, comparativamente com os seus pares britânicos.

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Anteriormente, a questão da mobilidade – socioprofissional ao longo do ciclo de vida e entre gerações – associada a processos de migração interna e internacional tinha sido já abordada por Fonseca (1990), mas para o caso dos portugueses.

No contexto português, Machado (2008) encontra vários exemplos de uma mobilidade ocupacional ascendente dos filhos de imigrantes, envolvendo sobretudo uma passagem para o sector terciário, à qual não será alheio o processo de tercearização crescente da actividade económica. Nas suas palavras: “ (…) Numa leitura agregada, podemos dizer que o perfil dos descendentes de imigrantes é um perfil terciário de execução, ao passo que o da geração anterior é um perfil proletário, no sentido mais literal (construção civil) ou mais abrangente (também limpezas e similares) do termo.” (Machado 2008: 129).

1.3. Contributos teóricos para explicação da posição e das trajectórias de