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A tradução como “forma”

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 61-85)

CAPÍTULO 2 O processo criativo e a linguagem a partir da filosofia da tradução

2.3 A tradução como “forma”

A tradução está relacionada à produção da obra de arte moderna. O artista, para realizar seu trabalho, deve decodificar o elemento imutável, ou a cidade grande, e transformá-lo em elementos transitórios, que são elementos existentes dentro de um contexto e culturas demarcados, passíveis de serem degradados pelas transformações de época. Pode-se, a partir daí, estabelecer um paralelismo com a tradução pelas ideias de

Roman Jakobson: “a tradução envolve duas mensagens equivalentes em códigos equivalentes” (JAKOBSON, 2007, p.65). De acordo com isso, a primeira decodificação

pela qual passa o texto original é a que é feita pelo tradutor quando lê a mensagem em um código e a transpõe para outro. A tradução, portanto, é feita levando em consideração, dentre outros aspectos, contextos históricos determinados, culturas diferentes, transformações de época. Por isso, as escolhas tradutórias estão condicionadas pela cultura e pela época a que pertencem. No entanto, ocorre muitas vezes a opção de um tradutor por uma palavra ou expressão mais próxima da língua do autor, seja pela sonoridade ou pelo contexto. Para ilustrar essa discussão, é possível mencionar o uso do verbo marcher, do poema “Chacun sa Chimère”. Para analisá-lo, aqui serão utilizadas as quatro traduções que vêm sendo usadas nestas reflexões.31

Aurélio Buarque de Holanda optou pelo verbo marchar. De Bruchard, Sala e Varèse se ativeram a correspondentes mais usuais às suas línguas: andavam, caminaban e walked. O verbo marcher contempla todos esses conceitos, mas o verbo marchar, em português, tem um significado usual diferente. A primeira definição do verbete constante no dicionário Houaiss é o “de seguir em ritmo de marcha”. Em francês, de acordo com os dois dicionários pesquisados, Littré e Le Petit Robert, a acepção primeira

é a de “deslocar-se com os pés”.

“Marcher” e “marchar” implicam a mesma ação, porém o verbo em português remete a um significado que, à primeira vista, não é o usual no francês. Mas ao comparar as versões, percebe-se que essa leitura também é possível na língua de Baudelaire, assim como é possível em português, já que andar, de acordo com o dicionário Houaiss, também inclui o significado de marchar na língua portuguesa.

Uma palavra, ou signo, significa algo na medida em que está combinado a outros, formando assim um contexto. Portanto, o conjunto desses signos implica uma representação ou imagem. No entanto, ao substituir algum deles, ou mesmo uma seleção de signos por sinônimos, um tradutor obtém uma significação semelhante, e uma exclusão, porque marchar é um sinônimo de marcher; contudo, na prática, exclui o sinônimo que seria o mais próximo: andar.

31

1) Pequenos Poemas em prosa: tradução de Aurélio Buarque de Holanda, 1966, editada no Rio de Janeiro pela Civilização Brasileira. 2) Pequenos Poemas em prosa: tradução de Dorothée de Bruchard, 1988, lançada em Florianópolis pela editora da UFSC em edição bilíngue. 3) Pequeños Poemas en prosa: tradução de Mercedes Sala feita em Barcelona, 1995 pela editora Edicomunicación.4) Paris Spleen: tradução de Louise Varèse, 1970, lançada em Nova York no ano de 1970 pela editora New Directions.

Essas opções remetem ao questionamento que permeia as escolhas tradutórias: se o ato de traduzir implica sempre em operar uma exclusão quando se escolhe uma determinada palavra, como decidir? Comellas responde a essa pergunta deixando a

questão em aberto, e explica que a opção tradutória se deve não apenas à “complexidade

do fenômeno traslatório, nem ao grande leque de variáveis (gênero textual, [...]

modalidade, contextos)”, mas que, para além disso, as opções de um tradutor “implicam

escolhas éticas importantes, tanto para a própria cultura como para a cultura que

tentamos traduzir.” (COMELLAS, p.154, 2011). Dessa forma, traduzir é fazer escolhas. No entanto, se uma tradução for voltada “a quem entende o original” – porque caso

contrário, a tradução seria um original, (BENJAMIN, 2011, p. 102) –, é possível entender que não existem exclusões e sim complementações de significados.

