• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – OS IMIGRANTES E O MERCADO DE TRABALHO:

1.1. A posição dos trabalhadores imigrantes nos mercados de trabalho

A abordagem da posição dos imigrantes no mercado de trabalho, geralmente enquanto colectivos nacionais ou regionais, corresponde sobretudo a uma caracterização estática, que pretende perceber de que forma os trabalhadores imigrantes estão inseridos nas estruturas produtivas dos países de destino. Habitualmente, esta caracterização assenta nos principais indicadores relativos ao mercado de trabalho: taxa de actividade20, taxa de desemprego21 e taxa de emprego22, sectores em que se encontram a trabalhar, distribuição ocupacional, situação na profissão (por conta de outrem, por conta própria, empregadores), nível de formalização das relações laborais (a entrada dos trabalhadores imigrantes na economia informal dos países de destino é um dos temas mais

20

Taxa de actividade: percentagem da população activa na população total; sendo a população activa correspondente ao conjunto de indivíduos com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, constituíam a mão-de-obra disponível para a produção de bens e serviços que entram no circuito económico (empregados e desempregados) (definição do INE).

21

Percentagem da população activa desempregada. 22

amplamente debatidos relativamente à inserção laboral dos trabalhadores imigrantes – ver, por exemplo, Baganha 1996, Mingione 1999 ou Jandl et al 2009), nível salarial médio e desigualdade salarial. Menos mencionados, mas também importantes, são os indicadores das restantes condições de trabalho: ritmo (número médio de horas de trabalho por semana e/ou dia de trabalho) e regime de trabalho (part-time ou tempo completo), carga laboral (correspondente à acumulação de mais do que um trabalho em simultâneo), estabilidade laboral (correspondente ao número de trocas de trabalho durante um certo período de tempo), empregador (permite distinguir entre subempreiteiros individuais e pequenas e grandes empresas no caso da construção, por exemplo) e local de trabalho (próximo ou afastado da área de residência, por exemplo).

Os indicadores da situação laboral podem ser também transpostos para análises de estudos de caso individuais, mais particularistas e aprofundados do que a visão extensiva, nacional ou regional, permite. É igualmente importante, e frequente, a comparação destes indicadores entre nacionalidades ou origens, incluindo os trabalhadores autóctones (tentativas de uma caracterização deste tipo encontram-se por exemplo no relatório EUMC23 sobre imigrantes e minorias étnicas no mercado de trabalho – EUMC 2003).

Estudos realizados em vários países europeus, na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos indicam a existência de desvantagens generalizadas no mercado de trabalho para os trabalhadores imigrantes e minorias étnicas (Bevelander e Veenman 2004; EUMC 2003; Kogan 2002; Kochhar 2005; McAllister 1995; OCDE 2007b; Rydgren 2004; Heath 2001b; Grodsky e Pager 2001, Kalter e Granato 2002, Münz e Straubhaar 2008, entre outros), que correspondem sobretudo ao tipo de incorporação no mercado secundário24, identificado por Portes e Borocz (1989). Estas desvantagens incluem: maior vulnerabilidade ao desemprego, traduzida em taxas de desemprego mais altas para os imigrantes do que para os trabalhadores nacionais; salários mais baixos; concentração nas ocupações menos qualificadas e em sectores de actividade de baixo estatuto; menor capacidade de progressão profissional e, em alguns casos, taxas de actividade mais baixas, comparativamente com os trabalhadores nacionais (referidas, por exemplo, no relatório do EUMC de 2005 para Bélgica, Dinamarca, Alemanha,

23

EUMC – European Union Monitoring Centre on Racism and Xenophobia. 24

Finlândia, Estónia e Letónia, Rydgren 2004 para a Suécia, Heath 2001b sobre o contexto britânico, entre outros).

