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A moderna teoria da responsabilidade civil

Ante o delineado nos itens precedentes, pode-se constatar o significativo avanço por que passou a teoria responsabilidade civil através dos tempos. Sendo assim, alguns doutrinadores, a exemplo de Maria Celina Bodin de Moraes e de Xisto Tiago de Medeiros Neto, aventam o surgimento de uma moderna teoria da responsabilidade civil, calcada no pressuposto do dano injusto, com foco voltado à proteção da vítima (em seu aspecto individual e coletivo) e que visa à reparação integral dos danos ocorridos na sociedade – com amparo nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade (art. 1º, III e art. 3º, I, da Constituição Federal).

Nessa linha de pensamento, Xisto Tiago de Medeiros Neto, ancorado em José de Aguiar Dias, acentua que:

[...] modernamente, após longa evolução e aperfeiçoamento, a teoria da responsabilidade civil terminou por assentar o seu fundamento na preocupação primacial com o dano injusto efetivado à parte lesada (a pessoa física, a pessoa jurídica ou uma coletividade) e na sua plena reparação, reconhecendo-se que a lesão projeta efeitos para além dos interesses jurídicos ofendidos, atingindo, em última instância, o próprio equilíbrio social. Dessa maneira, o aspecto da configuração da culpa do agente como pressuposto para a responsabilização restou mitigado e secundarizado94.

Nesse sentir, Orlando Gomes, há mais de duas décadas, qualificava como “a mais interessante mudança”95-96 na teoria da responsabilidade civil “o giro conceitual

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MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 40.

93

GARCEZ NETO, Martinho apud CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. p.52.

94

MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 29.

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GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em

do ato ilícito para o dano injusto”97, que pode ser entendido, nas palavras de Tucci, como “a alteração in concreto de qualquer bem jurídico do qual o sujeito é titular”98. Pontifica Orlando Gomes que “o aumento do número de danos ressarcíveis em virtude desse giro conceitual do ato ilícito para o dano injusto, segundo o qual, [...] a ressarcibilidade estende-se à lesão de todo bem jurídico protegido, dilata a esfera da responsabilidade civil e espicha o manto da sua incidência”99. Dessa maneira, substitui-se “a noção de ato ilícito pela de dano injusto, mais ampla e mais social”100.

Em linha de pensamento análoga, esclarece Maria Celina Bodin de Moraes que:

O Direito Civil clássico focalizava a conduta do agente ofensor, donde, se não havia culpa em sua atuação, não cabia imputar-lhe qualquer responsabilidade. O Direito Civil atual inverteu o polo e concentra-se na pessoa da vítima, considerando que, se alguém sofreu um dano imerecido, faz jus, em princípio, à indenização. Houve, portanto [...] a inversão do fundamento geral de

responsabilidade, que hoje tem por princípio geral a ideia de que “a

vítima não deve ficar irressarcida”, em lugar da máxima que vigia anteriormente na matriz liberal, isto é, “nenhuma responsabilidade sem culpa”101.

Isso significa dizer que, hodiernamente, o núcleo para o qual convergem todas as forças da responsabilidade civil consiste na proteção da vítima. Mas não apenas a vítima isoladamente considerada, e sim todo o grupo, a classe ou a coletividade que podem ser atingidos pelos danos injustos perpetrados em larga escala. Desta feita, voltam-se os olhares da responsabilidade civil à proteção de

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Orlando Gomes pontua, ainda, que: “dentre as tendências renovadoras [da responsabilidade civil], salientam-se a que induz à mudança da justificação da obrigação de indenizar, o alargamento da

noção de dano, a aceitação ampla do dano moral e a tutela aquiliana do crédito. Todas as

transformações e propensões que acabam de ser enumeradas resultam de causas diversas, que as explicam pela mudança das condições de vida na corrente metade do século em curso, propícias à

multiplicação dos danos, à criação pela indústria de novos riscos, à ocorrência de ‘danos anônimos e inevitáveis’ e à proliferação de atividades perigosas”. GOMES, Orlando. Tendências modernas na

teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 294. Destacou-se.

97

GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em

homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 293. Destaques no original.

98

TUCCI apud GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In:

Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 295.

99

GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em

homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 296. Destaques no original.

100

GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil. In: Estudos em

homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 295. Destaques no original.

101

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 131. Destacou-se.

interesses e direitos de dimensões transindividuais. Tal ocorre porque atualmente a responsabilidade civil possui novo propósito, vez que “deslocou-se o seu eixo da obrigação do ofensor de responder por suas culpas para o direito da vítima de ter reparadas as suas perdas. Assim, o foco, antes posto na figura do ofensor, em especial na comprovação de sua falta, direcionou-se à pessoa da vítima [...]”102. Ou, no que tange aos direitos transindividuais, passou esse foco a iluminar a coletividade, que não pode mais ter seus direitos violados sem a devida compensação.

Nessa esteira, consoante assevera Xisto Tiago de Medeiros Neto, a teoria da responsabilidade civil passa por uma verdadeira revolução, em face de três aspectos fundamentais, a saber:

(I) a ampliação dos danos suscetíveis de reparação, traduzida na extensão da obrigação de indenizar os danos extrapatrimoniais e na tutela dos danos transindividuais; (II) a objetivação da responsabilidade, consistente no progressivo afastamento do elemento da culpa, como pressuposto do dever de reparar o dano; e (III) a coletivização da responsabilidade103.

Por fim, face ao desenvolvimento da responsabilidade civil “posta-se como incontestável a assertiva de que o homem, como ser social, está permanentemente a exigir do Direito privado, no campo da responsabilidade civil, respostas vivas, que traduzem adequação e eficácia”104 – seja no âmbito individual ou na esfera coletiva. Com amparo nessa nova responsabilidade civil – que evolve para o fundamento objetivo e abarca o conceito de dano injusto – sedimentam-se as bases do dano moral coletivo – restando assentado, desde logo, que o dano moral coletivo tem como fundamento jurídico a responsabilidade civil objetiva, ancorada na teoria do risco.