Assim, no exemplo do verbo marcher, ao invés de considerar a exclusão que há entre os dois verbos – marchar e marcher – na verdade se observa que ocorre uma complementação porque os dois códigos juntos aludem a um significado maior do que seria marcher sozinho ou marchar apenas em português. Ou seja, o tradutor, tendo optado por esse sinônimo, ajuda o leitor que conhece o original a fornecer à obra o seu olhar, porque o leitor pode ser considerado como “tradutor de uma tradução” como o é o

espectador de Baudelaire. Dessa maneira, o seu olhar é uma “forma”, que, segundo Benjamin, é o mesmo que a tradução: “para compreendê-la como tal [como forma] é preciso retornar ao original” (BENJAMIN, 2011, p. 102).

Como já foi assinalado aqui, em O conceito de crítica de arte no romantismo alemão que “o órgão da reflexão artística é a forma”, e que a “Ideia da arte” seria um

“medium-de-reflexão das formas”, o que implica que a “Ideia de arte” está contida na obra, e que as críticas e análises que lhe são feitas, são um meio de evocá-la permanentemente. Essa crítica é “forma” como também o é a tradução. Portanto, retomando a relação existente entre tradução e representação moderna, o artista, sendo um tradutor de algo que não é representável, somente aludido, e fornecendo a “forma” transitória do elemento imutável – “o esboço perfeito” –, torna o olhar de seu espectador

também uma “forma” transitória necessária à primeira representação finita que só pode

continuar aludindo ao infinito pelos diversos olhares por vir. Estes são fundamentais ao

“esboço perfeito” porque – sendo relacionados às traduções – eles o “alçam a uma atmosfera mais elevada”, como explica Benjamin, no trecho a seguir, de A tarefa do tradutor, ao abordar a importância da tradução em relação ao original:

Na tradução o original cresce e se alça a uma atmosfera por assim dizer mais elevada e mais pura da língua, onde, é claro, não poderá viver por muito tempo, da mesma forma como está bem longe de alcançá-la em todas as partes de sua figura, mas à qual, de modo extraordinariamente penetrante, ele ao menos alude, indicando o âmbito predestinado e interdito da reconciliação e da plenitude das línguas. (BENJAMIN, 2011, p. 110)

A crítica de arte e a tradução, enquanto “formas”, têm a mesma característica de

remeter a obra de arte ou o original a uma “atmosfera mais elevada”, ou à “plenitude das línguas”, que os idiomas isolados não conseguiriam atingir. No entanto, o que não

poderia ser alcançado em cada um dos idiomas se “complementa” “na totalidade” de

suas “intenções”, que Benjamin denomina também “pura língua” (BENJAMIN, 2011,

p.109).

Nesse sentido, retomando o exemplo de marcher e marchar, na tradução de Aurélio Buarque de Holanda, o tradutor, ao usar o verbo marchar como correspondente do verbo marcher, exclui o significado de andar; porém, na comparação dos dois idiomas, percebe-se que existe uma alusão mais forte à “pura língua” exatamente pela complementação das duas palavras. Aurélio, portanto, atribui um sentido distinto da palavra em francês, da mesma forma que também proporciona a sua língua um sentido mais abrangente que aquele que existe na língua francesa, em outras palavras, a comparação entre uma tradução e o original permite uma referência maior a um potencial “absoluto” da palavra.

Nesse sentido, Walter Benjamin exemplifica a relação de exclusão e de complementação existente entre duas línguas com os exemplos Brot e pain. O filósofo

afirma que “o visado é o mesmo; mas o modo de visar, ao contrário, não o é.”. Isso

acontece porque para um francês e para um alemão o significado dessas palavras não

são intercambiáveis, mas ambas significam, em termos absolutos, a “mesma coisa”: Está implícito, pois, no modo de visar o fato de que ambas as palavras significam algo diferente para um alemão e um francês, respectivamente, que, para eles, elas não são intercambiáveis e que, aliás, em última instância, almejem excluir-se mutuamente; porém, no que diz respeito ao objeto visado, tomadas em termos absolutos, elas significam a mesma e idêntica coisa. (BENJAMIN, 2008, p.72)