Estes padrões de inserção não são alheios à forte presença de trabalhadores não qualificados no conjunto dos fluxos migratórios para países desenvolvidos. Num relatório de 2007 (OCDE 2007b: 4), uma equipa da OCDE reconhece que uma parte importante dos imigrantes, sobretudo das vagas mais recentes, é não qualificada, e que esta tem tendência para aumentar, principalmente nos países do sul da Europa, na Alemanha, em França, no Reino Unido e nos Estados Unidos, onde a diminuição da ‘qualidade’ dos imigrantes tem sido alvo de intenso debate (v. por exemplo Portes e Rumbaut 1990). Porém, como veremos, o baixo capital humano de uma parte importante dos imigrantes não constitui a única explicação para os padrões de incorporação laboral identificados.

As desvantagens encontradas, constituindo uma tendência geral, não são, contudo, extensíveis a imigrantes de todas as origens. Por exemplo, no contexto britânico, o relatório da Strategy Unit do Cabinet Office (2003) sobre minorias étnicas e o mercado de trabalho indica que: “… there are wide variations in the labour market achievements of different ethnic minority groups.” O relatório realça o desempenho positivo de imigrantes indianos e chineses, que contrasta, por sua vez, com a posição laboral pouco favorável (salários mais baixos e maiores taxas de desemprego) de imigrantes paquistaneses, bengalis e afro-caribenhos25. No contexto norte-americano, um outro estudo (Kochhar 2005: 2/3) indica que, em 2000, apenas 16 por cento dos imigrantes latinos tinha ocupações profissionais, contra 42 por cento dos imigrantes asiáticos. Por sua vez, os cubanos aproximavam-se mais do perfil ocupacional dos imigrantes asiáticos (30 por cento em ocupações profissionais) do que do dos restantes latinos.

Na sua tipificação dos modos de incorporação dos trabalhadores imigrantes nas sociedades de destino, Portes e Borocz (1989) realçam precisamente a heterogeneidade que existe nestes processos. Mas os autores reconhecem, também, que a incorporação no mercado secundário constitui o tipo mais provável para imigrantes pouco qualificados em contextos desvantajosos, sendo o mais comum nas sociedades

25

ocidentais. Neste segmento, os trabalhadores são geralmente recrutados com base na sua pertença étnica, frequentemente associada a um estatuto legal débil, e não devido às suas qualificações. Os autores ilustram este tipo de incorporação com o caso dos dominicanos e mexicanos26 nos Estados Unidos, acrescentando ainda que os membros da classe trabalhadora raramente encontram contextos de recepção favoráveis, que lhes permitam uma mobilidade ascendente.

Contudo, esta tendência de incorporação poderá estar em transformação em alguns países devido ao peso, cada vez maior, de trabalhadores imigrantes altamente qualificados. No relatório da OCDE já referido (OCDE 2007b), os autores indicam que, em paralelo com o importante peso dos imigrantes não qualificados, também os imigrantes altamente qualificados têm vindo a ganhar importância, sendo correcto afirmar que existe uma sobrerepresentação de ambos, altamente qualificados e não qualificados (OCDE 2007b: 7). Esta evidência corresponde aliás à teoria da polarização proposta por Sassen (1991). Para esta autora, as ‘cidades globais’ necessitam tanto de trabalhadores altamente qualificados – cuja entrada tem sido encorajada pelas políticas de imigração – como de não qualificados – cuja entrada tem encontrado mais barreiras políticas. Estes trabalhadores profissionais, quer migrem no âmbito de políticas de recursos humanos de empresas multinacionais, quer a título independente, tendem a inserir-se nos mercados de trabalho de destino nos seus segmentos profissionais, sendo, por este motivo, expectável uma melhoria do panorama geral da posição dos imigrantes nos mercados de trabalho de destino.

