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A monocultura de eucalipto e os velhos conflitos socioespaciais

4. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DE ITABATÃ: do povoado rural ao distrito urbano

4.4. GLOBALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO EM ITABATÃ (1992 A 2019)

4.4.2. A monocultura de eucalipto e os velhos conflitos socioespaciais

Apesar dos avanços econômicos, e melhorias em infraestrutura, ainda reverberavam, na ocasião, questões negativas ligadas à monocultura do eucalipto e à inserção do capital industrial relacionado à silvicultura. Conjuntamente, são evidenciados processos de degradação e supressão dos ecossistemas, e do patrimônio histórico da região, segundo Rocha (2002, p. 10).

O desenvolvimento da silvicultura de eucalipto necessitava de extensas terras para o reflorestamento, concorrendo para transformações na estrutura agrária e fundiária da região. Segundo constatações feitas a partir de dados concretos por Almeida et al. (2008), ocorreu a diminuição do número de estabelecimentos rurais e da área de pequenas propriedades, entre 1970 e 1996. Em contrapartida, no mesmo período, observou-se o crescimento no número de estabelecimentos com mais de 500 ha, o que evidencia o processo de concentração das terras por parte das grandes empresas florestais. Como consequência, foi provocada a reestruturação dos empregos na área rural, também impulsionada pela mecanização dos meios produtivos, gerando o êxodo da população que passou a habitar os centros urbanos. Essas modificações no meio rural repercutiram diretamente nas cidades pequenas:

A sobrevivência dos pequenos núcleos, em razão dos serviços de que dispõem e da sociabilidade que viabilizam, é efetivada por meio de sua transformação funcional. A transformação em local de concentração de força de trabalho engajada no campo é uma possibilidade corrente. Trata-se de força de trabalho que, no processo de industrialização do campo, foi destituída dos meios de produção e expulsa do campo. O hábitat rural, disperso ou concentrado em "colônias" localizadas no interior de grandes propriedades, desaparece, sendo, de certa forma recriado na periferia das pequenas cidades. (CORRÊA, 1999, p. 49).

Processo semelhante ao descrito por Corrêa foi verificado em Itabatã, visto que muitas pessoas de áreas rurais se deslocaram para a sua área urbana. Entretanto, a indústria necessitava de mão de obra qualificada, e assim ocorreu um processo de exclusão de boa parte da população rural. As consequências são diversas para as pequenas centralidades urbana, e nesse sentido, verifica-se que:

Essa exclusão dos “não-aptos” ao processo produtivo com bases para uma produção globalizada, passa a reproduzir nessas novas cidades os problemas sociais marcantes nos grandes centros urbanos. Configura-se, assim, uma realidade social e complexa apreendida pela falta de moradia, habitações precárias, bem como pela débil condição de trabalho da mão-de- obra considerada pelo mercado como não-qualificada. (ARRUDA, 2009, p. 163).

Além das questões sociais, também houve repercussão no meio ambiente. Nesse sentido, muitos estudos, desenvolvidos desde a década de 2000, vêm discutindo os impactos socioambientais da monocultura do eucalipto, fomentando questionamentos pertinentes acerca do desenvolvimento sustentável. O chamado “deserto verde” torna o solo pobre em nutrientes, e a densidade das árvores de eucalipto, plantadas muito próximas, geram sombra no solo, impedindo o crescimento de outras espécies. Logo, não se trata apenas de uma paisagem monótona, mas também sem diversidade biológica. Numerosas pesquisas também associaram a supressão dos recursos hídricos da região ao plantio de eucalipto, como no caso do Rio Mucuri.

Em entrevista ao “Brasil de Fato”, em 2018, o pesquisador João Dagoberto dos Santos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), afirmou que o maior problema da silvicultura é a concentração de sua atividade produtiva, que enfraquece a dinâmica dos territórios. Sendo assim, as plantações de eucalipto são menores em relação a outros cultivos de grande escala, como a soja. No entanto, a silvicultura gera impactos socioambientais significativos, pois se concentra em determinadas regiões de modo hegemônico. Isso dificulta o desenvolvimento de outras atividades, e agrava os conflitos territoriais. O pesquisador ainda comenta que:

O sistema de silvicultura atual é incompatível com outros manejos. Eles têm um domínio muito grande sobre consumo de água onde eles estão instalados, uma homogeneização da paisagem, uma absorção muito grande de nutrientes a longo prazo. E impossibilitam a utilização do solo de uma maneira muito drástica, gerando impactos ambientais e sociais muito graves (SANTOS, entrevista, 2018).

Portanto, o ciclo do eucalipto no Extremo Sul baiano causou repercussões negativas para os municípios, acentuando o desrespeito pelo meio ambiente, que se expressa há tempos na relação homem-natureza. Todavia, ao mesmo tempo em que as indústrias de papel e celulose concentraram as terras, prejudicando a diversidade de plantios e contribuindo para a escassez dos recursos naturais, a nova organização socioeconômica permitiu a formação de uma elite local e o fortalecimento dos negócios em diferentes escalas (MAGALHÃES et al, 2015). Logo, é importante

questionar: esse processo estaria de fato promovendo um desenvolvimento urbano- regional, ou apenas um crescimento econômico?