Brot e pain se referem a um mesmo objeto; no entanto, a percepção desse objeto

muda de acordo com o “grau de atenção à vida” do espectador e com o contexto em que

ele está inserido, seja ele o tradutor ou o leitor. Por isso, praticamente, “se excluem”, visto que não há maneira de existir, ao que se refere a tradução, contextos iguais. Na

medida em que é impossível haver a mesma percepção e a mesma imagem, essas diferenças de percepções são relevantes porque ambas, comparadas, permitem aludir de

forma mais evidente à “mesma coisa visada” que não pode ser alcançada por nenhuma língua separadamente, mas ao serem dispostas juntas se “complementam em suas intenções”, como afirma Benjamin:

Toda afinidade meta-histórica entre as línguas repousa sobre o fato de que, em cada uma delas, tomada como um todo, uma só e a mesma coisa é visada; algo que, no entanto, não pode ser alcançado por nenhuma delas, isoladamente, mas somente na totalidade de suas intenções reciprocamente complementares: na pura língua. Pois enquanto todos os elementos isolados – as palavras, frases, nexos sintáticos – das línguas estrangeiras se excluem, essas línguas se complementam em suas intenções mesmas. (BENJAMIN, 2011, p.109)

A noção de “plenitude das línguas” tem uma relação estreita com a ideia exposta

por Baudelaire de que o artista moderno produz uma obra que é uma tradução, e com a concepção de que o leitor é também um tradutor. Se o artista moderno faz uma tentativa de remeter ao elemento imutável, elemento este que pode ser relacionado à “pura

língua” de Benjamin, o espectador, junto com o artista, é importante na alusão ao que

nunca muda porque seria esse olhar do outro que permitiria que o texto original – ou a obra de arte – não se degrade pelo tempo, usando das transformações de época para sua própria transformação. Decorrente disso, a exclusão de acepções operada pela tradução

remete à linguagem como “símbolo do não-comunicável”, visto que, dessa forma, ela

explicita a condição da linguagem, que está fadada a ser corroída pelo tempo. Segundo

Benjamin (2011, p.71) a que “sobrenomeia” o que designa e que foi transformada em mero signo porque já não mais nomeia os objetos: “o nome é aquilo através do qual nada mais se comunica, e em que a própria língua se comunica a si mesma, e de modo

absoluto.” (BENJAMIN, 2011, p. 55).

Dessa forma, Benjamin situa o nome na ordem da “palavra divina”, porque sua condição de “signo” surge a partir do “pecado original” com “a palavra humana”: “aquela em que o nome não vivia mais intacto, aquela palavra que abandonou a língua que nomeia” (BENJAMIN, 2011, p.67). Assim, ao se lançar ao pecado, o homem teria abdicado dessa língua, e teria dado lugar a “uma paródia da palavra imediata, da palavra criadora de Deus.” (BENJAMIN, 2011, p.67). Portanto, transformando a linguagem “em mero signo”, a combinação e seleção deles são necessárias, porque só através delas seria possível a tentativa de exprimir algo de que a palavra, por si só, não poderia dar

conta, já que não seria capaz de alcançar seu significado “absoluto”, devendo, assim,

fazer uso de outros signos para que possa transmitir alguma mensagem.

A frase “chose curieuse à noter”, no quinto parágrafo de “Chacun sa Chimère”, é um exemplo do que está sendo tratado a respeito dos limites da palavra. Existe aí um arranjo de signos que forma um significado; porém, na tradução de Aurélio Buarque de Holanda houve uma redução e o tradutor optou pelo termo “curioso”. A seleção de palavras feita por Baudelaire permite a seguinte leitura: na medida em que o verbo noter leva o leitor a notar algo, sublinha que se deve perceber o que é curioso. Na tradução para o português que aqui está sendo analisada, no entanto, parece apenas haver uma rápida pausa para introduzir o que vem a seguir. Baudelaire utilizou um arranjo de signos para expressar o que observava, que juntamente a “curioso” de Aurélio permite

perceber que um só “signo” não seria suficiente para remeter o leitor a enfatizar o que via o poeta. No entanto, na comparação dos dois aparece “uma terceira presença ativa. Revela a fisionomia da “linguagem pura” que precede e subjaz nas duas línguas.”

(STEINER, p.85, 2001). Porém, na prática, existe uma perda entre o original e texto traduzido.

