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A morte como auge do spleen e sua contraposição: o idéal

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 38-51)

CAPÍTULO 1 Charles Baudelaire e os fundamentos da poesia moderna

1.4 A morte como auge do spleen e sua contraposição: o idéal

Na poesia de Baudelaire, o spleen gerado pela passagem do tempo na modernidade capitalista do século XIX parisiense, é o fator que degrada a

“fréquentation” da cidade grande, que nessas condições é vista como o palco da deterioração não apenas de seus objetos inanimados – ruas, avenidas, lojas –, mas da

vida do homem, que se torna “vítima da modernidade” (FRIEDRICH, 1978, p.38).

Desde essa perspectiva, o homem moderno se degrada porque o tempo, que age sobre ele, só deixa de agir em sua vida quando o mata. Nesse sentido, a morte representa o auge da degradação provocada pelo tempo, e o spleen, a “embriaguez

moderna da subjetividade”. Embriaguez essa que tem por objetivo um “esquecimento” total de “si”. Portanto, o sentimento gerado pelo spleen parece conduzir Baudelaire a perceber a morte como uma tentativa de encontrar essa subjetividade sem o torpor provocado pelo tédio e pela melancolia da vida moderna. O trecho de “Chacun sa Chimère” em que o poeta descreve a fisionomia resignada dos homens que são

“condenados a esperar sempre” ilustra essa ideia:

Chose curieuse à noter : aucun de ces voyageurs n'avait l'air irrité contre la bête féroce suspendue à son cou et collée à son dos; on eût dit qu'il la considérait comme faisant partie de lui-même. Tous ces visages fatigués et sérieux ne témoignaient d'aucun désespoir; sous la coupole spleenétique' du ciel, les pieds plongés dans la poussière d'un sol aussi désolé que ce ciel, ils cheminaient avec la physionomie résignée de ceux qui sont condamnés à espérer toujours.

A “condémnation à espérer toujours” se relaciona a toda a impotência, toda a indeterminação e toda a degradação da vida moderna. Nesse sentido, a morte seria a

salvação dessa “condenação a esperar sempre”. Essa interpretação pode ser entendida

como ausência do tempo porque é a culminação da própria espera e do próprio tempo. O fim nada mais seria do que um recomeço, a morte seria o alcançar de uma dimensão infinita que não existe na vida – como pode ser percebido no poema “Le Voyage VIII” de Les Fleurs du Mal:

Ô Mort, vieux capitaine, Il est temps! levons l’ancre! Ce pays nous ennuie, ô Mort! Appareillons!

Si le ciel et la mer sont noirs comme l’encre, Nos coeurs que tu connais sont remplis de rayons! Verse-nous ton poison pour qu’il nous reconforte! Nous voulons, tant ce feu nous brûle le cerveau, Plonger au fond du gouffre, Enfer ou Ciel, qu’im-

porte?] Au fond de l’Inconnu pour trouver du nouveau!

(Le Voyage VIII – Les Fleurs du Mal)19

Se o “Ciel” e o “Enfer” recobrem tudo de luto, a morte, associada ao “Nouveau”

e “L´Inconnu”, é aguardada com esperança para que venha a derramar seu “poison” sobre a vida, a fim de terminar com a “condamnation à espérer”. Porque é desconhecida e está relacionada à ideia do novo, a morte seria de alguma forma a única maneira humana de atingir a esfera do infinito, ou do que não tem tempo. Nesse sentido, está ligada à fuga do tédio e do tempo, já que, segundo Hirt, ela se encontra na esfera da beleza, daquilo que foge à representação e ao ciclo do spleen, que de acordo com Hirt e

Benjamin, pode ser equiparado ao “eterno retorno”, de Nietzsche. Para Hirt (1998,

p.130), “o eterno retorno” em Baudelaire “está carregado de negatividade”, porque o

“prazer próprio da repetição” “se converte existencialmente em taedium vitae, em desgosto da repetição, no tédio.”. Dessa forma, relacionada à noção de tédio, a morte é a fuga da repetição, conduzindo o homem moderno ao desconhecido. Ela é portadora da esperança que traz a ausência da repetição. Só ela pode ser a salvação, só ela é capaz de apontar em direção daquilo que não tem fim. Só a morte pode conter a vida “absoluta”, porque ela engloba a ideia do infinito.

