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O estruturalismo, uma das escolas dominantes da lingüística na primeira parte do século XX, definia a morfologia derivacional como a parte da gramática de uma língua que descreve a formação e estrutura das palavras em oposição à flexão, que se refere a variações sintaticamente condicionadas na forma das palavras.

Nos estudos estruturalistas, o estudo da estrutura das palavras se limitava a uma listagem de elementos morfológicos e suas possibilidades de combinação em gramáticas particulares. O morfema era reconhecido como unidade mínima e este reconhecimento fez com que os lingüistas deste período não deixassem de lado a estrutura interna das palavras, como atesta Basílio (1980, p. 25).

O modelo de referência deste período é conhecido como Item e Arranjo e foi sistematizado inicialmente por Bloomfield (1933) em Language, nos capítulos sobre gramática, principalmente. Essa sistematização serviu de ponto de partida para que outros investigadores desenvolvessem o referido modelo, especialmente Harris e seus estudantes: Bloch, Wells e, mais tarde, Nida, tal como observado por Hockett (1954, p. 213).

Para Hockett (1954, p. 212) a essência desse modelo é:

falar de maneira simples das coisas e dos arranjos em que estas coisas ocorrem (Harris 1944; Bloch 1947, Harris 1945b, Harris 1942). Assume- se que qualquer enunciado em uma dada língua consiste de um certo

número de elementos mínimos relevantes à gramática, chamados de morfemas, dispostos em um arranjo específico. A estrutura do enunciado é especificada estabelecendo os morfemas e o arranjo. O padrão da língua é descrito se listamos os morfemas e os arranjos em que ocorrem nos enunciados – acrescendo informações para tratar das formas fonêmicas que aparecem em combinação.12

Reconhecia-se, portanto, que as palavras tinham uma estrutura interna e que, diferentemente da análise lingüística na tradição clássica que tratava a palavra como a unidade básica da teoria gramatical, a análise lingüística no estruturalismo considera que as palavras são analisáveis em termos de morfemas. Os morfemas, por sua vez, são as menores unidades de significado lexical e gramatical. Na concepção estruturalista, o objetivo, portanto, era o estudo dos morfemas e dos seus arranjos para formar palavras. A morfologia passa, desse modo, a ter um nível separado dentre os demais níveis de análise lingüística (fonológico, sintático e semântico), ordenados em hierarquia, com a fonologia no início e a semântica no fim.

O estudo estruturalista é de natureza sincrônica e focaliza a estrutura da palavra em um determinado estado da vida de uma língua, ao invés de se deter no estudo da evolução das palavras e formas, tal como era o enfoque da gramática histórica. Para realizar esse tipo de análise, foram estabelecidas novas técnicas que visam à depreensão dos morfemas.

O princípio primordial que sustenta a análise é o princípio da oposição lingüística, quer dizer, a circunstância de que cada elemento lingüístico tem valor e individualidade à medida que se opõe a outro elemento. Para exemplificar este princípio, utilizamos um exemplo de Câmara Jr. (1973, p. 43) no nível da fonologia: a

12The essence of IA is to talk simply of things and the arrangements in which those things occur (Harris 1944, section 5, esp. end of page 203; Bloch 1947, introductory remarks; Harris 1945b; Harris 1942). One assumes that any utterance in a given language consists wholly of a certain number of minimum grammatically relevant elements, called morphemes, in a certain arrangement relative to each other. The structure of the utterance is specified by stating the morphemes and the arrangement. The pattern of the language is described if we list the morphemes and the arrangements in which they occur relative to each other in utterances – appending statements to cover the phonemic shapes which appear in any occurent combination.

consoante sonora /b/ somente existe porque se opõe lingüisticamente a outra não- sonora, ou surda, como /p/, que afora esse traço distinto, se articula pelo mesmo movimento e no mesmo ponto bucal que /b/. Rio-Torto (1998a, p. 45), por outro lado, apresenta exemplos de constituintes sufixais em oposição: chuvada, chuvoso, chuveiro ou real, realista, realíssimo, realeza, realidade, realizar ilustram, pelas diferenças semânticas aduzidas pelos sufixos, este princípio13.

Na descrição da estrutura das palavras, Hockett (1954, p. 218) observa a existência de uma hierarquia na descrição da ordem de associação dos constituintes e afirma que o analista poderá ser capaz de determinar os constituintes e a sua ordem linear, mas não será necessariamente capaz de determinar a ordem de associação, a estrutura CI (constituintes imediatos) ou estrutura hierárquica do enunciado. Hockett ilustra esse problema com um exemplo do inglês, no qual a forma complexa old men and women pode ser construída de duas maneiras:

(i) colocando ‘old’ (forma 1) e ‘men’ (forma 2) juntos e acrescentando posteriormente ‘women’ (forma 3), obtemos a estrutura E = (F1F2) F3; ou

(ii) colocando ‘men and women’ juntos e acrescentando ‘old’ ao todo, obtemos a E = (F2 F3) F1.

Por meio deste exemplo, é possível observar um reconhecimento implícito da necessidade de se descrever estruturas em níveis hierárquicos diferentes devido a uma diferença semântica, embora seja conveniente ressaltar que a análise semântica era considerada secundária na análise estruturalista.

O estruturalismo conserva, especialmente no que se refere à descrição da estrutura interna das palavras, um caráter primordialmente concatenatório, quer dizer, de depreender uma forma após a outra, atribuindo importância secundária à semântica

13 Rio-Torto (1998a, p. 45) faz uma transposição do princípio das oposições, consagrado pela fonologia estruturalista, para o setor morfolexical, apresentada a seguir: “Se dois constituintes que ocorrem no mesmo cotexto intralexical são substituíveis um pelo outro e se dessa substituição resultar uma alteração semântica ou semântico-referencial sistematicamente relevante, esses constituintes são duas unidades em oposição distintiva entre si”.

e não investigando elementos regulares e previsíveis que poderiam ter provocado a união das formas. Chomsky (1957) apud Basílio (1980, p. 26) observou que o reconhecimento pelo estruturalismo de seqüências impossíveis de terem um significado específico, tais como -ceb em conceber, receber, perceber,etc; -fer em referir, conferir, diferir, e assim por diante, nos leva à não-diferenciação entre morfemas e seqüências fônicas14.

Corbin (1987, p. 103) critica este tipo de morfologia, chamado por ela de morfologia concatenatória, e elabora um resumo de seus princípios:

1. Trata-se de uma morfologia linear, não hierarquizada. 2. Suas regras eventuais são descritivas e não previsíveis.

3. A análise das palavras complexas se efetua na superfície, tal como aparecem em evidência.

4. As palavras complexas são analisadas em elementos formadores que são acrescidos um após o outro, sem outros condicionantes que não os da concatenação.

5. Esta morfologia caracteriza-se pela ausência de condicionantes na categoria lexical de base; a categoria do derivado é tratada como um dado imediato do léxico atestado.

6. Os afixos são identificados formalmente e não por meio das propriedades que estes conferem às palavras construídas.

7. A análise semântica é independente da análise formal, geralmente secundária em relação a esta.

8. Trata-se de uma análise parcial, em que é suficiente identificar no eixo paradigmático um segmento em uma palavra para a qualificar como palavra construída.