As perdas que acontecem na tradução se relacionam, também, com opções de

referentes iguais porque estes possuem necessariamente “modos de designar” diferentes. E são esses “modos de designar” diferentes – visto que não há maneira possível de que

sejam iguais – que, para o artista moderno, são necessários à dinamicidade da obra de arte. Ou seja, pelos diferentes contextos históricos do tradutor e do espectador, as escolhas tradutórias criam outra imagem que complementa a do original, já que a

imagem criada pelo artista, por si só, é uma “deformação” da “imagem real”, e esta

permite, portanto, inúmeras outras imagens. Dessa forma, não existiria uma verdadeira a ser expressa, e sim uma complementação de imagens. Assim sendo, se há na obra uma possibilidade de múltiplas percepções geradas a partir dela, o tradutor que pretendesse

“transmitir algo”, pressuporia que o original também o faz, e que o texto traduzido está

sempre aquém do texto em sua língua de origem. No entanto, Benjamin explica que a

língua só pode exprimir algo em sua condição “divina”, ou seja, ela só é um “meio [Medium] de comunicação” em sua mais “pura essência” (BENJAMIN, 2011, p. 53).

Dessa forma, o máximo que a linguagem humana consegue fazer é aludir à “verdade”,

pois o “absoluto” não pode ser exatamente representado por ela. Por isso, um original é

tradução também, do contrário, ela não acrescentaria nada a ele e apenas passaria uma mensagem que significaria de modo efêmero, ou seja, seria um “símbolo”.

Dessa forma, para que exista essa complementação de maneira a fornecer uma dinamicidade ao original, um tradutor deve optar pelos melhores arranjos de maneira a completar o texto em sua língua materna, e deve “recusar-se a levantar o problema da

dualidade da tradução”. Inês Oseki-Dépre explica essa ideia em seu livro De Walter Benjamin à nos jours... (2007):

De algum modo, recusando-se a levantar o problema da dualidade da tradução, da escolha entre o fato de privilegiar a fonte ou a língua-alvo, abre- se ao tradutor um novo espaço de liberdade e é esse o ponto que constitui o objeto de nossa reflexão. (OSEKI-DÉPRÉ, 2007, p.17)

Daí se depreende que o tradutor deveria procurar, junto ao original, a “relação” entre os dois textos e não as palavras em seu idioma baseado na mensagem que o autor possa ter querido transmitir, porque isso implicaria em um distanciamento do texto traduzido e do texto original, visto que “o papel da tradução, seu papel essencial, não é o de perpetuar o original, mas, em um nível mais elevado, exprimir a relação mais íntima das línguas.” (OSEKI-DÉPRÉ, 2007, p.20). A expressão da relação entre as línguas abrange as perdas e ganhos inevitáveis da tradução porque trata-se da linguagem

humana, que aprisionada a um contexto histórico, é sempre de algum modo “símbolo do

não-comunicável”. Nesse sentido, George Steiner, em Depois de Babel (2001), afirma

que, de certa forma, traduzir seria “um absurdo”:

Cada ato genuíno de tradução é, ao menos de alguma forma, um absurdo, uma tentativa de reconstruir a escala do tempo e de recopiar voluntariamente o que foi um movimento do espírito. (STEINER, 2001, p.92)

Partindo desta reflexão de Steiner, a tradução realiza um corte temporal na realidade e na evolução das línguas, pois as escolhas tradutórias se baseiam no tempo e no espaço do tradutor. Assim, traduzir um poema de Baudelaire para o português do século XXI é retirá-lo do século XIX e dispô-lo diretamente no século de hoje. Ou seja, conectar diretamente uma época a outra, de um contexto a outro. No entanto, reestabelecendo a relação com a obra de arte moderna, o artista que representa o elemento imutável também promove um corte temporal e espacial; porém, se utiliza dele como motor de dinamicidade e de inacabamento para que a obra não se degrade. Dessa maneira, esse corte temporal pode ser visto, do ponto de vista da poesia moderna,

como uma complementação de contextos e de percepções porque a representação artística moderna a demanda. Portanto, essa tentativa de utilizar do tempo e do espaço como elementos favoráveis à obra de arte e à tradução, de acordo com Antoine Berman,