O poema “Une charogne”, de Les Fleurs du Mal, constitui um exemplo da concepção da morte como fuga da repetição em que está intrínseca a noção da vida. Seus versos giram em torno de uma carniça encontrada pelo poeta quando passeia com sua amada. Um animal morto sendo comido por vermes se torna objeto de um poema que evoca o amor, fazendo referência à beleza da morte. É possível perceber, nele, a ideia da proliferação da vida através de um objeto morto, como apresentam os seguintes versos: “On eût dit que le corps, enflé d'un souffle vague/Vivait en se multipliant.”20 (BAUDELAIRE, 1976, p.31). Só se pode falar de morte pela vida, porque se “a morte, para a qual toda semelhança é ainda imperfeita, exceto talvez no cadáver, não se parece a nada, como a beleza” (HIRT, 1998, p.138), em consequência, só se pode aludir alegoricamente a ela através do que está vivo.

A associação entre “morte” e “belo” é possível porque ambos aludem ao infinito. Baudelaire afirma que o belo “est toujours, inévitablement d’une composition double,

19“Ó Morte, velho capitão, é tempo! Às velas!/Este país enfara, ó Morte! Para frente!/Se o mar e o céu

recobre o luto das procelas,/Em nossos corações brilha uma chama ardente!

Verte-nos teu veneno, ele é que nos conforta!/Queremos, tanto o cérebro nos arde em fogo,/Ir ao fundo do abismo, Inferno ou Céu, que importa?/Para encontrar no Ignoto o que tem de novo!” As Flores do Mal (2006). Tradução de Ivan Junqueira.

bien que l’impression qu’il produit soit une”21

. (BAUDELAIRE, 1976, p.685). Se a morte não pode ser representada, assim como o belo – já que fazem referência ao infinito que pode apenas ser evocado –, também pode ser interpretada, na poesia de Baudelaire, de forma dual, pois, além de ser o auge da degradação do tempo, também contém em si a ideia de um infinito, o que permite ao homem pensar sobre ela. A morte, portanto, na poesia deste autor, se encontra no limiar entre o “divino” e o “profano”

porque não pode ser representada verdadeiramente em sua essência, já que “a verdade

não se diz a não ser no, pelo e do infinito” (HIRT, 1998, p.261). Dessa forma, como a verdade só pode ser aludida, ela deve ser evocada através do finito, da condição transitória do que é mortal. Por isso, Baudelaire afirma que o belo é feito de um elemento eterno; no entanto, só se apresenta na natureza humana a partir do que é transitório:

Le beau est fait d’un élément éternel, invariable, dont la quantité est excessivement difficile à déterminer, et d’un élément relatif, circonstanciel, qui sera, si l’on veut, tour à tour ou tout ensemble, l’époque, la mode, la morale, la passion. Sans ce second élément, qui est comme l’enveloppe amusante, titillante, apéritive, du divin gâteau, le premier élément serait indigestible, inappréciable, non adapté et non approprié à la nature humaine. (BAUDELAIRE, 1976, p. 685)22

A modernidade, assim como a beleza, está constituída dos dois elementos fundamentais: o transitório e o imutável. De certa maneira, toda a obra do poeta parece estar ligada a essa “dualidade inquietante”, conforme a expressão cunhada por Barbara Johnson:

A dualidade inquietante pela qual o sujeito se acha dilacerado constitui então, paradoxalmente, o que garante ao mesmo tempo a unidade do universo poético. Se o mundo polarizado pode assim, de maneira binária, se dividir sem sobra, a soma desses dois elementos polares – qualquer que seja sua reversibilidade, e então, a dificuldade de distingui-los um do outro – deve constituir um Todo. (JOHNSON, 1979, p. 61)

21“O belo inevitavelmente sempre tem uma dupla dimensão, embora a impressão que produza seja una”

22“O belo é constituído por um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é excessivamente difícil de

determinar, e por um elemento relativo, circunstancial, que será, se quisermos, sucessiva ou combinadamente, a época, a moda, a moral e a paixão. Sem esse segundo elemento, que é como o invólucro aprazível, palpitante, aperitivo do divino manjar, o primeiro elemento seria indigerível, inapreciável, não adaptado e não apropriado à natureza humana”

Baudelaire afirma que “la dualité de l’art est une conséquence fatale de la dualité de l’homme.”23 (BAUDELAIRE, 1976, p.685-686). Essa condição dual do homem está ligada ao tédio e ao caráter melancólico que a sociedade moderna provoca nele. De acordo com Susana Kampff Lages em seu livro Walter Benjamin Tradução e melancolia (2007), “as duplicidades na representação são correlatas da ambivalência inerente a toda disposição melancólica que se caracteriza pela oscilação entre as posições contraditórias: alto e baixo, triste e alegre, espiritual e material, infernal e

divino.” (LAGES, 2007, p.49). Essas posições contraditórias, de acordo com a estudiosa, vão “além de uma mera representação maniqueísta de afetos e conceitos”,

talvez porque se fundem e se complementam na arte e porque parecem precisar um do outro como condição existencial.

