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III – Perfil Socioeconômico Atual da Cidade

III.1 A “Moderna” Uberlândia

Para discorrer sobre o atual perfil de Uberlândia é necessário refletir sobre a afirmação, feita sobretudo pelo poder público local, de que se trata de uma cidade moderna e desenvolvida. Sua imagem como grande pólo regional é compartilhada ao menos no restante do Estado e entre os congadeiros da região. Pesquisadores de diversas áreas de estudo procuram ressaltar sua expressividade no campo econômico.

Mas não se trata aqui de questionar a posição de Uberlândia em relação às demais cidades da região. De fato, como apontam Silva e Soares (2001), Uberlândia hoje é considerada um Centro Regional. Trata-se de uma cidade média, que nos últimos anos apresentou taxas significativas de crescimento, adquirindo um papel importante na rede urbana como centro polarizador do excedente produzido na região.

Ela possui um dos maiores índices populacionais da região. Nas últimas décadas, sua população cresceu numa grande proporção, passando de 124.706 habitantes em 1970 para 501.214 em 2000. Conforme a estimativa do IBGE11, em 2006 chegou a 600.638 habitantes.

É interessante notar que o alto índice de crescimento demográfico decorre, segundo Silva e Soares (2001), muito mais do saldo migratório que do crescimento vegetativo. Este dado é importante para se analisar a Festa do Rosário, já que, como vimos anteriormente, os migrantes tiveram papel relevante na Festa realizada na cidade, introduzindo novos tipos de Ternos e inserindo as religiões afro-brasileiras.

Atualmente, a maior parte da população se concentra na zona urbana. Em 2000, havia 488.982 habitantes urbanos para 123.232 rurais. A taxa de urbanização neste ano era de 97,5%. Deste modo, se a ocupação da região e da cidade se deu através das atividades agro-pastoris, concentrando sua população na área rural, ao longo do século XX a base econômica da região e de Uberlândia se transformou e atraiu grande parte de seus habitantes para a área urbana.

Diniz e Boschi (2002) afirmam que vários foram os elementos responsáveis pela reconfiguração da economia regional, a começar pela expansão cafeeira paulista para o Oeste, que impulsionou o comércio do Triângulo e do Alto Paranaíba e favoreceu a construção de

11 Dados estimativos em 1º julho de 2006 pelo IBGE.

43 estradas de ferro – entre as quais, a Mogiana em 1889 e a Estrada de Ferro Goiás em 1910.

Isso permitiu a ampliação de laços com o núcleo urbano de São Paulo.

Outros elementos destacados pelos autores são: a construção de Goiânia como nova Capital do Estado de Goiás na década de 20; a “Marcha para Oeste”, proclamada por Getúlio Vargas em 1938; a implantação do Plano de Metas e a construção de Brasília por Juscelino Kubischek durante os anos 50 e 60; a expansão agrícola para o Centro-Oeste; e a desconcentração industrial de São Paulo.

Esses processos têm várias implicações para a região. Em primeiro lugar, Brasília transforma-se no ponto nodal do sistema Rodoviário Brasileiro e coloca as regiões do Triângulo, Alto Paranaíba e Noroeste como ponto de passagem obrigatório para o interior do território nacional. Além disso, estas regiões tornam-se centro articulador entre a nova Capital – Brasília – e o centro industrial do país – São Paulo –, permitindo o abastecimento da primeira com todos os tipos de produtos.

A expansão pecuária e agrícola do Centro-Oeste, a partir do final da década de sessenta, promoveu profunda transformação produtiva, que se convencionou chamar de

“modernização da agricultura”. De acordo com Diniz e Boschi (2002), essa mudança forneceu os elementos para a passagem da região de entreposto comercial para um entreposto agro-industrial e de serviços especializados para todo o Centro-Oeste.

Soma-se a estes fatores a desconcentração industrial da Região Metropolitana de São Paulo, levando à instalação na região de várias indústrias do complexo agro-industrial, assim como indústrias alimentícias e de processamento de bens de consumo (calçados e móveis), o que, conforme os autores, contribui para consolidar a região e, sobretudo Uberlândia, como pólo agro-industrial.

Esse processo foi acompanhado, segundo Juliano e Leme (2006), pela diversificação produtiva de Uberlândia, expressa na grande expansão do setor terciário. Assim, paralelamente à indústria, os setores de comércio e serviços também se expandiram. Em 2004, por exemplo, a participação das atividades terciárias no PIB de Uberlândia foi maior (53,85%) que a dos setores de indústria (40,97%) e de agropecuária (5,17%). Porém, segundo Silva e Soares (2001), há certo equilíbrio entre os setores industrial e de serviços. Estes dados são interessantes, na medida em que, como veremos adiante, boa parte dos congadeiros trabalha no setor de serviços.

Uberlândia também apresenta um número significativo de instituições financeiras e empresas especializadas em serviços técnicos. Para Silva e Soares (2001), a presença de

44 cursos superiores (uma universidade federal e algumas faculdades particulares) é outro fator que contribui para a relevância da cidade ao favorecer, direta e indiretamente, a atração da população de centros de menor porte. O segmento de comunicação e informação, principalmente telefonia e televisão, também colabora para manter sua posição de "Grande Cidade Média".

Antes de passar para a análise dos dados referentes ao perfil racial e religioso, farei algumas observações, conforme anunciado no começo deste tópico, sobre a construção da imagem de Uberlândia como moderna e desenvolvida. Como já afirmei, é inquestionável o papel de centro regional da cidade. Mas parece haver, por parte da elite e do poder público local, uma insistência em realçar o seu desenvolvimento e ressaltar a sua modernidade. Este movimento envolve um processo de apagamento da memória da cidade, inclusive pela destruição de símbolos físicos do seu passado. Espaços sagrados são colocados abaixo e construções profanas são erguidas no lugar. Tal foi o caso da primeira Igreja Matriz, do segundo cemitério da cidade e da Igreja do Rosário no início do século XX. Esta última foi construída três vezes, implicando a sua transferência de localização uma vez.

A fala de um membro da elite da cidade, Padre Pezzutti, parece ser ilustrativa da questão que aponto. No entendimento de Pezzutti, expresso em sua monografia de 1922, a Capela do Rosário já não condizia com a nova fase “florescente, progressista e industriosa”

que Uberlândia havia atingido na década de vinte. Na interpretação de Pezzutti, os dois únicos templos da cidade, a Igreja Matriz e a Capela do Rosário, naquele momento haviam ficado “à margem do progresso urbano”.

O processo de apagamento das marcas de uma época que hoje é entendida como superada permanece até os dias presentes. Cinemas e casas do início do século XX ainda são colocados abaixo. A Igreja do Rosário quase passou por nova mudança de localização, mas desde 1988 constitui patrimônio tombado.

Este contexto torna no mínimo curiosa a manutenção da Festa do Rosário, já que se trata de uma Festa cuja matriz possivelmente é originária do Período Colonial e que foi instituída na cidade provavelmente num período em que a mesma estava se constituindo – ainda que a Festa seja uma tradição recente em comparação com outras Festas no Estado.

Por outro lado, este contexto coloca o desafio de não reproduzir as oposições entre cidades pequenas/mundo rural versus cidades maiores, as quais implicam, como falei, nas respectivas dicotomias: tradição versus modernidade; isolamento e continuidade versus mudança e descolamento das raízes (ou desraizamento). Em conseqüência, é preciso analisar

45 com cuidado como as dinâmicas de tradição e mudança são pensadas pelos congadeiros e, assim, evitar afirmações apressadas que apontam a transformação da Festa do Rosário como simples espetáculo.