é uma “experiência” que acarreta uma “relação íntima entre as línguas”. Por isso, é

possível concluir que ao traduzir pretende-se fazer com que uma obra sobreviva ao tempo, já que suas versões, produzidas em diferentes épocas, preservam as transformações de cada língua, de modo que em sua acumulação progressiva, cada vez mais aludiria à significação dessa obra a partir dos contextos trazidos por suas traduções. Dessa forma, tem-se, na tradução, uma “multiplicidade rica e desconcertante” de culturas e contextos, como indica Berman:

Não existe a tradução (como a postula a teoria da tradução), mas uma multiplicidade rica e desconcertante, escapando a todas as tipologias, às traduções, aos espaços das traduções, que recobrem o espaço que existe por todo lado, em todos os lugares, para traduzir. Também a tradutologia não ensina a tradução, mas desenvolve de maneira transmissível (conceitual) a experiência que é a tradução em sua plural essência. (BERMAN, 1999, p. 23)

A tradução é uma “multiplicidade rica e desconcertante”, como o é a linguagem humana, porque “a linguagem, implicando a necessária pluralidade das línguas implica a ideia da tradução como um de seus componentes definitivos. A teoria da tradução é

então, antes de tudo, uma teoria da linguagem”, como o assinala Dessons (2014).32 Dessa forma, fica mais clara a relação que se estabelece entre a obra de arte moderna e a tradução, visto que a impotência da linguagem existe porque é impossível transformar de maneira absoluta o elemento imutável em elemento transitório. Portanto, a tentativa de Baudelaire de representar a cidade grande com essa mudança de códigos se relaciona à prática da tradução. Por isso, a obra de arte moderna, assim como a tradução deve considerar a clareza de sua representação, que pode ser comparada à clareza do texto na língua de chegada, porque, se um texto traduzido, de certa forma, é um estudo da linguagem e sendo a linguagem uma forma de expressão, como afirma Benjamin, ela

tem como objetivo prático tornar a “matéria” perceptível, ou seja, fazer com que o “vazio” “abstrato” do “elemento imutável” possa ser aludido.

Dessa maneira, o artista moderno, ao produzir seu “esboço perfeito”, considera o

seu contexto e o contexto por vir; por isso sua obra é uma “abertura do tempo”, segundo

32 Traduire-écrire – Cultures, poétiques, anthropologie.

http://books.openedition.org/enseditions/4113#authors

a expressão de André Hirt. Ele não considera apenas a sua cultura ou a cultura de seu possível espectador, não utiliza uma em detrimento da outra – ideia essa que remete mais uma vez à modernidade baudelairiana, visto que a tentativa do poeta é captar na modernidade o que nunca se degrada – porque usar uma em detrimento da outra, seria partir do pressuposto já mencionado de que uma representação na ordem da linguagem é igual em todas as línguas, ou pressupor que existe uma única mensagem a ser transmitida pela obra.

À pressuposição de que existiria uma mensagem a ser transmitida pela representação artística pode-se relacionar os diferentes tipos de tradução que são explicados por Antoine Berman, dentre eles, a tradução “etnocêntrica e hipertextual”, e

a “platônica” (BERMAN, 1999, p.29).

A tradução “etnocêntrica” é aquela que “leva tudo a sua própria cultura, a suas

normas e valores, e considera o que está situado fora dela – o estrangeiro – como

negativo”33Assim, esse tipo de tradução só aceita a cultura do original como algo a “ser

adaptado e anexado” porque a língua de chegada pode dar conta de tudo o que pode ser

representado. Outro tipo de tradução que deixa de lado a língua de origem é a

“hipertextual”, que é “todo texto produzido pela imitação [...] adaptação, plágio, ou toda

outra espécie de transformação formal de um texto que já existe”34. Este tipo poderia ser pensado como uma tradução que tem como princípio aperfeiçõar o texto original e proporcionar a ele um entendimento fácil, o que seria, de certa forma, descartá-lo como

“continuum de formas”, implicando também em descartar a tradução como “forma” que complementa o original.

Relacionados à obra de arte, estes dois tipos de tradução retiram dela seu caráter moderno, pois privilegiar apenas o contexto do tradutor, ou do artista, e explicá-lo ao espectador é representar apenas o que é transitório na época e rejeitar os diferentes tipos de olhares por vir assim como as diferentes interpretações que possam acrescentar algo a ela. A tradução “hipertextual” e a “etnocêntrica” são consideradas por Berman (1999, p.33) parte da tradução “platônica”, porque elas partem do princípio que “existe um

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