• Nenhum resultado encontrado

Princípios teórico-metodológicos para a análise morfolexical

As unidades lexicais importadas não foram formadas em português, mas, ao serem usadas correntemente, passaram a fazer parte do léxico do português. Tendo em vista o quadro teórico desenvolvido por Corbin (1987, 1991), essas unidades estão presentes no componente convencional do léxico e passaram a dispor de propriedades essenciais (categoriais, morfológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas) para o seu uso em português.

A unidade lexical importada foi analisada em termos de sua estrutura interna com o objetivo de investigar se essa unidade, que já dispõe de propriedades essenciais, pode ser analisada como uma unidade lexical construída, quer dizer, analisável segundo uma regra de construção de palavras em português.

52 A vogal final dos sufixos marca a classe temática nos nomes (substantivos e adjetivos). Conforme Câmara Jr. (1992, p. 86), há “nos nomes os tema em –a (rosa, poeta, planeta), os temas em –o /u/ átono final (livro, tribo, cataclismo) e os temas em –e /i/ átono final (dente, ponte, análise). Os sufixos que formam adjetivos são, no entanto, grafados sem esta marca de classe (- an-, ári-, -ic- e –iv-) para indicar que a unidade lexical da qual fazem parte é passível de variação flexional de gênero. Ressalte-se que o processo flexional é pós-lexical e se dá, conseqüentemente, após o processo de formação de uma unidade lexical.

53 Marchand (1969) e o OED foram também obras essenciais para a identificação correta da base e para a compreensão da estrutura morfossemântica da unidade lexical em inglês. Marchand (1969) havia, em alguns casos, já tratado da unidade lexical sob análise, o que forneceu maior segurança para a interpretação do dado. O OED, ao informar a etimologia e/ou a estrutura morfológica, juntamente com o registro, na maioria dos casos, da interpretação semântica da estrutura construída, também foi essencial para a compreensão da estrutura da unidade lexical sob análise

Verificar se essas unidades são analisáveis significa a possibilidade de investigar se as propriedades essenciais da unidade lexical podem ser previstas por meio da sua estrutura interna. A analisabilidade de uma unidade lexical implica uma gramática menos “custosa”, para usar um termo de Jackendoff (1975), porque a unidade analisável dispõe de um alto grau de informação no sentido de que é regular pois os seus constituintes são reconhecidos, recorrentes e interpretáveis na língua. Implica, também, a possibilidade de o falante ter instrumentos em sua própria língua para depreender o significado. E implica, sobretudo, provar que a gramática do português, mais especificamente, o seu componente lexical, não perde o seu poder de atuação e age no sentido de adaptar a nova unidade provendo-a de propriedades essenciais para cumprirem as exigências da estrutura morfolexical de uma unidade lexical em português.

Tendo em vista o domínio de aplicação das regras de construção de palavras (RCP), que é o conjunto das unidades lexicais cuja estrutura morfológica e o significado são construídos conjuntamente, assim como os princípios de definição da base e do afixo, desenvolvidos por Corbin (1987, 1991) e apresentados no item 3.4.5.1 (Componente de base) desta pesquisa, uma unidade lexical importada será considerada analisável se satisfizer as seguintes condições:

1) os constituintes morfolexicais de sua estrutura morfológica devem ser categorizáveis e associáveis a um significado recorrente. Esta condição permite eliminar do conjunto das unidades analisáveis aquelas unidades lexicais que dispõem de um constituinte sem estatuto sígnico, tal como o caso de pressurizar, apresentado no capítulo 1, em que somente o sufixo –iz(ar) é isolável (pressur- não aparece em nenhuma outra formação em português com o significado que este parece dar a pressurizar).

1) A interpretação semântica e a estrutura morfológica deverão ser passíveis de associação, quer dizer, o significado da unidade lexical (significado composicional) como um todo deve representar o resultado da soma das suas partes constituintes, ou vice-versa.

As unidades lexicais que dispõem de constituintes cuja significação não é dissociável da unidade em que ocorrem, tal como o segmento pressur- em pressurizar, serão consideradas complexas, mas não-construídas, e serão passíveis de análise por meio de uma regra de estrutura interna (REI), tal como apresentado no item item 3.3.5. (item 1. Componente de base). A REI poderá identificar dois tipos de estrutura:

a) uma estrutura interna que contém ao menos um constituinte pertencente a uma categoria lexical, como, por exemplo, casebre, em que a seqüência –ebre não é um sufixo porque lhe falta a recursividade ou recorrência em outras formações;

b) uma estrutura interna que contém ao menos um constituinte pertencente à categoria [afixo], como é o caso de pressurizar.

A seguir, tem-se a representação das estruturas, respectivamente:

a) [ [casa]S ebre]S b) [ pressur (-iz-)suf]Rv

.

Para finalizar, é importante apresentar alguns esclarecimentos relacionados com a precisão terminológica:

1) No âmbito do Modelo SILEX, uma unidade lexical é uma seqüência lingüística associada ou associável de modo estável, fora de contexto, a um significado e

portadora de uma categoria tal que lhe permita ocupar, nos enunciados, uma posição de núcleo sintagmático. A conjunção destes critérios permite eliminar da classe das unidades lexicais as designações, definidas por Kleiber (1984)54 e as unidades infralexicais55.