Na poesia de Baudelaire, a posição contraditória e complementar do spleen e do idéal forma o fundamento de sua obra, além de estar intrinsecamente ligada à questão do transitório e do imutável, visto que o spleen se encontra no âmbito do que é degradado pelo tempo, enquanto que o idéal corresponde àquilo que não tem duração. É

preciso salientar que essa dualidade se relaciona com a ideia de “percepção da matéria”,

de Henri Bergson, na medida em que, de acordo com a citação do poeta sobre a dualidade da arte e do homem, este, portador de sentimentos ambivalentes, pode

perceber um objeto de diferentes maneiras, dependendo do sentimento e do “grau de atenção à vida” (BERGSON, 1999, p.7).

O poema em prosa “La chambre Double” é um exemplo das contradições geradas pelas diferentes percepções resultantes da dualidade do homem moderno. Ele apresenta um mesmo ambiente: um quarto que, em um primeiro momento, está imune à passagem do tempo, e que, em seu desfecho, é atravessado e degradado por ele. No começo do poema, o quarto “ressemble à une rêverie, une chambre véritablement spirituelle, onde “il n’est plus de minutes, il n’est plus de secondes ! Le temps a disparu ; c’est l’Éternité qui règne, une éternité de délices!”24

. No entanto, posteriormente, esse mesmo quarto se transforma, porque “un Spectre est entré”:

Oh ! oui ! Le Temps a reparu ; Le Temps règne en souverain maintenant ; et avec le hideux vieillard est revenu tout son démoniaque cortège de Souvenirs, de Regrets, de Spasmes, de Peurs, d’Angoisses, de Cauchemars, de Colères et de Névroses.

23“A dualidade da arte é uma consequência fatal da dualidade do homem”

24 “Que parece um devaneio, um quarto verdadeiramente “espiritual”.” - “Já não há minutos, já não há

Je vous assure que les secondes maintenant sont fortement et solennellement accentuées, et chacune, en jaillissant de la pendule, dit : — « Je suis la Vie, l’insupportable, l’implacable Vie!» Il n’y a qu’une Seconde dans la vie humaine qui ait mission d’annoncer une bonne nouvelle, la bonne nouvelle qui cause à chacun une inexplicable peur.

Oui ! le Temps règne ; il a repris sa brutale dictature. Et il me pousse, comme si j’étais un bœuf, avec son double aiguillon. — « Et hue donc ! bourrique ! Sue donc, esclave ! Vis donc, damné! »25

Nesse poema em prosa, Baudelaire concebe o tempo como agente determinante para a felicidade do poeta, na medida em que transforma a atmosfera e seus sentimentos em relação aos objetos. No texto, explicita-se que o poeta, antes de perceber o passar do tempo, quando se encontrava em seu “instante fugitivo” (HIRT, 1998, p.139), o quarto

era “une éternité de délices”, o que significa que estava na esfera do idéal, que de

acordo com Walter Benjamin, “insufla a força do rememorar e o spleen lhe opõe a turba

dos segundos” (BENJAMIN, 1989, p.135). O idéal é o exato reverso do spleen, porque além de não estar sujeito à ação do tempo, se conecta com a esfera da lembrança.

Segundo o poeta, em seu poema em prosa “Laquelle est la vraie?”, a atmosfera do idéal

propaga “le désir de la grandeur, de la beauté, de la gloire et de tout ce qui fait croire à l’immortalité”26

. Por isso, tudo o que não é determinado pela “turba dos segundos” faz parte dessa atmosfera.

