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2.4 A morfologia derivacional na gramática gerativa

2.4.2 O retorno da morfologia: A Hipótese Lexicalista

A morfologia entrou novamente na lingüística gerativa por meio de várias portas. Aronoff (1976, p. 5) cita duas delas:

1) A primeira observação de que havia algo entre a sintaxe e a fonologia surgiu no Sound Patterns of English (SPE), de Chomsky e Halle (1968). Lá surgiu o questionamento de se o produto do componente sintático é de fato o input do componente fonológico. Foram observadas certas discrepâncias e também que a gramática deveria conter certas regras que fazem a conversão das estruturas de

15 Veremos que surgiram muitos problemas na identificação das relações lexicais, porque em muitos casos o que parece relacionado na forma já não é mais no significado.

superfície geradas pelo componente sintático em uma forma apropriada para o uso pelo componente fonológico. Essas regras, chamadas de regras de reajustamento, objetivam a eliminação da estrutura e podem ser, em alguns casos, regras de flexão, sendo portanto uma regra morfológica. Aronoff ilustra com o exemplo de regras que convertem [[sing]V past]V em sung e [[mend]V past]V em mended.

2) O advento da Hipótese Lexicalista, proposta inicialmente por Chomsky (1970), postula que a morfologia derivacional, e possivelmente a morfologia flexional, deveria ser tratada no léxico. Aronoff (1976, p. 6) afirma que:

Ao contrário da fonologia, em que a constatação de que o sistema não poderia ser forçado veio gradual e inexoravelmente, com pouca objeção [...], a morfologia saiu das garras da sintaxe com explosão e causou um reboliço. O nascimento da morfologia, ou ao menos a declaração de seu domínio, ocorreu com a publicação do artigo “Remarks on Nominalization de Chomsky (1970). Esse artigo apresenta uma nova teoria da sintaxe na qual toda a morfologia derivacional é isolada e retirada da sintaxe. A morfologia passa a ser tratada em um léxico expandido, por um componente separado da gramática. Essa distinção legitima o campo da morfologia como uma entidade independente.16

A Hipótese Lexicalista ressalta a idéia de relação lexical entre duas palavras, relacionadas em seu padrão morfológico, semântico e sintático. No caso das nominalizações, por exemplo, enfatiza-se uma correspondência entre o nome e o verbo a partir do qual o nome foi formado, o que demonstra um tipo de relação lexical entre estes.

16In contrast with phonology, however, where the realization that the system as it stood could not be sufficiently constrained came gradually and inexorably, with very little objection […], morphology sprang out of syntax´thigh full-blown and caused a great to-do when it did so. The birth of morphology, or at least the declaration of its domain, is simultaneous with, and contained in, Chomsky´s “Remarks on Nominalization” (1970). This paper presents a new theory of syntax, in which all of derivational morphology is isolated and removed from the syntax; it is instead dealt with in an expanded lexicon, by a separate component of grammar. This distinction legitimizes the field of morphology as an independent entity.

Para tratar as nominalizações, Chomsky sugere que as correspondências entre verbos e formas nominalizadas poderiam ser expressas adequadamente se pudéssemos estabelecer entradas lexicais neutras, marcadas somente em relação a traços contextuais, mas livres em relação a traços categoriais. Estas entradas seriam “neutras” no sentido de que não haveria precedência para o verbo ou para o nome.

Basílio (1980, p.28) explica que:

Nesta abordagem, o traço categorial determinaria as possibilidades de inserção da entrada lexical em estruturas sintáticas específicas e regras morfológicas forneceriam as formas fonológicas relacionadas a determinadas categorias. Do mesmo modo, traços semânticos poderiam ser relacionados à escolha de categorias específicas.

Jackendoff (1975, p. 641) e Basílio (1980, p.29-30) encontram problemas nas sugestões de Chomsky, especialmente no que se refere ao fato de:

1) não haver explicação da formulação de que pares relacionados morfológica, semântica e sintaticamente, como os pares decide e decision, constituem uma única entrada lexical;

2) como explicar que pares verbo/nome constituem uma entrada lexical única, se, muitas vezes, as nominalizações apresentam extensões de sentido, cujas interpretações não são verbais.

3) não levar em conta que formas nominalizadas de verbos podem ter uma existência independente no léxico, no sentido de que podem servir como bases para formações derivacionais posteriores, o que torna sem sentido dizer que temos uma entrada lexical neutra.

Para propor um tratamento alternativo para a morfologia derivacional, surgem outras propostas que serão discutidas a seguir.