2) As unidades lexicais podem ser, no que se refere à sua estrutura interna, de três tipos:

i. unidades simples – aquelas que, como o nome indica, não têm estrutura interna – ex.: luz, mar, paz, sol;

54 Kleiber (1984 apud Correia 2004, p.22) faz a distinção entre ‘denominação’ e ‘designação’. Segundo este autor, a denominação é uma relação referencial constante e codificada entre uma

coisa (objeto extralingüístico) e um signo, o seu nome. As designações são utilizadas para

preencher necessidades denominativas pontuais, mas a relação entre o signo e a entidade/coisa (objeto da realidade) não é estável nem se encontra codificada na língua. Correia apresenta o seguinte exemplo: a expressão vegetal verde com que se faz salada não constitui uma denominação, mas apenas uma designação, entre inúmeras possíveis, de um objeto, pois, embora se refira ao mesmo objeto que alface (que é a sua denominação), não se estabelece qualquer laço referencial estável e codificado entre um signo e um objeto.

55 Corbin (a publicar apud Correia 1999, p. 52-56) define unidades infralexicais como “aquelas que se encontram associadas de forma estável a um significado (descritivo e/ou instrucional), mas cuja extensão sintáctica é inferior à de núcleo sintagmático, isto é, estas unidades não podem ocupar posições sintácticas”. As unidades infralexicais podem ser divididas em dois grupos distintos: afixos (prefixos e sufixos), representantes do significado instrucional (aquele que se constitui por um feixe de instruções sobre o modo de construir as relações entre as unidades lexicais portadoras de significado descritivo); arqueoconstituintes/fractoconstituintes, passíveis de apresentar significado descritivo (aquele que permite denominar entidades que existem fora da linguagem e constitui-se de propriedades semânticas, dado que são portadoras do significado das unidades) e instrucional. Os arqueoconstituintes são os radicais de origem grega ou latina que permitem a construção de inúmeros compostos, normalmente pertencentes a vocabulários de índole científico-técnica (e.g. agr(o)-/agronomia; psic(o)-/psicanálise; tecn(o)-/tecnologia; -cida (regicida). Os fractoconstituintes têm significado descritivo e podem ser o resultado de apócopes de palavras contemporâneas: é o caso de petro- (apócope de petróleo, em unidades como

petrodólares ou petromonarquias) ou euro- (apócope de europeu, em euromísseis ou eurodeputados).

ii. unidades complexas não-construídas56 – aquelas que, embora exibindo uma certa estrutura interna formal e semântica, não preenchem todas as condições para que essa estrutura seja identificada à de uma palavra construída, ou porque a sua base aparente não preenche todos os requisitos definidos para a delimitação das bases ou dos afixos, ou porque o seu significado não é compatível com a estrutura que lhes é atribuível em função da operação derivacional da qual, aparentemente, são o produto .

iii. unidades construídas57 – aquelas que apresentam uma estrutura interna complexa cujo significado é previsível e conforme a sua estrutura interna.

3) quando se fala em constituintes morfolexicais, está-se tratando de dois tipos de constituintes: um com estatuto de unidade sígnica e outro sem este estatuto, sendo este último considerado um constituinte formal cuja significação não é dissociável da unidade em que ocorrem58;

4) Os constituintes morfolexicais que integram a estrutura interna de uma unidade lexical complexa podem ser considerados temas, radicais, bases e sufixos de natureza derivacional em oposição à flexional. A base recobre as modalidades de tema

56 Em Corbin (1987), o termo utilizado era ‘palavra complexa não-construída’. 57 Em Corbin (1987), o termo utilizado era ‘palavra construída’.

58 Estudos como o de Rio-Torto (1998a, p. 13-19) e Spencer (1991, p. 40) também defendem que um segmento sem estatuto sígnico, presente em uma estrutura complexa, deve ser considerado um constituinte formal, quer dizer, um constituinte morfológico de uma unidade lexical complexa. Rio-Torto (1998a, p. 18) argumenta que “uma coisa é negar o carácter de signo mínimo ao morfema, é não reconhecer o morfema como signo mínimo, ou como segmento com significação própria, discretizável, e de preferência de ocorrência não singular. Outra coisa é pretender que um segmento de significação dificilmente discretizável e representável não tem estatuto de constituinte morfológico de uma unidade lexical compósita. Por isso Spencer considera que “the notion of ‘morpheme’ should be defined in terms of the constituents of words and relationships between word forms, and not in terms of meanings’. Assim, por observar que alguns constituintes são de difícil caracterização semântica, Aronoff (1976) deu somente à palavra o status de base de uma regra, já a palavra funciona necessariamente e ao menos como um signo mínimo, mas o morfema nem sempre.

(estrutura que comporta o constituinte temático e os demais constituintes à sua esquerda, que constituem o radical) e de radical (constituinte(s) que subsiste(m) uma vez abstraídos os afixos e o constituinte temático ou marcador de classe).

4.6 Considerações sobre a definição lexicográfica e sua relação com o significado