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5.3 Estruturas analisáveis segundo regras existentes

5.3.4 Regras de truncamento

Corbin (1987, p. 283) considera as regras de truncamento um mecanismo para o tratamento das subregularidades parcialmente previsíveis. No componente lexical proposto por Corbin (1987), as regras de truncamento, assim como as regras de alomorfia, são chamadas de regras ‘menores’ e são posteriores e subordinadas às regras de construção de palavras (RCP).

A hipótese subjacente é a de que as palavras construídas são de responsabilidade das RCPs e que as eventuais distorsões semânticas ou formais em relação às propriedades previsíveis são de responsabilidade das regras ‘menores’ do componente convencional.

Corbin (1987, p. 341) entende que o truncamento é o apagamento de um segmento de uma base, construída ou não-construída, em um contexto derivacional. Este segmento pode ser um afixo ou um segmento de afixo, ou mesmo uma terminação não segmentável em termos morfológicos de uma base não-construída.

As estruturas da regra de truncamento proposta por Corbin (1987, p. 346) podem ser de dois tipos:

F1 [ (Y)af [xX]A ]B (T+) (+T)

F2 [ [Xx]A (Y)af ] B (+T) (T+)

em que Y designa um afixo truncador, xX e Xx uma base suscetível de ser truncada, e x pode ser um afixo ou um segmento qualquer inferior ou igual a uma sílaba, T um traço relevante às regras de truncamento, A e B as categorias lexicais maiores. Corbin (1987, p. 347) esclarece que o elemento truncador é sempre um afixo, mas o elemento a ser truncado não o é necessariamente. Acrescenta ainda que o traço T+ serve para acionar a regra de truncamento quando a base está marcada com o traço +T.

Nos dados sob análise, foram identificadas estruturas do tipo F2:

1) Substantivo: -ic- Æ -ismo

hipnótico Æ hipnotismo [ [hipnót(-ic-)]ADJ (-ismo)suf ] S

A unidade lexical hipnotismo é considerada um substantivo que denomina uma técnica a partir da base adjetiva hipnótico.143

2) Adjetivos: 2.1) -ismo Æ –ista

As unidades lexicais identificadas em –ista podem ser analisadas como adjetivos denominais que denominam uma filiação parafraséavel por ‘que é adepto, simpatizante, partidário de Nb’. O Nb (nome de base) refere-se a uma doutrina ou orientação política, sociológica, literária ou filosófica. É comum, posteriormente, a

143Correia (2004, p. 291-295) faz uma descrição da semântica das bases de –ismo. No caso em questão, hipnótico pode ser considerado um tipo de base que qualifica uma entidade humana, ou produção humana, ou entidade vista como humana.

conversão destes adjetivos a substantivos agentivos que designam “o agente humano, adepto ou partidário do Nb”. As unidades identificadas são a seguir apresentadas:

adventismo Æ adventista [ [advent(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ colaboracionismo Æ colaboracionista [ [colaboracion(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ conformismo Æ conformista [ [conform(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ egotismo Æ egotista [ [egot(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ fundamentalismo Æ fundamentalista [ [fundamental(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ imagismo Æ imagista [ [imag(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ imperialismo Æ imperialista [ [imperial(ismo)]S (-ista)af ] ADJ instrumentalismo Æ instrumentalista [ [instrumental(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ marginalismo Æ marginalista [ [marginal(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ

turismo Æ turista [ [tur(ismo)]S (-ista)suf ] ADJ

2.2) –ência Æ -iv-

resistência Æ resistivo [ [resist(ência)]S (-iv-)suf ]ADJ

Resistivo é interpretável como ‘que é próprio de resistência’, pertencente ao domínio da eletricidade.

3) Verbos: -ári- Æ -iz-; -iv- Æ –iz-

sanitário Æ sanitizar144 [ [sanit(-ári-)]ADJ (-iz-)suf ]V derivativo Æ derivatizar145 [ [derivat(-iv-)]ADJ (-iz-)suf ]V

Sanitizar pode ser analisado como um verbo de mudança de estado. Em sanitizar, a base adjetival sanitário (relativo à higiene) é parafraseável por ‘tornar sanitário’.

Por último, derivatizar pode ser analisado como um verbo de mudança de estado, formado a partir do adjetivo derivativo146, com o truncamento do sufixo –iv-. A

144 Sanitizar é a base de sanitização (subitem 5.3.1.1). 145 Derivatizar é a base de derivatização (subitem 5.3.1.1). 146 Derivativo tem acepção específica do domínio da química.

opção de analisar a construção da unidade lexical derivatizar como um processo de truncamento teve duas razões principais:

i) o fato de existir na língua um caso de truncamento (o caso de normatizar)147; ii) o fato de a base derivativo ter acepção pertencente ao domínio da química; a unidade lexical derivatização refere-se também ao mesmo domínio de especialidade.

