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A coletividade como sujeito de direitos

À partida, antes de ser analisada a conceituação do dano moral coletivo, afigura-se necessário demonstrar a possibilidade jurídica de a coletividade abstratamente considerada ser compreendida como sujeito de direitos, destinatária, portanto, de proteção legal. Anote-se que será empregada, aqui, a acepção ampla de coletividade, compreendida em todas as suas variantes como classes, grupos ou categorias de pessoas337.

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Nesse sentido, Xisto Tiago de Medeiros Neto in: MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral

coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 57.

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MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 56.

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MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 57.

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MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 57.

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MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 170.

O Código Civil de 2002, lei geral de regência das relações privadas, enumera em seus arts. 40 a 44338 as pessoas jurídicas de direito público e privado. A partir da leitura desses dispositivos, resta evidente que a lei não elenca a coletividade como sujeito de direito, apontando a pessoa jurídica como o único ente abstrato ou ficcional merecedor de proteção legal.

Por outro lado, a legislação específica, refletida inicialmente na Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), reporta-se à coletividade como sujeito merecedor de tutela jurídica – ainda que de forma indireta. Tal inferência pode ser realizada porque o patrimônio público pertence a todos os membros da comunidade e a norma em comento versa, especificamente, sobre a tutela do patrimônio público consubstanciado em bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico339.

De maneira mais explícita, o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e a Lei Antitruste (Lei n. 12.529/11) reconhecem a coletividade como sujeito de direitos, nos seguintes termos: “Art. 2° - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”340 e “Art. 1o Esta Lei estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos

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Os artigos 40 a 44 do Código Civil estabelecem o seguinte: “Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de direito privado. Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; V - as demais entidades de caráter público criadas por lei [...]. Art. 42. São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações; IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos; VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada [...]”.

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O artigo 1º da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) estatui o seguinte: “Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. § 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico [...]”.

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ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico. Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”341.

Nesse sentir, pode-se compreender a coletividade como “um conglomerado de pessoas que vivem num determinado território, unidas por fatores comuns”342 ou, ainda, como “uma sociedade localizada no espaço, cujos membros cooperam entre si (com divisão de trabalho), seja utilitaristicamente (para obter melhores, mais eficientes resultados práticos, reais), seja eticamente (tendo em vista valores humanos – familiais, sociais, jurídicos, religiosos etc.)”343. Anota Carlos Alberto Bittar Filho, que a partir dessas definições “exsurgem os fios mais importantes na composição do tecido da coletividade: os valores. Resultam eles, em última instância, da amplificação, por assim dizer, dos valores dos indivíduos componentes da coletividade”344.

Prossegue o mencionado autor asseverando que:

Assim como cada indivíduo tem sua carga de valores, também a comunidade, por ser um conjunto de indivíduos, tem uma dimensão ética. Mas é essencial que se assevere que a citada amplificação

desatrela os valores coletivos das pessoas integrantes da comunidade quando individualmente consideradas. Os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. Trata-se, destarte, de valores do

corpo, valores esses que não se confundem com os de cada pessoa, de cada célula, de cada elemento da coletividade345.

No mesmo sentido, Arion Sayão Romita pontua que “uma coletividade, como tal considerada (abstraindo-se a pessoa dos indivíduos que a integram), pode ser atingida pelos efeitos de um ato ilícito, causador de dano moral. Daí a noção de dano moral coletivo. Não só os indivíduos têm direitos: os grupos também os

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Lei Antitruste (Lei n. 12.529/11), art. 1º. Destacou-se.

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MIOTTO, Armida Bergamini apud BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 12, p. 44-62, out./dez. 1994. p. 50.

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BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro.

Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 12, p. 44-62, out./dez. 1994. p. 50.

344

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro.

Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 12, p. 44-62, out./dez. 1994. p. 50. Destaques no

original.

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BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro.

têm”346. Sendo assim, resta evidente que o conceito de coletividade não se confunde com a pessoa dos indivíduos que a integram, sendo, pois, um ente, uma entidade, um organismo distinto, que pode ter seus direitos imateriais violados e figurar como sujeito passivo de dano moral coletivo.

Outrossim, Carlos Alberto Bittar destaca que no sistema civilista tradicional postavam-se como titulares de direitos apenas os entes personalizados, públicos ou privados, individualmente considerados347. Todavia, com a “evolução operada, na linha da coletivização da defesa de interesses, entes não personalizados e grupos ou classes ou categorias de pessoas indeterminadas passaram também a figurar como titulares do direito à reparação civil, inclusive a sociedade, ou certas coletividades como um todo”348. Com efeito, na compreensão contemporânea de coletividade opera-se uma abstração dos indivíduos que a compõe349, razão pela qual se torna possível entender como o dano moral coletivo desvincula-se da figura dos indivíduos isoladamente considerados.

Por fim, perfilhamos entendimento idêntico ao de Xisto Tiago de Medeiros Neto ao afirmar que:

Evidencia-se a certeza de que a coletividade, em qualquer de suas expressões, é titular de interesses e direitos de natureza extrapatrimonial – reconhecidos e amparados pelo sistema jurídico –, e que são passíveis de defesa pelos instrumentos processuais adequados à tutela jurisdicional peculiar a essa seara coletiva [...]”350.

Estabelecido, pois, que a coletividade pode ser considerada como sujeito de direitos351 – seja de forma indireta como vislumbra-se na Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65) ou de forma direta nos termos do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) e da Lei Antitruste (Lei n. 12.529/11) – passa-se à analisar a evolução das

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ROMITA, Arion Sayão. Dano Moral Coletivo. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 73, n. 2, p. 79-87, abr./jun. 2007. p. 81.

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BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. Atual. de Eduardo Carlos Bianca Bittar. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 151.

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BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. Atual. de Eduardo Carlos Bianca Bittar. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 151.

349

ROMITA, Arion Sayão. Dano Moral Coletivo. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 73, n. 2, p. 79-87, abr./jun. 2007. p. 81.

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MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 177.

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Posicionamento sufragado pelo Tribunal Superior do Trabalho ao referir que: “esta Corte Superior já pacificou entendimento no sentido de que a coletividade detém interesses de natureza

extrapatrimonial, que violados, geram direito à indenização”. Excerto retirado da ementa do Recurso

de Revista n. 98300-57.2006.5.12.0024, da 7ª Turma, relatado pela Ministra Maria Doralice Novaes e publicado no Diário da Justiça no dia 27/08/2010. Destacou-se.

normas jurídicas que deram ensejo a essa mudança de paradigma nos meandros da responsabilidade civil.