2.5 Síntese do capítulo

Neste capítulo, foi realizado um estudo a respeito da evolução das abordagens em morfologia derivacional até a Hipótese Lexicalista. Observou-se que os estudos sobre a estrutura interna das palavras já eram realizados por Panini, gramático indiano, em relação ao sânscrito. Na antigüidade clássica, aproximadamente no século V a.C, o foco era, no entanto, a morfologia flexional; os questionamentos a respeito da palavra concentravam-se na descoberta do seu verdadeiro significado e a palavra era considerada um todo indivisível.

A partir dos estudos de gramática histórica no século XIX, a análise dos constituintes da palavra foi retomada. No século XX, o estruturalismo privilegia uma morfologia baseada em morfemas, considerado uma unidade significativa da língua e unidade básica da morfologia, propiciando o reconhecimento da relevância da morfologia derivacional. No modelo Item e Arranjo, característico deste período, a análise da palavra concentra-se na descrição dos morfemas e na definição das estruturas hierárquicas na análise das palavras.

Dentro do quadro da gramática gerativo-transformacional em meados dos anos 50, tentou-se explicar as nominalizações por meio de regras transformacionais. Neste quadro, as transformações são um mecanismo formal para expressar as relações entre as formas lingüísticas. Explica-se, por exemplo, que a oração passiva deriva-se da oração ativa, desde que ambas as orações tenham a mesma proposição e o mesmo valor de verdade. Resulta, no entanto, que regras transformacionais são somente capazes de dar conta de processos derivacionais gerais, deixando de lado os processos sub-regulares do léxico e casos em que há extensões de sentido. Devido a estas incapacidades, Chomsky (1970) sugere que a morfologia derivacional seja retirada da sintaxe e passe a ser tratada no léxico. Tal separação legitima o campo da morfologia como uma entidade independente. A proposta de Chomsky (1970) é criticada principalmente em relação à proposição de uma entrada lexical neutra para duas

palavras relacionadas formalmente. Os problemas surgem quando há extensões de sentido e quando uma forma derivada passa a servir de base para a formação de uma outra palavra, dificultando a explicação de que se trata apenas de uma única entrada lexical neutra.

A seguir serão discutidas propostas alternativas relacionadas com a tentativa de explicar as derivações a partir das relações lexicais entre duas entradas lexicais formalmente relacionadas. Tais propostas lexicalistas de derivar uma unidade lexical complexa a partir de uma unidade lexical mais simples impulsionaram os estudos de morfologia derivacional.

CAPÍTULO 3

DISCUSSÃO DE PROPOSTAS ALTERNATIVAS

3.1 Introdução

As propostas alternativas para o tratamento da morfologia derivacional apresentadas a seguir são: Jackendoff (1975), Aronoff (1976), Basílio (1980), Halle (1973) e Corbin (1987, 1991 e a publicar). As referidas propostas foram escolhidas porque abordam o tratamento da morfologia lexical pelas vias do léxico e não da sintaxe, sendo, conseqüentemente, propostas que resultaram da Hipótese Lexicalista. Halle (1973) e Jackendoff (1975) são representantes da Hipótese Lexicalista Forte, que considera a morfologia como um fenômeno unicamente lexical, sem fazer distinção entre os processos derivacionais (relacionados com a estrutura interna das palavras) e os processos flexionais (relacionados com as categorias morfossintáticas, como, por exemplo, de número, pessoa, tempo, modo, aspecto). Aronoff (1976), Basílio (1980) e Corbin (1987) são, por outro lado, representantes da Hipótese Lexicalista Fraca, pois consideram que somente uma parte da morfologia, a parte relacionada com os processos derivacionais, está presente no léxico. Os processos flexionais, sendo sintaticamente motivados, não seriam da alçada do léxico.

As três primeiras propostas (Jackendoff, Aronoff e Basílio) representam modelos não-estratificados, porque tratam no mesmo plano as regularidades e as irregularidades. Os modelos não-estratificados objetivam, a despeito de suas variantes, analisar o componente lexical em dois subcomponentes: uma lista de entradas, onde são listadas as irregularidades, e uma lista de regras e/ou de princípios, que dá conta das regularidades. Os modelos estratificados, como o de Halle (1973) e de Corbin (1987 e 1991), se diferenciam dos anteriores porque as regularidades e as

irregularidades não são situadas no mesmo nível, mas as segundas estão subordinadas às primeiras.

Em geral, os modelos discutem as condições de análise da estrutura interna das unidades lexicais, a proposição de regras de formação de palavras (RFP), além de questões relacionadas com a dificuldade de associação entre estrutura morfológica e interpretação semântica em uma palavra complexa, assim como o estatuto semiótico dos constituintes morfolexicais que integram uma unidade lexical, tal como a ocorrência de constituintes não portadores de significação, como os constituintes não autônomos e não recorrentes, tais como o exemplo clássico de cranberry, em que o segmento cran- não tem um significado específico em cranberry e também não aparece em outras formações em inglês.

3.2 Os modelos não-estratificados