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Interesse público e interesse privado

A fim de delimitar a qual ramo jurídico os direitos trasindividuais pertencem, passamos a realizar breve delineamento a respeito dos interesses público e privado, bem como dos direitos público e privado, enfocando a interrelação que apresentam quando em contraste com os interesses metaindividuais.

categorias ou às partes em conflito”. Em resumo, o dissídio coletivo pode ser de interesses ou de

direito. In: SANTOS, Ronaldo Lima dos. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça, jurisdição

coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2012. p. 324. Destacou-se.

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WATANABE, Kazuo. Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de

defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2001. p. 739. Destaques no original.

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Joselita Nepomuceno Borba pontifica que: “a Constituição brasileira, ainda que de forma indireta, assegura o direito à jurisdição para proteger ‘direitos e interesses’ lesados ou ameaçados de lesão”. Sendo que: “a tutela jurisdicional dos direitos e interesses encontra-se constitucionalizada no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988”. In: BORBA, Joselita Nepomuceno. Legitimidade

concorrente na defesa dos direitos e interesses coletivos e difusos: sindicato, associação, ministério

público, entes não sindicais. São Paulo: LTr, 2013. p. 77.

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Destacou-se.

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BORBA, Joselita Nepomuceno. Legitimidade concorrente na defesa dos direitos e interesses

coletivos e difusos: sindicato, associação, ministério público, entes não sindicais. São Paulo: LTr,

Utilizaremos como referencial teórico, neste ponto, as contribuições de Mauro Cappelletti, crítico da divisão absoluta entre interesses públicos e interesses privados. O citado autor, no ano de 1975, no artigo intitulado Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil190, sustentou a tese de que além dos dois interesses clássicos existiria uma terceira espécie de interesses, que ele designou de interesses intermediários – e que atualmente são conhecidos como interesses coletivos.

Os interesses coletivos ou transindividuais constituem inegável e relevante realidade da sociedade contemporânea. Justo referir, entretanto, que refogem à precisa definição e se furtam aos esquemas tradicionais que os juristas estão acostumados a empregar191-192. Assim, destacamos que a dificuldade de classificação desses direitos inicia-se já no tocante ao seu enquadramento como direito público ou privado, fato que determina, na processualística clássica, a legitimação para a tutela do direito193.

Consoante aponta Mauro Cappelletti, habitualmente, a questão da legitimação de agir no processo civil é resolvida com base na “simples divisão entre aquilo que é ‘público’ e aquilo que é ‘privado’, onde por público (de populus) se entende aquilo que é reservado ao povo ou ao Estado (res publica), enquanto por privado se entende aquilo que pertence à livre disponibilidade do indivíduo que dele é ‘titular’”194. Assim, de maneira geral, a partir do modelo baseado na summa divisio estabelecia-se a legitimidade de agir no processo com base no seguinte raciocínio: a) “o processo civil envolve, de regra, situações privatistas, individualistas; pois bem, parte legitimada ou justa parte será, por isso, o sujeito privado que é (ou se afirma)

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Originalmente publicado em italiano sob o título: “Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alla giustizia civile” na “Rivista di Diritto Processuale, 30:367, 1975”. A tradução em português foi realizada por Nelson Renato Palaia Ribeiro de Campos, sendo o artigo publicado na Revista de Processo n. 5, p. 128-159, jan./mar. 1977, com o título de: “Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil”.

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de

Processo, São Paulo, n. 5, p. 128-159, jan./mar. 1977. p. 132.

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Reforçando a ideia de dificuldade de enquadramento dos direitos transindividuais nos ramos clássicos, público e privado, cumpre salientar a sugestão proferida por Arruda Alvim de nominar os direitos coletivos como “direito social”, justamente para demonstrar a dificuldade de seu enquadramento nas divisões tradicionais. Pontifica o citado autor que “a esta área ou província do direito, que não é propriamente direito público nem privado, pode-se designar como direito social”. ALVIM, Arruda apud BESSA, Leonardo Roscoe. Dano moral coletivo. Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, n. 59, p. 78-108, jul./set. 2006. p. 80.

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Retomando, assim, a problemática do conceito clássico de direito subjetivo, delineada no item 2.1 desse capítulo.

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de

titular (ou legítimo representante do titular) da situação jurídica deduzida em juízo”195; b) por outro lado, o processo penal compreende o interesse público (do Estado), o que legitima a agir uma parte pública, representante dos interesses estatais, normalmente personificada na figura do Ministério Público196.