No caso português, estudos realizados apontam ainda para um padrão de inserção dos trabalhadores imigrantes marcadamente no segmento secundário do mercado de trabalho (Baganha et al 1999; Peixoto 2002; Pena Pires 2006) – apesar de Portugal receber também imigração qualificada, sobretudo da UE e do Brasil, que se insere no país nas correspondentes categorias profissionais, mas que constitui ainda uma minoria (ver por exemplo Góis e Marques 2008). Pena Pires (2006) refere, por exemplo, que as novas vagas de imigração (do Brasil e do Leste da Europa) vieram reforçar os

26

No caso dos mexicanos a sua associação, por parte dos empregadores, a trabalhos de baixo estatuto e baixos salários prejudica as possibilidades de progressão dos membros da classe trabalhadora desta comunidade. Os mexicanos tendem, por isso, a receber salários significativamente mais baixos do que outros trabalhadores com dotações de capital humano semelhantes (Portes e Borocz 1989).

segmentos secundários do mercado de trabalho, caracterizados por maior precariedade e irregularidade laboral (sobretudo no sector da construção), informalidade da relação de trabalho (sobretudo na construção e limpezas) e, em geral, horários de trabalho prolongados, baixas remunerações (sobretudo no caso das limpezas) e baixo estatuto. Em 2007, um estudo caracterizador da integração dos imigrantes no mercado de trabalho em Portugal confirmou este padrão de inserção laboral, acrescentando ainda que os imigrantes originários dos PALOP, em particular os nacionais de Cabo Verde, deverão merecer uma atenção especial por revelarem uma posição de maior fragilidade no mercado de trabalho face aos restantes imigrantes, ao nível do desemprego, dos salários auferidos e das qualificações (OCDE 2007).

Apesar de não ser habitualmente referido em estudos de carácter generalista (mais preocupados com diferenças entre nacionalidades ou ‘grupos étnicos’), em vários contextos, e também em Portugal, verificam-se importantes diferenças de género nas formas de inserção laboral dos imigrantes, que correspondem também a uma modalidade de segmentação do mercado de trabalho. As mulheres dirigem-se sobretudo para sectores marcadamente femininos, como as limpezas ou o trabalho doméstico, e os homens maioritariamente para a construção civil. As diferenças nas respectivas condições de trabalho, que resultam das características prevalecentes no sector respectivo, são frequentemente ignoradas quando se fala genericamente de ‘modos de incorporação nos segmentos secundários’, mas têm implicações importantes para a sua posição laboral e possibilidades de evolução no mercado de trabalho (ver, por exemplo, Pereira 2008).

À semelhança do que acontece noutros países, também em Portugal se verifica a existência de diferenças importantes nos níveis de escolaridade e qualificação profissional dos imigrantes – mesmo entre os que são originários dos PALOP (Baganha et al 1999: 152; Machado 1997: 18-24) – que se acentuou com a entrada de imigrantes do Leste da Europa, portadores de um nível de qualificações médio globalmente superior (OCDE 2007). Contudo, esta heterogeneidade de perfis não se traduziu, de um modo geral, em padrões de inserção laboral diferenciados27, como veremos no capítulo

27

Contudo, com o passar do tempo, o reconhecimento social das competências e experiências profissionais destes imigrantes desencadeou um apoio institucional que possibilitou o acesso ao reconhecimento de qualificações de imigrantes na área da saúde. Este processo constituiu uma via para

2. A verificação de algum desajustamento entre o capital humano dos imigrantes e as suas modalidades de inserção laboral conduziu, pelo contrário, à menção da questão da sobrequalificação dos imigrantes face às tarefas desempenhadas num relatório recente sobre a integração dos imigrantes no mercado de trabalho em Portugal (OCDE 2007: 27-30).

O caso português reflecte, assim, aquilo que têm sido as dinâmicas migratórias recentes dos países do sul da Europa – comummente designados ‘novos países de imigração’ (OCDE 2007b). Efectivamente, também uma parte importante dos fluxos de imigrantes que se dirigem a Espanha, Itália e Grécia tem sido constituída por indivíduos pouco qualificados, que se inserem nos segmentos mais desfavoráveis do mercado de trabalho, incluindo a economia informal (ver, por exemplo, OCDE 2007b; Hatziprokopiou 2006; Ambrosini 1997 ou Cachón 2007).

Seguidamente, é importante perceber as alterações salariais e ocupacionais que ocorrem, ou não, ao longo do tempo, isto é, adoptar uma perspectiva dinâmica na análise migrações, ao longo do ciclo de vida activa dos imigrantes e entre gerações, com destaque para os processos desencadeados após a chegada ao país de destino.