Na poesia de Baudelaire, spleen e idéal são noções opostas que nascem dos sentimentos do tédio e da melancolia provocados pela cidade grande. Sendo opostas, parecem, a priori, incompatíveis. Porém, o que poderia ser considerado como contradição e incompatibilidade, segundo Barbara Johnson, é precisamente um dos fundamentos da poesia de Baudelaire. A “dualidade inquietante pela qual o sujeito se

acha dilacerado”, explicada por Johnson, se reflete através do spleen e do idéal que se apresentam a partir de um mesmo lugar: a moderna cidade grande. Como já foi

explicitado nestas páginas, em “Une chambre Double” o mesmo ambiente provoca simultaneamente sensações opostas que variam em função de estarem, ou não, expostas à degradação do tempo. Esta concepção do tempo, característica da poesia de

Baudelaire, pode ser encontrada, também, no poema “L’horloge”, de Les Fleurs du Mal.

25“Oh! Sim! ressurgiu o Tempo; o tempo agora reina como soberano; e com o horrendo velho retornou

todo o seu cortejo demoníaco de Lembranças, de Espasmos, de Terrores, de Angústias, de Pesadelos, de Cóleras e de Neuroses./ Eu vos assevero que os segundos, agora, são fortes e solenemente assinalados, e cada um deles, jorrando do pêndulo, diz: - “Eu sou a vida, a insuportável, a implacável Vida!”/ Em toda a vida humana só há um Segundo que tem a missão de anunciar uma boa-nova, a boa-nova que causa inexplicável medo. / Sim! reina o Tempo; reassumiu a sua brutal ditadura. E acossa-me, como se eu fosse um boi, com seu ferrão: - Eia, burrico! Sua, escravo! Vive, condenado!”

Nele, o relógio é descrito como um “dieu sinistre, effrayant, impassible,/Dont le doigt nous menace et nous dit : “Souviens-toi !”27, o que sugere que as horas, ao perpassarem todas as esferas da vida, são portadoras de uma repetição do sempre idêntico e igual.

Nesta concepção do tempo, portanto, viver constitui uma “condamnation à espérer”, da qual só é possível se libertar com a morte.

Em sua discussão sobre o spleen, Hirt afirma que este seria “o que esvaziaria a consciência, a faria desesperar-se por ser tão impotente no sentido de ter uma direção ou

uma intenção” (HIRT, 1998, p. 148). Mas isso significa que, de alguma maneira, o

spleen também evoca o idéal, cuja ausência é a responsável por que ele ocorra no

homem moderno. O “desespero causado pela impotência” despertaria a ideia da fuga

através da lembrança, por meio da qual o poeta pode recriar o passado, um lugar em que não existe mais o tempo nem o sentimento pesado causado pelo presente. O poema “Un hémisphère dans une chevelure” constitui um exemplo acabado dessa contradição.

De acordo com Barbara Johnson (1979, p.45), “o poema estabelece uma ligação de correspondências perfeita entre o poeta e seu passado”. O idéal muitas vezes é evocado pela lembrança e pela memória, talvez porque ela não pode ser corrompida pelo tempo e não é estática, mudando de acordo com a vontade e com as sensações de quem lembra. Desta forma, a fuga, através da lembrança, implica recriar o passado continuamente e segundo Bergson, deslocar a percepção “encerrada no presente” transformando-a em inúmeras percepções, já que o passado pode ser considerado como um lugar em que não existe mais nem a duração nem o sentimento pesado que o presente desperta. A mulher da cabeleira, portanto, é essencial para que o poeta consiga imaginar, e se reportar, a outro lugar: “si tu pouvais savoir tout ce que je vois! tout ce que je sens! tout ce que j’entends dans tes cheveux!”. Esse outro lugar, é preciso salientá-lo, pertence ao território da imaginação do artista, a qual é atravessada,

também, por suas lembranças: “quand je mordille tes cheveux elastiques et rebelles, il me semble que je mange des souvenirs.”.

Para atingir essa esfera do passado em que não existe duração nem lembranças, o poeta deve estar necessariamente no presente, visto que, de acordo com Bergson, memória e percepção estão intrinsecamente relacionadas. O que significa que o âmbito do que não tem tempo só pode ser aludido através do que tem. O poeta só pode se referir a suas lembranças porque se encontra em um espaço e em um tempo

determinados em sua condição finita de elemento transitório que faz parte do mundo palpável. Nesse sentido, no poema, é possível perceber que o poeta observando o mundo físico, consegue se remeter à seu passado. Dessa forma, pode-se interpretar “Un hémisphère dans une chevelure” como uma evocação de aspectos do idéal feita através da observação do mundo exterior, a partir da condição humana finita.