Com base nesse quadro, quedava-se a descoberto a legitimação dos direitos transindividuais – na medida em que não são nem puramente públicos, nem privados. Por essa razão, esclarece Mauro Cappelletti que “a summa divisio aparece irreparavelmente superada diante da realidade social de nossa época, que é infinitamente mais complexa, mais articulada, mais ‘sofisticada’ do que aquela simplista dicotomia tradicional”197. O Direito contemporâneo evoca “prepotentemente ao palco novos interesses ‘difusos’, novos direitos e deveres que, sem serem públicos no senso tradicional da palavra, são, no entanto, coletivos: desses ninguém é ‘titular’, ao mesmo tempo que todos os membros de um dado grupo, classe, ou categoria, deles são titulares”198.

Na mesma esteira, refere Rodolfo de Camargo Mancuso que, com a ascensão do coletivo “essa nova ‘ordem coletiva’ emergente aparece como o tertium genus de todo o processo sociopolítico, porque representa o ponto médio entre o Estado e o indivíduo: menos do que aquele; mais do que este”199. O citado autor indaga e responde, ainda, a seguinte pergunta – “público, privado... tertium non datur? Sim, há um tertium, representado pelos interesses que são ‘menos’ do que o interesse público, e ‘mais’ do que os interesses privados: os interesses coletivos, aglutinados nos grupos sociais intermediários”200-201.

Ademais, acentua Eurico Ferraresi que da “tradicional distinção entre o interesse público e o interesse privado, percebeu-se a existência de situações que não se incluíam em nenhuma das duas categorias. Eram interesses que

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de

Processo, São Paulo, n. 5, p. 128-159, jan./mar. 1977. p. 132.

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de

Processo, São Paulo, n. 5, p. 128-159, jan./mar. 1977. p. 132.

197

CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de

Processo, São Paulo, n. 5, p. 128-159, jan./mar. 1977. p. 135.

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CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Revista de

Processo, São Paulo, n. 5, p. 128-159, jan./mar. 1977. p. 135.

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 41.

200

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 45.

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Perfilhando posição idêntica, citamos as lições de Ricardo dos Santos Castilhos in: CASTILHO, Ricardo dos Santos. A defesa dos interesses do consumidor: da legitimidade do Ministério Público

transbordavam a esfera individual, sem se confundir, todavia, com a esfera pública”202-203. Por sua vez, Jacques Chevallier pontifica que “à medida que a fronteira entre o ‘público’ e o ‘privado’ foi se tornando fluida, abriu-se o espaço necessário para os interesses coletivos, aglutinados nos grupos, quer dizer: os interesses coletivos terminaram por se ‘encaixar’ entre aquelas duas balizas”204.

A posição defendida pelos autores destacados acima resta sufragada, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante reportagem especial veiculada no sítio oficial da instituição, no dia 23/12/2012, com o seguinte título: “Menos que público, mais que privado: os direitos transindividuais na jurisprudência do STJ”205. Por pertinente, transcrevemos excerto da notícia em questão, a qual compila a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça relativamente aos seguintes processos – REsp n. 224.677; MS n. 5.187; REsp n. 1.010.130; REsp n. 1.264.116, REsp n. 1.002.813; Resp n. 1.243.887 e REsp n. 1.070.896, in verbis:

Os interesses transindividuais ou metaindividuais não são públicos, nem individuais ou privados, ou seja, fazem parte de uma terceira

categoria. Pertencem a grupos de pessoas ligadas por vínculos

fáticos ou jurídicos. Além disso, caracterizam-se pela transcendência sobre o indivíduo; têm natureza coletiva ampla e não se restringem a nenhum grupo, categoria ou classe206.

Nas pegadas de Mauro Cappelletti, resta, pois, assente que não há mais como sustentar a divisão absoluta entre o Direito Público e o Direito Privado, na medida em que frente à evolução do Direito e da sociedade contemporânea, esses muros incomunicáveis começaram a ruir, cedendo lugar a uma nova edificação – a construção dos interesses transindividuais, que não são nem públicos, nem

202

FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo: instrumentos processuais coletivos. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 36.

203

No mesmo sentido é o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli in: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa

dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e

outros interesses. 25. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 48 e 50.

204

CHEVALLIER, Jacques apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 49. Grifos no original.

205

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108171>. Acesso em: 10/02/2014.

206

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108171>. Acesso em: 10/02/2014. Destacou-se.

privados, mas sim pertencentes a toda uma categoria, grupo ou classe de indivíduos207.