De fato, melhorias locais foram observadas ao longo dos anos de atuação das indústrias de papel e celulose, sobretudo na parte econômica. Porém, a maior parte dos avanços e melhorias em infraestrutura foi muito pontual, desenvolvida para atender às atividades das indústrias. Além disso, nos últimos anos a administração pública favoreceu o desenvolvimento do capital industrial no município. Com isso, questões sociais e culturais foram deixadas de lado, ofuscadas pelo crescimento econômico. A repentina inserção de um modesto município no circuito da economia globalizada repercutiu diretamente em Itabatã, que tem crescido de modo, relativamente, acelerado.

Em geral, os moradores reconheceram aspectos positivos com a instalação da indústria de papel e celulose, enfatizando a criação de novos empregos, e o desenvolvimento de instituições educacionais e de saúde. Eles se recordam que, para o ensino superior era necessário ir a outros estados; porém, atualmente o Extremo sul da Bahia conta com muitas Universidades, seja federal ou estadual, além de faculdades particulares. A atração de pessoas também é mencionada como algo benéfico, atribuindo-se à fábrica o papel de indutora do crescimento urbano:

Então a Suzano, a Bahia Sul que hoje é Suzano ela, nesse raio de São Mateus, Nanuque, Teixeira de Freitas e aqui no litoral, é sem dúvida a empresa de maior influência. Isso no comércio, as empresas de insumo, de manutenção de maquinário, todas elas se desenvolveram basicamente em relação à Suzano (GRIFFO, Entrevista, 2018).

Nós estamos rogando a Deus pra que ele nos abençoa que venha mais alguma empresa pra ajudar, porque se não fosse a Suzano aqui em nossa região hoje em dia, a coisa era feia (NASCIMENTO, Entrevista, 2018).

Outros moradores, no entanto, mencionam também os aspectos negativos da monocultura do eucalipto para o meio ambiente, visto que os recursos naturais estão esgotando, e a oferta de produtos orgânicos tem se reduzido consideravelmente. Além disso, comenta-se, com frequência, a falta de oportunidade de emprego às pessoas de pouca instrução educacional, dentre outras consequências:

Se for olhar na preservação ambiental, não tem nem como falar o prejuízo que foi. Mas, do outro lado na parte econômica, também não tem como medir, né?! Porque, pra essa região aqui é que ficou atraente, valorizada. Pra você ter uma ideia, a casa que eu comprei na época, eu comprei com o dinheiro no bolso. Hoje minha casa não vale menos que seiscentos mil (reais). Então... depende do ponto de vista (BATISTA, entrevista, 2018).

A Bahia Sul (a Suzano) trouxe muita gente de fora, e então melhorou a região né?! Hoje está um pouco prejudicando por causa das águas... (SANTOS, I.C., entrevista, 2018).

Muita água que nóis tinha e hoje não tem, isso aí eu sinto saudade. Muitas roças que hoje não tem, que hoje virou eucalipto. Era plantação de mandioca, feijão, milho... Hoje é só eucalipto. E eucalipto pra quem? [...] (SOUZA Valmir, entrevista, 2018).

A transformação do solo rural para urbano conferiu ao lugar uma valorização surpreendente, difícil de ser imaginada quando do antigo povoado “Jegue Assado”. Criaram-se verdadeiras “estrias espaciais”, em um lugar que até então não era formalmente planejado, e que passou a enfrentar uma ocupação desenfreada. Os loteamentos imobiliários foram implantados em grande escala, em um ritmo que a administração local não conseguiu acompanhar. Ao mesmo tempo, a carência em infraestrutura e os conflitos territoriais engendraram tensões e desigualdades em Itabatã. Logo, fabricou-se um núcleo urbano voltado para o capital industrial da produção de papel e celulose, um lugar padronizado e de pouca identidade.

Recentemente, em 2018, ocorreu a fusão entre a Suzano e a Fibria, esta última uma das maiores exportadoras do Espírito Santo, criada a partir da fusão entre Aracruz e Votorantim Celulose e Papel. Essa união reforça a ideia de cluster madeireiro consolidado no Extremo Sul, e que agora ultrapassa a fronteira entre os estados da Bahia e do Espírito Santo. O grupo passou a se chamar Suzano S.A., hoje a maior produtora de papel e celulose da América Latina, com valor de mercado de 79 bilhões de reais (GODOY, 2018). Portanto, a empresa que já era grande, torna-se maior, e os impasses relacionados ao meio ambiente convertem-se em desafios ainda mais relevantes. Todos esses processos, transformações e conflitos instigam questões pertinentes para o futuro: como estará Itabatã e sua região após algumas décadas? O que fazer a respeito do “deserto verde”?