Esse mundo exterior parece ser necessário, em “Un hémisphère dans une chevelure”, para a representação da fuga do spleen iminente ao homem moderno, que de acordo com Hugo Friedrich (1978, p.37-38) seria uma “vítima da modernidade”. Sendo assim, ao “falar a partir do eu”, primeira pessoa do singular, o poeta o faz como quem se percebe parte da sociedade moderna, como explica o estudioso no trecho abaixo:

Quase todas as poesias de Les Fleurs du Mal falam a partir do eu. Baudelaire é um homem completamente curvado sobre si mesmo. Todavia este homem voltado para si mesmo, quando compõe poesias, mal olha para seu eu empírico. Ele fala em seus versos sobre si mesmo, na medida em que se sabe vítima da modernidade. Esta pesa sobre ele como excomunhão. Baudelaire disse com bastante frequência, que seu sofrimento não era apenas o seu. (FRIEDRICH, 1978, p.37-38)

O poeta “fala” “a partir do eu” na medida em que sua individualidade é uma

referência não a si mesmo, mas ao homem que se percebe como profundamente influenciado pela cidade grande. Sendo o poeta um “eu”, mas também um “outro”, o uso da primeira pessoa do singular caracteriza não apenas a “despersonalização” em sua poesia, mas a experiência denominada por Michel Collot (2007, p.15) de “espaçamento

do sujeito”. Esta consiste na percepção que o artista tem de si mesmo a partir do outro.

Esse outro, sendo o objeto de reflexão, seria o que evocaria a cidade grande como agente condicionante da efemeridade do homem moderno.

A expressão “espaçamento do sujeito”, cunhada por Collot, explica a ligação

entre o sujeito e o objeto como o reflexo de um no outro. No caso da poesia de Baudelaire, a cidade só se mistura ao homem moderno porque este só pode existir a partir dela. Michel Collot, em seu livro Paysage et poésie du romantisme à nos jours (2005), afirma que existe uma repercussão da paisagem na consciência do sujeito:

Que uma paisagem seja “romântica” supõe-se uma certa continuidade entre o imaginário e a realidade, o interior e o exterior [...] “uma paisagem qualquer é um estado da alma” [...], ela pressupõe não somente a projeção da afetividade sobre o mundo, mas também a repercussão deste na consciência do sujeito. “As passagens são como um arco de violino que brincam na minha alma” confidencia Stendhal.(COLLOT, 2005, p.43)

Ao explicar a importância da paisagem e sua relação intrínseca com o sujeito, Collot utiliza o termo “romântico”. O estudioso explica que “a modernidade de

Baudelaire está estritamente misturada à herança do romantismo”, e cita o poeta: “qui dit romantisme dit art moderne, – c’est-à-dire intimité, spiritualité, couleur, aspiration vers l’infini, exprimée par tous les moyens que contiennent les arts.”28 (BAUDELAIRE,

1976, p. 421). Collot afirma que é a “transportação do interno em direção ao externo

que define, segundo Baudelaire, a maneira lírica de sentir.” (COLLOT, 2007, p.15).

O lirismo moderno “não é mais a expressão de uma identidade e de uma interioridade, mas sim a de uma alteridade e de uma exterioridade” (COLLOT, 2007). Por essa razão, na poesia moderna, o aspecto de uma “despersonalização” não é exatamente a recusa de “falar” de si, mas de se perceber inserido no mundo em que se

vive, ou na cidade grande moderna. A isso, Collot denomina “espaçamento do sujeito”,

que ele remete ao “transportar o interno em direção ao externo”, como ilustra o poema “Un hémisphère dans une chevelure”.

A esta ideia se relaciona o spleen e o idéal, porque no poema supracitado, há uma passagem de um a outro sentimento. O primeiro indício dessa passagem é a

utilização do “epíteto” “long” (HIRT, 1998, p. 147): “o termo possui uma redundância singular, cuja natureza tautológica permanece, na verdade, indefinida (o tédio possui nuances, não é pura e simples repetição, possui intensidades, cores, alterações, etc):

“long vers”, “long ennuis”, “longs remords” (HIRT, 1998, p.147). No primeiro e no último parágrafo do poema nota-se a utilização desse vocabulário referente ao spleen:

“laisse-moi respirer longtemps, longtemps, l’odeur de tes cheveux!” e “laisse-moi mordre longtemps, longtemps, l’odeur de tes cheveux!”. No seguinte trecho, Hirt

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 38-51)

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