Derivatizar pode então ser parafraseado por ‘transformar em derivativo (química)’148.

5.4 Síntese do capítulo

Foram identificadas unidades lexicais importadas passíveis de análise por meio de um processo morfológico existente em português, caracterizado, na maioria dos casos, por operações de sufixação e, em uma proporção menor, por um processo de truncamento.

As estruturas analisáveis foram atribuídas a três classes de palavras: substantivos, adjetivos e verbos. Os substantivos são classificados em substantivos de ação deverbais, nomes de qualidade e agentivos deverbais. Os adjetivos, por sua vez, são adjetivos de relação denominais, deverbais e de possibilidade. Por último, os verbos são de três tipos: isocategorias, denominais e verbos de mudança de estado.

As unidades lexicais importadas representam, em alguns casos, unidades lexicais complexas especialmente construídas em português para se ter uma unidade lexical equivalente à unidade na língua de procedência do empréstimo, como, por

147 Em português não é freqüente o truncamento de –ivo por –iz-, mas pode ocorrer. Foi realizada uma pesquisa eletrônica no AE a partir da máscara *tizar para verificar se estas formações poderiam ter como base um adjetivo em -ivo truncado por –iz-. Foram obtidas 122 formações terminadas em *tizar, e apenas uma, normatizar, teve como base um nome terminado em –vo, no caso a base normativo.

148 Tendo em vista as razões acima, foi descartada uma outra análise que poderia considerar a unidade lexical derivatizar como mal-formada, tendo em vista que o segmento derivat- não é interpretável em termos sincrônicos. Na sincronia atual, a base deveria ser derivado e o produto ºderivadizar. Esta análise foi, no entanto, descartada tendo em vista as razões acima.

exemplo, aculturação, braquiação, especiação, estivação, resiliência, acurácia, instrumentalismo, marginalismo, fisicalismo, excentricidade, dextralidade, tabulador, conector, detector, editorial, sistêmico, convectivo, implosivo, impressivo, palatável, rentável, conectar, desapontar, conectar, eletrocutar, formatar, indentar, estandardizar, inicializar, contracepção, adventista, colaboracionista, egostista, conformista, imagista, marginalista, etc. Em outros casos, a unidade lexical já era existente e assimilou o significado estrangeiro, como os casos de eluição, conotação, gratificação, importação, imperialismo, incremental, conotativo, conotar.

Os constituintes na posição de base são ou unidades lexicais já existentes, que receberam um novo significado, alguns deles particulares ao domínio técnico- científico, como, por exemplo, coacervar (coarcervação), equalizar (equalização), gratificar (gratificação), estivar (estivação), importar (importação), etc, ou são unidades lexicais possíveis que passaram a existir por serem constituintes de uma estrutura maior; este é o caso, por exemplo, de alguns substantivos de ação deverbais cujo verbo não existia no léxico do português, mas passou a existir uma vez que é constituinte de base do substantivo de ação (e.g. aculturar (aculturação), braquiar (braquiação), nidar (nidação), especiar (especiação), destoxificar (destoxificação), derivatizar (derivatização), embolizar (embolização), enculturar (enculturação), faringalizar (faringalização), indentar (indentação), inicializar (inicialização), quelar (quelação), sanitizar (sanitização) e outros.

É importante ressaltar a discrepância entre o significado abstrato que é produto da operação de análise da estrutura morfolexical e a definição registrada nos verbetes do dicionários, Aurélio e Houaiss, a partir dos quais os dados foram recolhidos.

A definição nos dicionários não é, em muitos casos, morfossemântica, e não possibilita, conseqüentemente, referência à estrutura morfológica e ao significado previsível. Tal fato, no entanto, não impede que a unidade seja analisável, mesmo que o significado importado do inglês seja resultante de uma derivação semântica, como, por exemplo, de metáforas, metonímias.

CAPÍTULO 6

ESTRUTURAS COMPLEXAS NÃO-CONSTRUÍDAS

6.1 Introdução

No presente capítulo, são apresentadas as unidades lexicais importadas cuja estrutura interna foi considerada complexa não-construída. Estas estruturas são complexas porque dispõem de ao menos dois constituintes, um na posição de base e outro na posição de afixo; são não-construídas porque a estrutura morfológica e o significado somente se sobrepõem parcialmente.

Nestas estruturas, identifica-se um constituinte que pode ser considerado como pertencente à categoria de afixo. Na posição de base, no entanto, são identificadas restrições que impedem considerar o constituinte como base em uma operação de construção da estrutura morfolexical, tendo em vista as exigências delimitadas no subitem 4.5 (Princípios teórico-metodológicos para a análise morfolexical).